Acórdão nº 0257/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução14 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em subsecção, na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

1.1.

A... e B.... instauraram, no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, acção sobre responsabilidade civil extracontratual, contra o Município de Vila Nova de Gaia, pedindo a condenação do Réu a pagar às autoras a quantia global de 1.507.163.584$00.

Em síntese, as autoras sustentaram ter o réu violado, no âmbito de um processo de loteamento, um compromisso público para com elas assumido, de aplicação de uma área de terreno por elas cedidas, para instalação de equipamentos, tendo-lhe dado outro destino.

1.2.

Por sentença de fls. 958-983, a acção foi julgada improcedente e o réu absolvido do pedido.

1.3.

Inconformadas com esta decisão as autoras interpuseram o presente recurso jurisdicional formulando as seguintes conclusões: "1ª A douta sentença limitou-se a uma análise formal dos pressupostos da responsabilidade civil, excluindo indevidamente os pressupostos da ilicitude, e, por reforço, do nexo de causalidade e do dano.

  1. Para tanto, a douta sentença houve por bem extrapolar, e interpretar para além da matéria de facto, excedendo manifestamente os próprios factos, como atrás se demonstrou (supra parte IV, ponto 13 e seus desdobramentos).

  2. Os factos, todos os factos, são os que constam de supra parte II, e nem sequer apenas aqueles que vêm descritos na douta sentença.

  3. Na pior das hipóteses, a douta sentença, sempre salvo o muito respeito, não assumiu para si o princípio básico de Direito do «ius novit curia» (CPCiv. art° 664°).

  4. Dos factos podem e devem retirar-se estas conclusões, também factuais: 5ª.1 Em 08.03.90 a área de 27;588m2, entregue pelas A.A. ao R. teve o valor de «compensação» de, apenas, Esc. 10.336.331$00, como resultado da avaliação a que procederam os próprios serviços do R., que as AA. aceitaram; 5ª.2 Essa avaliação teve em consideração que essa área tinha o destino urbanístico que o próprio R. lhe assinalou, ou seja, o das infraestruturas públicas de implantação do mercado municipal, cooperativa agrícola e posto de concentração e grupagem de produtos hortícolas, com respectivas zonas envolventes de apoio; 5ª.3 A dita «compensação» correspondeu àquele valor que era o das taxas municipais, assim declaradas expressamente pelo R. como compensadas, isto é, pagas em espécie, a dita área de 27.588m2; 5ª.4 Depois disso, porém, o R. houve por bem proceder à mudança de destino urbanístico daquela área, passando a mesma a ser qualificada para empreendimentos privados em regime de mercado livre, ou seja, pura construção, permitindo-se nele a implantação de blocos, mais zona comercial; 5ª.5 Deste modo, em 19.10.92, ou seja, cerca de dois anos e meio depois, uma pequena parcela daquela área pelas AA. cedida, de apenas 7.091,50m2, pôde ser vendida pelo mesmo R., que a tinha adquirido, por Esc. 697.790.000$00; 5ª.6 Isso significou - em simples proporções aritméticas - que com apenas cerca de 25% da área o R. obteve uma mais valia de 6.751% do valor em que 100% da área que por ele mesmo tinha sido avaliada e adquirida; e permite extrapolar que, afinal, os 27.588m2 passaram a valer não Esc. 10.336.331$00, mas qualquer coisa como Esc. 2.714.606.200$00; 5ª.7 Isso só foi possível, obviamente, porque o R., ao contrário daquilo que assumiu para com as AA., ao adquirir-lhes a área resolveu mudar o destino dessa mesma área para construções de interesse privado.

  5. A condição de o R receber das AA. uma determinada área de terreno, no decurso e dentro das condições a elas impostas para concessão de licença e alvará de loteamento, com afectação ou destino bem fixado, concretamente "para instalação de equipamento", ficou exarada quer no alvará de loteamento quer na escritura pública de "cedência de terreno".

  6. Esta condição era idêntica à possível exigência pela Câmara de cedência gratuita pelos loteadores de parcela de terreno - então prevista na lei como condição para aprovação do loteamento [art° 42°-c) do DL. n°400/84, de 31.12]» (art° 39º pet.).

  7. Ou, com maior rigor, essa condição inscreveu-se nas condições de «cedência (...) de terreno fora do prédio a lotear» como modo de «compensar o município de encargos decorrentes da operação de loteamento» «na falta» da «taxa municipal pela realização de infra-estruturas urbanísticas a que se refere a alínea a) do n° 1 do artigo 8° do Decreto-Lei n° 98/84, de 29 de Março» (na conformidade do art° 43°-1 do mesmo DL. n° 400/84).

  8. O compromisso assumido bilateralmente por loteadores e R. era vinculativo para ambas as partes, para aqueles com a obrigação de formalizarem a cedência através de escritura pública e para esta com a obrigação de afectarem a área cedida ao fim para o qual a cedência era feita, constituindo acto ilícito o desrespeito desse compromisso.

  9. Isso tanto é assim que o novo regime dos loteamentos urbanos veio consagrar um tipo específico de sanção pela violação, por parte da Administração, deste tipo de compromissos: o direito que o administrado tem à reversão, nos termos dos art°s 16°- 4 e 17° do DL. n°448/91, de 29.11.

  10. O R. violou o compromisso público, e especial para com os loteadores, de aplicação da aludida área de terreno a instalação de equipamentos, ao aliená-lo, em parte, em hasta pública para construção de habitações e comércios a levar a cabo por particulares em regime de mercado livre, e até fazendo-o por preço de mercado.

  11. Deste modo, o R. retirou resultados especulativos da detenção dessa área, que obteve de particulares, os loteadores e aqui AA., em regime de loteamento, pelo preço e valor das taxas.

  12. Assim procedendo, o R. agiu ao arrepio do princípio da boa fé da Administração, a que estava sempre vinculada (CRP, art° 266°-1, C.Proced.Adm. art°s 3° e 4º).

  13. Violou também o princípio da proporcionalidade, a que estava também vinculado em relação às AA. e às exigências que lhes fez de cedência de terreno (CRP., art° 266°-2 e CProced.Adm. art° 5º), por forma a não obter mais valias ilegítimas à custa das mesmas AA..

  14. Violou ainda os princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade no tratamento devido aos seus munícipes (CRP., art° 13° e 266° e CProced.Adm. art°s 5° e 6°).

  15. Todos estes princípios são e devem ser norteadores da actividade administrativa ínsitos nos art°s 13° e 266° da Constituição da República Portuguesa e art°s 4º, 5º, 6° e 7° do Código do Procedimento Administrativo, e consagrados na nossa Jurisprudência.

  16. O R. agiu com conhecimento expresso e explícito, e nunca susceptível de desconhecer, da afectação prévia da área, alienada por hasta pública, a fim diferente daquele para que a alienou, e referiu até, por várias vezes, em documentos oficiais a origem vinculada da sua posse e propriedade desse terreno.

  17. Se for entendido que está em causa a aplicação do art° 42°-c) do DL. n° 400/84, é certo que o R. não podia obter, ao abrigo dele, a cedência gratuita de parcelas de terreno «para equipamentos» se não carecesse de áreas para esse fim, isto é, a norma referida é vinculada à necessidade de áreas para "equipamentos públicos" e, logo, à aplicação posterior da dita parcela a «equipamentos públicos» (hoje em tempo determinado), sob pena de ilegalidade grave, verdadeiro abuso de poder e confisco, designadamente proibido pelo art° 62° da Constituição da República Portuguesa., pelo que o recebimento por cedência de parcela com tal afectação, com posterior aplicação dela a fim diferente, significa, mesmo que por facto superveniente, a desnecessidade de o R. ter obtido essa cedência, e, logo, a ilicitude não só do anterior recebimento como da posterior alienação para fim diferente.

  18. De qualquer modo, o R. não podia desconhecer que agia contra princípios fundamentais do exercício da actividade ou procedimento administrativo, até porque não lhe seria lícito agir como agiu a despeito de, ao tempo da aprovação do loteamento em causa, não existir ainda no nosso ordenamento uma sanção específica para o seu procedimento ilícito, qual seja hoje a do art° 16°-4 do DL. n° 448/91, de 29.11.

  19. Aliás seria escandaloso, e contra a boa fé processual, que o R. pudesse pretender nesta acção que não estava vinculado pelo destino da área que lhe foi cedida, enquanto noutra acção sustenta que, pelo contrário, estava vinculado pelo destino da área que lhe foi cedida (vide supra 8.31.).

  20. É jurisprudência uniforme a que presume a culpa da Administração, pelo menos, quando está provada a ilicitude da sua actuação, nem a ignorância da lei pode aproveitar a ninguém, muito menos à Administração.

  21. Estão reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil da Administração, nos termos dos art°s 2° e 4º DL. n° 48.051, de 21.11.67.

  22. Deste modo, está inteiramente errada, salvo o devido respeito, a conclusão da douta sentença que exclui aquela responsabilidade, com fundamento em que inexiste o requisito da ilicitude.

  23. Se, por mera hipótese, viesse a entender-se que falhava qualquer dos pressupostos da referida responsabilidade civil da Administração, concretamente do R...

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