Acórdão nº 0658/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução20 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório A…, identificada nos autos, intentou a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE ACTOS DOS ÓRGÃOS SUPERIORES DO ESTADO, contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, sendo contra-interessados os MINISTÉRIO DA JUSTIÇA e o CONSELHO DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA.

    Em síntese, de acordo com as alegações finais, conclui a autora:

    1. O Conselho dos Oficiais de Justiça não fundamentou a sua decisão sobre o pedido de aclaramento apresentado pela ora Autora, quando decidiu que a entidade competente para apreciar o recurso era o Conselho Superior do Ministério Público.

    2. O Conselho Superior do Ministério Público, que se assumiu como entidade competente para apreciar o recurso, como resulta da decisão recorrida, igualmente não fundamentou as razões legais em que se baseava, para se considerar competente para tal.

    3. O Conselho Superior do Ministério Público não apreciou qualquer das questões que foram sujeitas à sua análise, nem mesmo a questão prévia da sua incompetência para tomar conhecimento do recurso, que foi dirigido ao Conselho Superior da Magistratura.

    4. A decisão do Conselho Superior do Ministério Público enferma da nulidade de omissão de pronúncia, prevista na alínea d) do n° 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, aplicável ao presente processo nos termos do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o que gera a nulidade da citada deliberação ou acórdão. Além disso, a mesma decisão está ferida de anulabilidade, por falta de fundamentação, violando, expressamente, o previsto no nº 2 do artigo 659º do Código de Processo Civil, segundo o qual as decisões devem ser fundamentadas e, ainda, o previsto nos artigos 124º e 125º do Código do Procedimento Administrativo, os quais, além de exigirem a fundamentação, reclamam uma fundamentação: "expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, (...) e esclarecem que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto." E) A decisão do COJ e agora do Conselho Superior do Ministério Público, além de padecer de anulabilidade, por falta de fundamentação, como comina o artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo, ainda está ferida de anulabilidade, por falta de competência, pois, o autor do acto, ou seja o autor da decisão que alterou a identificação da entidade para a qual se recorreu, reenviando o recurso para o Conselho Superior do Ministério Público não tinha competência para tal.

    5. Nenhuma disposição do Estatuto dos Funcionários Judiciais, nem mesmo depois das alterações consagradas pelo Decreto-Lei nº 96º de 2002, atribui competência ao Presidente do COJ, ou ao seu Vice-Presidente, ou mesmo ao próprio Conselho dos Oficiais de Justiça, competência para, perante um requerimento de interposição de recurso, alterar a definição da entidade para a qual se recorre.

    6. Este recurso foi intentado, nos termos do nº 1 do artigo 118º do Estatuto dos Funcionários de Justiça, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 96/2002 de 12 de Abril, e tinha de ser intentado para o plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça, por força de disposição legal expressa.

    7. Porém, o plenário do COJ não decidiu o recurso, e, além disso, enviou o mesmo para decisão para uma entidade total e absolutamente incompetente para o decidir.

    8. A disposição legal prevista na nova redacção do n° 2 do artigo 118º do Decreto-Lei nº 343/99, de 26 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n° 96/2002, só pode ser interpretada nos seguintes termos: se o funcionário for um funcionário da carreira judicial o recurso sobe para o Conselho Superior da Magistratura; se o funcionário for um funcionário da carreira dos serviços do Ministério Público o recurso sobe para o Conselho Superior da Ministério Público. Como resulta do facto do artigo 30 do Decreto - Lei n° 343/99 de 26 de Agosto dividir os funcionários de justiça em duas carreiras, a dos funcionários judiciais, com as categorias previstas no n° 2 e a dos serviços do Ministério Público, previstos no n° 3.

    9. Essa divisão em duas carreiras, aliás em três, contando a carreira dos funcionários dos Tribunais Administrativos e Fiscais que determina a opção, consoante os casos, da competência para apreciar o recurso, por uma instituição ou por outra, como resulta da circunstância da lei criar esta três famílias de funcionários de Justiça.

    10. Não se diga que o recurso, nos termos do n° 1 do artigo 176º do Código do Procedimento Administrativo, tinha de ser intentado para o Conselho Superior do Ministério Público, porque, salvo o devido respeito, o COJ têm, nada mais, nada menos, três instituições que exercem poderes de supervisão sobre ele (os três conselhos superiores) e, por isso, é necessário optar, de acordo "com os casos ", e esse acordo com os casos é definido pelas carreiras dos funcionários e não pelo local da colocação concreta, num determinado momento, seja esse momento o dos factos, ou seja da aplicação da decisão; pela simples razão que o que é determinante é a carreira e não o lugar da ocasião.

