Acórdão nº 0300/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução23 de Janeiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso Pleno 300 03 20 Pleno da 1ª Secção Acordam no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório O A…, devidamente identificado nos autos, inconformado com o acórdão proferido na 2ª Subsecção, que julgou improcedente o RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO interposto do Despacho do Senhor Secretário de Estado da Administração Educativa de 17 de Julho de 2002, que ordenou a reposição da quantia de Esc. 17.978.908$00, recorreu para o Pleno da 1ª Secção, formulando as seguintes conclusões: I - O acto recorrido - Despacho do SEAE de 17 de Julho de 2002 que ordenou a reposição da quantia de Esc. 17.978.908$00 - incorreu no vício de usurpação de poderes; II - No regime jurídico dos contratos de associação, como é aquele que foi celebrado entre o A… e a DREC, não existe qualquer disposição legal da qual resulte para a Administração o poder de definir autoritariamente, situações de incumprimento por parte do co-contratante, ordenando a reposição de prestações contratuais por si efectuadas; III - O poder de fiscalização da execução dos contratos de associação que está acometido à Administração não compreende a definição autoritária e unilateral de situações de incumprimento por parte da entidade particular, nomeadamente o poder de impor a reposição de parte dos montantes recebidos; IV - A ordem de reposição de verbas não constitui uma "infracção disciplinar" pelo que não era aplicável ao presente caso o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração; V - É aplicável ao caso em análise a norma do art. 187º do CPA que sob a epígrafe "execução forçada de prestações", consagra que "salvo disposição legal em contrário, a execução forçada das prestações contratuais em falta só pode ser obtida através dos tribunais administrativos"; VI - Não existe qualquer disposição legal ou contratual que defira à Administração poderes de auto-tutela administrativa para declarar o incumprimento do contrato por parte do A…, nem para exigir a reposição, através da prática de actos administrativos, de prestações por si efectuadas; VII - É o que sucede nos presentes autos, em que a Administração exigiu ao A… a reposição de Esc. 17.978.908$00, por ter entendido, unilateralmente, que o Colégio não cumprira aquilo a que se obrigara, designadamente por não ter aplicado devidamente o preço recebido; VIII - Da conjugação dos artigos 180º e 186º do CPA não resulta que a Administração disponha de poderes exorbitantes para definir situação incumprimento, muito menos para impor coercivamente a devolução de parte do preço por si entregue ao Colégio.

XIX - Pelo contrário, o n.º 1 do art. 186º do CPA ao preceituar que "os actos administrativos que interpretem clausulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respectiva validade não são definitivos e executórios, pelo que na falta de acordo do co-contratante a Administração só pode obter os efeitos pretendidos através de acção a propor no tribunal competente".

X - E nas várias alíneas do art. 180º do CPA não é enquadrável o poder da Administração declarar que o co-contraente não cumpriu o contrato, por não ter aplicado devidamente o apoio financeiro concedido, obrigando-o a repor parte do preço recebido; XI - Além domais, esses poderes exorbitantes só poderiam ser exercidos relativamente a um contrato administrativo que ainda estivesse em vigor, portanto, a produzir efeitos jurídicos e não, como é o caso, relativamente a um contrato que já não está em vigor, que caducou pelo decurso do prazo e, logo, que já não existe juridicamente; XII - O acto cuja anulação se requer é um verdadeiro acto sem objecto, o que o torna nulo (art. 133º, 1 do CPA).

XIII - Do exposto resulta que apenas através de uma acção judicial, a itentar na jurisdição administrativa, a Administração poderá ver reconhecido o seu eventual direito a receber o montante cuja reposição exige; XIV - Ao não seguir este caminho e ao adoptar uma posição de autoridade, a Administração praticou um acto administrativo, numa situação de carência absoluta de poderes, o que gera a sua nulidade (art. 133º, 2, a) do CPA); XV - O douto acórdão recorrido que sancionou o despacho do SEAE de 17 de Julho de 2002, enferma de vício de usurpação de poderes e violou designadamente o disposto no art. 178º, 180º e 187º do CPA; XVI - Ao considerar válido o acto anulando, o acórdão ora recorrido violou o princípio constitucional da separação de poderes, pelo que a sua decisão, nesta parte, é inconstitucional; XVII - O acto administrativo praticado, tendente a impor uma determinada obrigação contratual com força executiva, assenta na consideração e aplicação de forma ilícita do Despacho do Ministro da Educação n.º 256-A/ME/96, de 11 de Janeiro de 1997, que é ilegal e frontalmente inconstitucional, na medida em que desfigura os contratos de associação, fugindo à indicação do valor da contrapartida ("custo de manutenção e funcionamento por aluno das escolas públicas equivalentes") prevista na Lei Habilitante (art. 15º, n.º 1 do Dec. Lei 535/80); instituindo um regime ilegal de fixação administrativa do preço; sujeitando a gestão económico-financeira e pedagógica das escolas particulares a uma "administrativização" que ofende a liberdade de ensino e afecta o conteúdo essencial das escolas particulares e dos respectivos projectos educativos.

