Acórdão nº 0244/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelFREITAS CARVALHO
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

O Magistrado do Ministério Público, em representação do Estado, vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que, em acção ordinária emergente de contrato administrativo, condenou o R. Estado Português a restituir ao A. A..., identificado nos autos, a quantia de 3.033.045$00, acrescida de juros desde a citação.

  1. O recorrente formula as seguintes conclusões: 1. O EMFAR, aprovado pelo DL 34-A/90 de 24.1 alterado pela Lei n.° 27/91 de 17.7 e DL n.° 152/92 de 31.7, designadamente o seu art.° 405, era omisso no que se refere à imposição de qualquer contraprestação de natureza indemnizatória na sequência de rescisão convencional por parte do militar em regime de RC; 2. Esta omissão constitui uma lacuna da Lei; 3. Os militares das Forças Armadas são funcionários públicos, constituindo um corpo especial no âmbito da função pública, nos termos do disposto na alínea b) do n.° 2 do art.° 16° do DL 184/89, de 2.6 (diploma que estabeleceu os princípios gerais em matéria de salários e gestão de pessoal da função pública); 4. No âmbito da função pública em geral, abrangendo o regime geral e os corpos especiais, existe uma tipologia de contratos de pessoal de direito público, consagrada no DL 427/89, de 7.12 e legislação subsequente; 5. Nos termos do n.° 1 do art.° 10 do C.Civil a integração das lacunas da lei deve ser realizada por aplicação das normas que directamente contemplem casos análogos.

    1. O n.° 2 do art° 28 do DL 427/89 de 7.12, aplicável ao tipo legal de contratos de direito público, contempla caso análogo ao caso identificada como omisso; 7. Ao abrigo do disposto no n.° 2 do art.° 28°. do DL 427/89, de 7.12, aplicado por analogia à situação de rescisão convencional a que se refere a alínea a) do n.° 1 do art.° 405, do EMFAR, a cessação antecipada do RC determina a aplicação de uma contraprestação indemnizatória ao militar contratado.

    2. Ao decidir de forma diferente, condenando o Réu a restituir ao A. a indemnização que lhe foi exigida por aplicação e em obediência às citadas disposições legais, a sentença recorrida fez errada interpretação dos mesmos, violando, assim as disposições conjugadas dos art.° s 405º, n.° 1 al. a) do EMFAR, 28° n.°2 do DL 427/89, 184º, n.° 1 al. c) do EMFAR e 10°, n.° 2 do C. Civil: 9. Deve, em consequência, ser revogado e substituído por outra que absolva o Réu do pedido.

    O recorrido contra alegou formulando as seguintes conclusões: -O Autor iniciou o serviço militar voluntário (SMV) na Força Aérea em 30 de Setembro de 1991, e passou para o Regime de Contrato após a entrada em vigor da Portaria n°83/93, de 25 de Janeiro; -A 08 de Janeiro de 1999 solicitou antecipadamente a cessação do contrato, que deveria terminar em 30 de Agosto de 2000; -O requerimento foi atendido pelo CEMFA, em despacho datado de 28 de Janeiro de 1999, que mandou os serviços competentes efectuarem o cálculo da indemnização a pagar pelo recorrente; -Tendo sido fixada a quantia de 3.033.045$00 e aprovado o método utilizado para o seu apuramento; -O método aplicado foi o previsto no artigo 184°,n°1, al. c) e n°3 do EMFAR, que prevê o pagamento de uma indemnização pelos militares do QP quando solicitem o abate ao efectivo antes do cumprimento do tempo mínimo de serviço; -Embora tenha protestado a fórmula utilizada, bem como o pagamento da quantia apurada, o Autor efectuou o pagamento da citada quantia; -Segundo o artigo 388° do EMFAR o militar em regime de voluntariado fica vinculado ao regime de contrato a partir do momento da assinatura dessa forma de prestação de serviço; -O Autor ficou, de facto, vinculado por um contrato administrativo, tipificado pelo artigo 178°, n°2, al. h) do CPA como sendo de "prestação para fins de imediata utilidade pública", e na modalidade designada por contrato de provimento; -Situação que, no dizer do Prof. M. Caetano, subsiste "quando alguém se obriga para com uma pessoa colectiva de direito público a prestar-lhe um serviço por um certo prazo preenchendo um lugar dos quadros da Administração e submete-se ao estatuto jurídico da função pública"; -Contrato tipificado no DL. n° 427/89, e cujo artigo 44° remete para legislação específica dos corpos especiais, que inclui os militares das forças armadas; -Razão pela qual o regime de contrato dos militares provenientes do SMO ou do SMV está regulado no EMFAR; -A Ré entende que não foi cumprido pontualmente o contrato que o vinculava á Força Aérea; que o art. 28°, n°2, do DL.427/89 prevê o pagamento de indemnização na cessação do contrato por mútuo acordo; e que o art.405° do EMFAR (DL.34-A/90, alterado pelo DL.157/92) contém uma lacuna que deve ser suprida pela via analógica através do art.184°,n°1, al.c) do mesmo diploma, de acordo com o artigo 10° do C.Civil; -Nos contratos em geral subsiste a autonomia privada, e o não cumprimento integral do mesmo não é de forma alguma sinónimo de violação do princípio da boa-fé, especialmente se o fim da relação jurídica for consensual; -Também nos contratos administrativos a autonomia privada subsiste, independentemente do âmbito da competência de autoridade do Estado ou das pessoa colectiva de direito público, e o fim da relação contratual por meio da rescisão é um meio ao alcance de qualquer das partes; -Por isso, tal como nos contratos regulados pela lei civil, também os contratos administrativos podem ser extintos através da figura da rescisão, que, segundo o Prof. M. Caetano, tanto pode ser uma sanção, como uma faculdade exercida de acordo com as conveniências do interesse público; -Se, regra geral, a entidade pública pode e deve recorrer a esse meio em caso de inexecução da outra parte, já o particular necessita de fazer intervir o tribunal para se libertar do vínculo inicialmente assumido; -Contudo, o contrato ou a própria lei poderão consentir o acesso a essa forma de extinção da relação contratual por "conveniência administrativa", que, conforme dizia aquele ilustre mestre, é um "poder discricionário cujo fim é, geralmente, evitar males maiores...", e que, no caso do particular, o obriga a "notificar a Administração e aguardar o seu assentimento..."; -Tal como aconteceu com o Autor, sem que houvesse qualquer veleidade em tornear algum pormenor estipulado na lei; ou se pusesse em causa a boa-fé na intenção de cumprir o inicialmente acordado; -Só que a extinção de um contrato antes do tempo previsto pode interessar a ambas as partes, sem que haja obrigatoriedade de se estipular o pagamento de qualquer indemnização; - O preceituado no artigo 6° do CPA nada mais é do que a transposição de um princípio civilista para o direito público, em que a boa-fé das partes obriga-os a agirem sem desvio de direitos para fins diferentes dos previstos; o que não aconteceu com o recorrente, que apenas se socorreu da lei que regula o regime a que se vinculou; -Onde nada permite fazer uma interpretação no sentido de que a desvinculação antecipada "frustou expectativas e causou inegáveis prejuízos", conforme afirma a Ré; -Quando a lei concede os meios adequados à autoridade competente para que isso não aconteça, bastando que seja accionada a "conveniência de serviço" nela prescrita; -Se os militares...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT