Acórdão nº 020/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelJOÃO BELCHIOR
Data da Resolução21 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA): I.RELATÓRIO A...

, com os demais sinais dos autos, recorre do acórdão proferido nos autos a 12-01-2005, que negou provimento ao recurso contencioso de anulação que interpôs do despacho do Secretário de Estado da Administração Educativa (ER), de 17 de Julho de 2002, que aplicou à Recorrente uma pena de multa de 15 salários mínimos nacionais, e ordenou a reposição de 175.145.15 €, a devolução ao Centro de Emprego de Figueiró dos Vinhos de 9.621,21 € e a devolução aos Encarregados de Educação dos Alunos do 5º ao 9º ano de 1.027,77 €".

Alegando formulou as seguintes CONCLUSÕES: "I. O Despacho sub judice, na parte em que manda devolver ao Centro de Emprego de Figueiró dos Vinhos a quantia de 9.621,21 € enferma de claro vício de NULIDADE, por usurpação de poder, uma vez que tal só poderia ser decretado pelos Tribunais.

Mas mesmo que assim não fosse, tal acto seria estranho às atribuições do Ministério da Educação, que é incompetente para ditar a devolução a outro órgão da Administração Central, ligado ao Ministério do Trabalho e da Segurança Social. Verificada está a presença de um ACTO NULO, por força do disposto no artigo 133°-b) do CPA. Se assim não fosse, a decisão punitiva sob recurso padeceria de vício de forma, por falta de fundamentação e violação da Lei, por carecer totalmente de fundamentação de direito e por ter sido proferida com erro sobre os pressupostos de facto, sendo de minimis ANULÁVEL.

  1. O douto Acórdão recorrido é NULO ao deixar de se pronunciar sobre aqueles vícios, assacados nos artigos 89° a 95ª da P.I., referidas nas Conclusões XXV e XXVI das Alegações.

  2. O Dec.-Lei n° 553/80, de 21 de Novembro (Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo) não estava "autorizado" pela Lei n° 9/79 (Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo) a legislar sobre matéria da instituição de ilícitos contra-ordenacionais e respectivas sanções, pelo que, nessa parte está ferido de inconstitucionalidade orgânica.

  3. Ainda que assim se não entenda, após a revisão constitucional de 1982, este Dec. - Lei n° 553/80, em especial o seu Artigo 99°, passaram a ficar em situação desconforme à Constituição, quer do ponto de vista material quer orgânico, - inconstitucionalidade superveniente - na medida em que afronta o disposto no n° 5 do Art°. 115º da CRP/82 (hoje n°6 do Art°. 112° da CRP), passando a remeter em branco toda a matéria sancionatória para um acto normativo de natureza regulamentar, operando a deslegalização de uma matéria que, pela sua natureza, é de reserva legislativa.

  4. Por seu lado, a Portaria n° 207/98, publicada já após a revisão constitucional de 1982, constitui um regulamento integrativo de natureza substantiva e procedimental, em clara e directa violação do citado n°5 do Art°. 1150 da CRP/82.

  5. Tal Portaria já não podia sequer "legislar" sobre o regime de punição de infracções disciplinares e respectivo processo, por se tratar de matéria da competência exclusiva da Assembleia da República (Ad°. 165°, n° 1, d) da CRP).

  6. Daí que a sanção disciplinar aplicada com fundamento no Dec.Lei n° 553/80 e Portaria n° 207/98, bem como as consequências financeiras dela decorrentes, estão feridas de violação da lei e de inconstitucionalidade, material e orgânica.

  7. Quando em 1 de Junho de 2001, foi proferido Despacho de instauração do procedimento disciplinar, este estava PRESCRITO, já que ocorreu mais de 3 meses volvidos sobre o momento em que a Inspectora Geral da Educação ("dirigente máximo do Serviço") tomou conhecimento dos factos susceptíveis de constituir faltas disciplinares, situável no dia 10 de Fevereiro de 2001.

  8. O prazo prescricional inicia-se a partir do conhecimento inicial dos factos susceptíveis de constituir falhas disciplinares e não com qualquer outra fase do procedimento inspectivo ou outro qualquer momento de ponderação das consequências jurídicas dos factos.

  9. Não colhe dizer-se que só depois da resposta da Recorrente e análise do contraditório, o dirigente máximo do Serviço tinha condições de avaliar criteriosamente a situação, pois neste passo-Relatório da Auditoria, ou se se quiser Relatório da Acção de Inspecção "Contrato de Associação 1998/99"- não linha sequer que facultar-se qualquer contraditório à Recorrente.

    Xl. Se, ao invés, se considerar que havia que facultar à Recorrente o direito de audição prévia naquela fase, nos termos do artigo 100° do CPA, a Recorrente deveria ter sido informada sobre o sentido provável da decisão final ...

    e não o foi ... com o que estaria verificada a violação de uma formalidade absolutamente essencial, o que constituiria nulidade insuprível, que tornaria ilegal o processo disciplinar e nula, a decisão punitiva.