XVIII - A contrapartida contratual ou "preço" entregue ao Colégio na sequência da assinatura do contrato de associação n.º 23-1999, tem natureza forftária, sendo estabelecido contratualmente como "um montante global" (sic); XIX - A Administração Educativa (DREC) deveria calcular esse preço - aproximando-o do custo de manutenção e funcionamento por aluno das escolas públicas de nível e grau equivalente - de acordo com os critérios administrativamente fixados no Despacho n.º 256-A/ME/96.

XX - O que é facto é que esse preço, calculado pela DREC mediante a adição de várias parcelas ou factores, não é externado ou exteriorizado dessa forma; XXI - A Administração Educativa (DREC) não transpôs para a letra do contrato, nem para a prática da sua execução, a obrigação de desmembramento do montante global a que se reconduz o preço da prestação de serviços; XXII - As escolas articulares em geral e o A… em particular não são chamados a participar na construção do preço que lhes é devido por força dos contratos de associação que celebrem com as Direcções Regionais de Educação; XXIII - As parcelas representativas dos parâmetros que servem de base ao cálculo do prelo de acordo com tal Despacho, não têm efeitos externos, nem podem ser erigidas em rubricas orçamentais rigidamente cabimentadas; XXIV - Por seu lado o A… em momento algum se obrigou a dar um destino parcelar e cabimentado à verba global recebida; XXV - Ao A… em momento algum lhe foi solicitado que apresentasse os justificativos das despesas que teve de suportar para ministrar o ensino gratuito aos seus alunos no ano lectivo de 1998/1999; XXVI - Ao A… não foi solicitado pela Administração Educativa que apresentasse qualquer "orçamento de gestão para o ano seguinte"; XXVII - Ao A… não foi solicitado pela Administração Educativa que periodicamente procedesse à apresentação de qualquer tipo de demonstração financeira; XXVIII - Ao A… não foi solicitado pela Administração Educativa que apresentasse uma "conta de gestão com justificativos das despesas efectuadas"; XXIX - O A… agiu sempre na convicção (que resultava directamente do comportamento contratual da DREC) de que podia gerir aquele preço ou "montante global" com discricionariedade inerente a uma receita ou remuneração de uma actividade privada; XXX - Pelo que, também por estas razões que se prendem com a ilegalidade e inconstitucionalidade do Desp. N.º 256-A/ME/96 e com a sua deficiente execução prática, o despacho recorrido se não pode manter na ordem jurídica.

Respondeu a entidade recorrida, pugnado pela manutenção do acórdão, salientando que o mesmo constitui jurisprudência pacífica e consolidada deste Supremo Tribunal.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, sublinhando que todos os argumentos do recorrente foram "…doutamente contrariados no acórdão recorrido, sem que no recurso em apreço se vislumbrem quaisquer outros argumentos que permitam concluir de forma oposta ao que aí se decidiu".

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido ao Pleno da 1ª Secção para julgamento do recurso.

  1. Fundamentação 2.1. Matéria de facto O acórdão recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto: a) A recorrente, proprietária do estabelecimento de ensino particular A…, sediado em …, …, …, celebrou com o Estado Português (Direcção Regional de Educação do Centro), ao abrigo dos arts. 14º a 16º do DL nº 553/80, de 21 de Novembro, contrato de associação (nº 23/99), documentado a fls. 24-26 do P.I..

    b) Em Janeiro de 2001 a Inspecção-Geral da Educação (IGE), levou a cabo uma auditoria respeitante à execução daquele (e de outros) contratos de associação, tendo apresentado, em 2001.01.01, o respectivo relatório (cf. fls. 8 a 19 do P.I. apenso); c) Relatório que foi entregue de imediato ao Director Regional do Centro da Inspecção Geral de Educação; d) Entidade que em 2001.02.07 o enviou à Inspectora Geral de Educação, pelo oficio 261/DRC.

    e) Porém o processo foi considerado incompleto (e bem assim aquele relatório considerado como provisório) por falta de audiência da recorrente, o que esta entidade levou a efeito a 23/ABR/01 (cf. fls. 6 do P.I.), após o que foi remetido de novo à DREC para conclusão.

    f) Após tal diligência, e com a data de 01.04.30, pelo Director de Serviços da DREC/IGE foi exarada a seguinte proposta: "proponho que se envie o presente doc. à Srª Inspectora-Geral e que se informe que consideramos como definitivo o relatório da acção já enviada através do n/ofício 261/DRC, de 01.02.07, dado que a resposta da escola não implica qualquer alteração do mesmo"; g) Em 1 de Junho de 2001, na IGE, foi...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT