Acórdão nº 0378/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução29 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: O Município do Porto interpôs recurso jurisdicional da sentença do TAF daquela cidade que, julgando parcialmente procedente a acção, fundada em responsabilidade extra-contratual, que contra aquele município fora movida por A... e mulher, B..., ambos identificados nos autos, condenou o réu a pagar aos autores a quantia de 32.421,86 euros, absolvendo-o do restante pedido.

O ora recorrente terminou a sua alegação com o oferecimento das seguintes conclusões: 1 - Os autores intentaram a presente acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra o Município do Porto, reclamando o pagamento de uma indemnização no valor de oito milhões de escudos, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual do Município.

2 - Alegaram, entre o mais que ficou vertido na P.I., que aqui, por brevidade, e com a devida vénia, se dá como reproduzido para todos os efeitos legais, que o montante de 6.500.000$00 correspondia ao prejuízo calculado pela diferença entre o valor de 50.000.000$00 fixado para a venda de dois prédios urbanos pertença dos AA. no contrato promessa que consta de fls. 24 e ss. dos autos celebrado entre os AA e ... em 29 de Abril de 1998, para cuja área total tinha sido aprovado pela Câmara Municipal do Porto, no âmbito do processo n.º 24.003/96, o licenciamento de uma construção de um edifício com seis habitações tipo T2+1 e um estabelecimento, e do qual resultava entre o mais, que a escritura seria celebrada até 30 de Junho de 1998 mediante apresentação pelos AA do alvará de licenciamento, e o montante da venda que em Setembro de 1998 os AA. fizeram dos referidos imóveis, de quarenta e três milhões e quinhentos escudos (cuja escritura comprovativa da venda protestaram juntar sob doc. 15 e que fizeram a fls. 67 e ss. dos autos), valor esse que terá sido influenciado decisivamente pela ilícita falta de emissão do alvará de licenciamento e pelo facto de na altura estar pendente de decisão um recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo do Círculo do Porto que tinha intimado o Presidente da Câmara a emitir o respectivo alvará.

3 - Na alínea AD) da matéria de facto assente na sequência da realização da audiência preliminar de fls. 76 e ss. ficou a constar que: «Em Setembro de 1998 os AA. venderam os prédios aqui em causa, sem que tivessem o alvará de licença de construção, conforme escritura de fls. 67 e seguintes», sendo certo que já na douta sentença ora impugnada, ficou a constar, na mesma alínea AD) da «matéria de facto assente», que: «Em Setembro de 1998 os AA. permutaram os prédios aqui em causa, sem que tivessem o alvará de licença de construção, conforme escritura de fls. 67 e seguintes, pelo valor de 43.500.000$00».

4 - Sendo verdade que os AA. não venderam simplesmente os seus prédios através da escritura de fls. 67 e seguintes (escritura essa que corresponde ao documento n.º 15 que os AA. protestaram juntar na P.I. - cfr. art. 57 do mesmo articulado - e que posteriormente foi junta aos autos - cfr. fls.40 e 66 e ss., com vista à prova do alegado nos arts. 54 a 58 do mesmo articulado) mas que o permutaram, não existe nos autos qualquer despacho a rectificar o que anteriormente se tinha fixado como assente na audiência preliminar.

5 - Resulta também evidente do teor da escritura referida de fls. 67 e ss. dos autos que a referência à data do negócio a que se refere a alínea AD) da douta sentença se encontra errada, uma vez que pode ler-se logo na primeira linha da escritura em causa que a mesma foi outorgada em 31 de Julho de 1999, e não Setembro de 1998.

6 - O erro na fixação desta data inquina, no entender do recorrente, todo o processo decisório do Mm.º Juiz «a quo» na douta sentença ora impugnada, o que leva a não poder concluir-se pela condenação proferida.

7 - É patente que a data e o próprio teor da escritura de fls. 67 e ss., oferecido como doc. n.º 15 pelos AA., contradizem claramente o que foi alegado pelos A.A. em 53 a 58 da P.I., designadamente, quando referem que: - os prédios foram vendidos, em Setembro de 1998 - conf. art. 54 da P.I.

- numa altura em que a falta de alvará e o litígio existente com o R, por ainda estar pendente o recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, terá influenciado decisivamente o valor da venda - conf. art. 55.

- causando uma grande incerteza acerca da possibilidade efectiva de construção cujo projecto tinha sido aprovado, tornando-se impossível prever qual a utilização que seria possível vir a dar aos prédios - conf. art. 56.

8 - A alegação anteriormente referida consubstanciava a causa de pedir e destinava-se a justificar as «condições adversas» em que o negócio titulado pela escritura de fls. 67 e ss. foi feito, e que só possibilitaria a «venda» (efectuada em Setembro de 1998, na alegação dos AA.) por 43.500.000$00, originando um alegado prejuízo para os AA de 6.500.000$00 - cfr. arts. 57 e 59.

9 - É fácil de ver pela escritura de fls. 67 que: - os prédios dos AA. não foram objecto de uma pura compra e venda, mas permutados.

- o negócio foi realizado em Julho de 1999 e não em Setembro de 1998, ou seja, mais de um ano depois da celebração do anterior contrato promessa entre os AA. e o ....

- numa altura em que não existia já litígio com o R. já que a decisão do Supremo Tribunal Administrativo que confirmou a decisão de 1.ª instância que intimava o Presidente da Câmara a emitir o alvará foi proferida a 13 de Agosto.

10 - Ou seja, decidiu mal a douta sentença ao considerar como provado que «em Setembro de 1998 os A.A. permutaram os prédios aqui em causa, sem que tivessem o alvará de licença de construção, conforme escritura de fls. 67 e seguintes, pelo valor de 43.500.000$00».

11 - Se, tendo em conta a errada referência à data de Setembro de 1998 da escritura de fls. 67, se poderia admitir que nessa altura o alvará ainda não tinha sido emitido, a verdade é que em Julho de 1999, o alvará já tinha sido emitido.

12 - Para prova disso, e na crença de que deverá ser alterada a matéria de facto em consideração nos termos expostos, o ora recorrente permite-se juntar, ao abrigo do art. 706º do C.P.C., o alvará de licenciamento em questão demonstrativo de que, em Julho de 1999, já tinha sido emitido o alvará de licenciamento em causa nos autos - doc. 1, bem como de um requerimento apresentado pelo A. marido em 18 de Março de 1999 nos serviços do Réu onde se refere expressamente a existência do alvará n.º 21/99 no âmbito do processo n.º 24 003/96- doc. 2.

13 - Assim, nos termos que ficaram expostos, deverá ser alterada a matéria de facto decidida, repondo-se a verdade dos factos, já que os elementos fornecidos pelo processo - designadamente a escritura de fls. 67 e ss. - impõem decisão diversa - cfr. art. 712°, n.º 1, alíneas a) e b), do C.P.C e art. 490°, n.º 2, do C.P.C.

14 - Admitindo-se, como deve admitir-se, como correcta a data de 31 de Julho de 1999, não poderá considerar-se provado que os prédios foram permutados sem que os AA. tivessem o alvará de licença de construção.

15 - Se em Setembro de 1998 ainda não tinha havido decisão do recurso com efeito suspensivo interposto pelo Município da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto que tinha intimado o Presidente a emitir o alvará, tal decisão acabaria por ser proferida em 21 de Outubro de 1998 e notificada às partes ainda no mesmo mês, conforme se pode ver dos documentos nºs 11 e 12, juntos aos autos pelos AA. a fls. 52 a 65.

16 - E, como resulta dos documentos ora juntos, os AA. sabiam perfeitamente em Julho de 1999 que o seu alvará já tinha sido emitido e, portanto, permutaram os seus prédios já com o alvará na sua posse.

17 - Assim, ao invés do decidido, deveria antes ter sido considerado provado, atendendo ao teor da escritura de fls. 67, junta pelos Autores, que «em Julho de 1999 os AA. permutaram os prédios aqui em causa, conforme escritura de fls. 67 e seguintes, tendo atribuído aos seus imóveis o valor de 43.500.000$00".

18 - Pelo que, nos termos expostos, deve ser alterada a matéria dada como provada sob a alínea AD) da douta sentença impugnada.

19 - Tal alteração da matéria de facto determina só por si e dispensando quaisquer outras indagações que não possa considerar-se que a falta do alvará que é imputada ao R. foi determinante para a atribuição de um valor inferior ao constante do contrato promessa de fls. 24 e ss. dos autos, na permuta realizada através da escritura de fls. 67 e ss., pelo que cai pela base o fundamento expendido na douta sentença para justificar a existência da culpa pelo prejuízo, pelo que, inexistindo o mesmo e culpa respectiva, não haverá lugar à obrigação de indemnizar por falta de verificação de todos os pressupostos da responsabilidade.

20 - Perante a matéria de facto dada como provada e mesmo independentemente da questão de facto anteriormente abordada, a presente acção não poderia ser julgada sequer parcialmente procedente, como foi, com a condenação do Município do Porto a pagar aos AA. o valor da diferença entre o valor fixado no contrato-promessa celebrado entre os AA e ... em Abril de 1998 para os imóveis referidos na alínea A) da matéria de facto assente e o valor atribuído pelos AA a esses imóveis na escritura de permuta que celebraram com a sociedade comercial por quotas "...", em Julho de 1999.

21 - Não se vê como essa diferença de valor a que o município do Porto foi condenado a pagar possa consubstanciar sequer um verdadeiro prejuízo imputável ao Réu, ou que exista algum nexo de causalidade entre a conduta ou omissão do Réu e esse alegado prejuízo.

22 - Baseando-se a presente acção na responsabilidade civil extracontratual do Réu, necessário seria, para que o Réu pudesse ser condenado no pagamento de uma qualquer indemnização a favor dos AA, que estivessem verificados no caso concreto todos os pressupostos cumulativos de que depende aquela responsabilização: e que vão sumariados no Ac. do S.T.A, de 5/11/98, a que se refere Ilustre...

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