  10. No que tange à prescrição quanto aos factos consignados nos artigos 15º e 16º da Nota de Culpa, não consta dos factos provados quando se realizaram as matrículas do ano lectivo de 1998/99, não sendo, portanto, lícito afirmar a não ocorrência da prescrição.

  11. O acto praticado pelo Secretário de Estado da Administração Educativa que aplicou à Recorrente a sanção de multa e ordenou a reposição/devolução de verbas, sem base legal que o habilitasse para tal, invocando uma delegação de poderes insuficientes, por genérica, fere a decisão recorrida de incompetência relativa, geradora da anulabilidade do acto administrativo.

  12. O douto Acórdão recorrido assenta o seu discurso fundamentador no pressuposto não verdadeiro de que não existiria no presente processo controvérsia acerca da interpretação e aplicação das cláusulas contratuais do Contrato de Associação celebrado em 14 de Maio de 1999.

  13. O despacho recorrido assentou no pressuposto factual errado que a impetrante estava vinculada contratualmente a utilizar as verbas recebidas do Ministério de forma vinculada e cabimentada, sem possibilidade de exercer qualquer autonomia de gestão quanto ao seu melhor aproveitamento, no sentido da prossecução do projecto educativo próprio e específico da Escola; quando recebeu, antes, um valor "a forfait" que a Administração Educativa estimou como suficiente, cabendo-lhe usar (gerir) tal verba segundo princípios de optimização e liberdade de gestão, aplicando os recursos de forma flexível, adequada a fazer face às despesas de funcionamento e investimento, tendo como único limite não comprometer as finalidades acauteladas pela intervenção do contratante público: o fornecimento do bem público "Educação", em condições de gratuitidade..., nas mesmas condições em que tal bem é fornecido pelas escolas de gestão pública.

    Tudo radica, pois, justamente na interpretação do Contrato, na hermenêutica das suas cláusulas! XVI. O douto Acórdão pressupõe erradamente que em execução do referido Contrato de Associação teria existido um Orçamento de Despesa, aceite e assumido reciprocamente pelas partes contratantes e que pudesse servir de vínculo contratual; - quando nada disto existiu.

  14. A DREC (Direcção Regional de Educação do Centro) não solicitou ao Instituto ... a elaboração ou entrega de qualquer Orçamento para o ano lectivo de 1998/1999; nem a DREC, por seu lado, lhe apresentou qualquer Orçamento alternativo ou padrão; bem como a DREC também, nem nesse ano lectivo, nem em qualquer momento posterior, solicitou ao "INSTITUTO" a apresentação de qualquer "conta de gestão" ou similar.

    Não resulta do Contrato de Associação nem da lei qualquer obrigação de execução vinculada de um qualquer Orçamento ou de um qualquer elenco de rubricas que contenham cabimentação de despesas.

  15. De qualquer forma, tal verba global disponibilizada pelo Estado durante esse ano lectivo de 1998/1999, não preencheu a obrigação contratual assumida pelo Estado de pagar à Recorrente um subsídio por aluno igual ao custo de manutenção e funcionamento por aluno das escolas públicas de nível e grau equivalente, como dispõe o n° 1 do Art°. 15° do dec.-lei n°553/80.

  16. A controvérsia subjacente ao presente processo - o puntum saliens -, que opõe o Ministério da Educação à Recorrente, prende-se, exactamente, com a interpretação e aplicação da Lei e do Contrato de Associação, com vista a poder apurar-se se é o Estado que está em dívida perante a Escola ou se o credor é antes o Estado.

  17. Perante esta controvérsia sobre a interpretação e aplicação dos termos e cláusulas do Contrato de Associação em referência, não podia o Secretário de Estado da Administrativa Educativa arvorar-se em Juiz e decidir unilateralmente a obrigação de reposição de verbas, quando tal obrigação há-de ser apurada em acção e sede próprias.

  18. O Ministério da Educação - Secretário de Estado da Administração Educativa - que foi parte co-outorgante deste Contrato de Associação, através da Direcção Regional de Educação do Centro (DREC), não pode, por mero acto administrativo, impor uma pretensa obrigação contratual fazendo prevalecer uma interpretação do Contrato e das suas cláusulas, agindo como juiz em causa própria, em desrespeito pelo objecto do contrato e do seu equilíbrio financeiro.

  19. Só uma decisão judicial, no âmbito de uma acção sobre contrato administrativo, permitirá a cada uma das partes aqui em confronto ver declarado o seu direito ao recebimento da quantia por cada uma delas pretendida.

  20. Em conformidade com o que se escreve no douto Acórdão recorrido, a existência de tal controvérsia acerca da interpretação e aplicação das cláusulas contratuais, impede a imposição dos deveres de repor e restituir, alicerçada no disposto na alínea a) do Art°. 180º do CPA.

  21. Os poderes referidos no artigo 180° do CPA não existem necessariamente em todos os contratos administrativos.

  22. - Nos Contratos Administrativos, a Administração tem geralmente, o poder contratual de modificar unilateralmente o conteúdo das prestações a que o particular está obrigado, com fundamento em razões de interesse público, se, depois de celebrado o contrato, sobrevierem vicissitudes jurídicas que vão repercutir-se na aptidão administrativa das respectivas relações...

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