    11. A nomeação por despacho publicado no dia 3 de Fevereiro de 1999, para a definição da instância de recurso competente é, salvo o devido respeito, irrelevante, perante o prescrito no já citado artigo n° 2 do artigo 118º do Decreto-Lei nº 343/99, de 26 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n° 96/2002.

    12. A competência para apreciar o recurso não depende da colocação ocasional do funcionário, no momento em que a decisão é proferida, ou no momento em que os factos ocorreram, dependendo, isso sim, da carreira respectiva do funcionário.

    13. Se cabe recurso consoante os casos, esse recurso tem de ser destinado ao Conselho Superior que tutela a carreira de funcionários ao qual a pessoa em causa pertence, e não para o "quadro de pessoal de serviço do tribunal em que o funcionário está nomeado à data da prática dos factos", dado que a presença num determinado quadro de serviço, pode ser, como sucede no caso presente, fortuita, ocasional e de conjuntura.

    14. Resulta das notas biográficas da Autora constantes do presente processo e do instrutor, que a mesma pertenceu, sempre, até chegar a Secretária de Justiça, à carreira dos funcionários judiciais e nunca à carreira dos Serviços do Ministério Público. A circunstância de, na data dos factos, estar colocada materialmente, no Tribunal de "Lisboa Trabalho Ministério Público" é somente o local de trabalho, nada tendo que ver com a sua carreira como funcionária, sendo, por isso, irrelevante para a definição da entidade competente para tomar conhecimento do presente recurso. Logo, a entidade competente para apreciar o recurso intentado pela impugnante é o Conselho Superior da Magistratura e não o Conselho Superior do Ministério Público, que jamais teve qualquer competência sobre a Autora.

    15. Não se diga que, nos termos do n° 3 do artigo 6° do Decreto-Lei n° 343/99 de 26 de Agosto, aditado pelo Decreto-Lei n° 96/2002 de 12 de Abril, a entidade competente para julgar o recurso é a que deriva da carreira do "magistrado funcionalmente competente", porque: 1°) essa norma é posterior aos factos e à instauração da processo disciplinar, não podendo ser aplicada retroactivamente; 2°) A noção de "magistrado funcionalmente competente" indica-nos a autoridade de quem dependem os oficiais de justiça, nos exercício da sua actividade, mas não estatui que, em matéria de recursos de decisões disciplinares, os mesmos devam ser dirigidas ao conselho superior do "magistrado funcionalmente competente" em vez de serem dirigidos ao conselho superior competente sobre a carreira do funcionário.

    16. Pelo exposto, o recurso intentado pela ora Autora foi apreciado por uma entidade incompetente, para o apreciar, razão pela qual a deliberação pela qual se procedeu à apreciação desse recurso está ferida do vício de violação de lei e por isso é anulável, devendo ser decretada a sua anulabilidade.

    17. No dia 16 de Março de 2002, no Diário da República, 1ª) Série A, n.º 64, foi publicado o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 73/2002, pelo qual se consagrou a inconstitucionalidade supra identificada.

    18. Essa inconstitucionalidade opera ex tunc, nos termos do artigo 282º da Constituição, de onde resulta que foram expurgadas da ordem jurídica as normas do diploma de 1999 e as anteriores do diploma de 1987.

    19. Daí resulta que Conselho dos Oficiais de Justiça deixou ter competência para exercer o poder disciplinar sobre os funcionários de justiça, desde a data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 376/87, de 11 de Dezembro, dado que a capacidade para instaurar e instruir esses processos mais não é que a verdadeira expressão prática dessa competência.

    20. A noção de poder disciplinar envolve tudo o que diz respeito à acção disciplinar sobre os funcionários, incluindo a instauração e a instrução de inquéritos e de processos disciplinares.

    21. Assim, o processo disciplinar instaurado à Autora não poderia continuar a seguir os seus termos, devendo ser arquivado, dado que todos os actos de instrução que foram praticados foram executados por uma entidade incompetente, estando, por isso, todos, inquinados pelo vício de incompetência, o que determina a nulidade do processo disciplinar.

    22. Sendo assim, o raciocínio constante da decisão recorrida, segundo o qual: "(..) por um lado a competência para instaurar ou instruir processos disciplinares por parte do Conselho dos Oficiais de Justiça, não foi posta em causa pela referida declaração de inconstitucionalidade, (..)" Não só não é correcto, como consagra uma violação da lei.

      A

    23. O conteúdo da norma do artigo 94º do estatuto anexo ao Decreto-Lei n° 394/99 de 26 de Agosto, cai derrotado por inconstitucionalidade, no exacto momento em que se declara inconstitucional a alínea da norma do mesmo estatuto que atribuía a competência para o exercício da acção disciplinar ao citado conselho. Por isso, o artigo 94º do...

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