Acórdão nº 021/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Dezembro de 2005

Magistrado ResponsávelPIRES ESTEVES
Data da Resolução14 de Dezembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A...., com sede em ..., concelho da Batalha, interpôs o presente recurso contencioso de anulação do despacho do Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa (doravante: SEAE) de 17/7/2002 que aplicou à recorrente a pena de multa de oito salários mínimos nacionais e a obrigação de repor nos cofres do Estado a quantia de 75 972 euros e dezoito cêntimos, por tal acto sofrer de vários vícios.

Juntou douto parecer jurídico.

Nas suas alegações, a recorrente formula as seguintes conclusões: "1ª - Sendo a conduta assacada à recorrente conhecida do dirigente máximo do serviço (Inspectora Geral da Educação) desde 2/2/2001, e sendo o despacho que ordenou a instauração do processo disciplinar proferido em 27/6/2001, o procedimento disciplinar sub judice estava prescrito quando foi instaurado.

  1. - A Administração educativa nem sequer tinha que facultar o contraditório à recorrente, e, nessa medida, as pretensas faltas tinham que ser do conhecimento do dirigente máximo do serviço desde 2/2/2001.

  2. - Caso se entenda que a Administração Educativa estava mesmo obrigada a cumprir o disposto no art°100° do CPA, relativamente ao relatório da acção de inspecção «contrato de associação 1998/99», a entidade recorrida, ao não ter informado a recorrente do sentido provável da decisão final do procedimento inspectivo - qual fosse a de instaurar processo disciplinar - não teria dado cabal cumprimento àquele preceito, com que teria incorrido em violação de uma formalidade absolutamente essencial, o que constituiria nulidade insuprível, que tornaria ilegal o processo disciplinar e anulável a decisão punitiva.

  3. - Mal se compreende a tese defendida pela entidade recorrida, quando noutro processo, com exactamente os mesmos contornos, mandou arquivar o procedimento disciplinar que o «dies a quo» para contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar era a data de conclusão do relatório de auditoria.

  4. - Nessa medida, a decisão recorrida violou os princípios da igualdade, justiça e imparcialidade, consagrados nos arts. 5° nº 1 e 6° do CPA.

  5. - A falta de notificação à recorrente das listagens de alunos por escolas e níveis de ensino de fls. 687 a 701, e das contas de gerência de fls. 341 a 412, 414 a 685, 702 a 934 dos autos de processo disciplinar, e a não obtenção, pelo instrutor, de contas de gerência de 37 escolas da área da DREC, cuja solicitação havia sido requerida e deferida, constitui omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, geradora de nulidade insuprível do procedimento disciplinar.

  6. - Sem dispor da totalidade das contas de gerência e sem poder correlacioná-las com as listagens de alunos por escolas e níveis de ensino, ficou a recorrente impedida de demonstrar que «o custo de manutenção e funcionamento por aluno das escolas públicas de nível grau equivalente» é bastante superior ao custo/preço por aluno pago à recorrente, no ano lectivo 1998/99, pelo Ministério da Educação, conclusão donde decorreria que a recorrente, longe de ser devedora do Estado, era sua credora, não tendo consequentemente, qualquer obrigação de restituir verbas, conforme decretado na decisão recorrida.

  7. - O relatório final jamais foi entregue, na íntegra, à recorrente, havendo falsidade da certidão da notificação da decisão sub judice, junta com a PI, como documento n°1; 9ª - A fundamentação de facto levada ao conhecimento da recorrente é claramente deficiente, o que inevitavelmente conduz à anulação da decisão recorrida.

  8. - Em face da total omissão de indicação das normas legais em que assenta a obrigação de devolução aos cofres do Estado de 75 972,18 euros, a decisão recorrida enferma ainda do vício deforma, por falta de fundamentação de direito, vício igualmente conducente à sua anulabilidade.

  9. - A recorrente enviou à DREC os mapas informativos modelo DREC/EPC n°1/96 e DREC/EPC n°3/98 mapas esses meramente provisionais, que uma vez analisados por aquela, deram origem a um mapa Interno/DREC só comunicado ao colégio em Maio de 99, no momento da assinatura do contrato de associação.

  10. - A DREC manteve no mais profundo sigilo os critérios que norteiam a aplicação do disposto no Ponto 3 do despacho 256-A/ME/96, que consequentemente não puderam ser contestados, e nem no decorrer do processo disciplinar foram revelados.

  11. - Não existe norma legal ou cláusula contratual que obrigue a recorrente a dar ás parcelas de valores contidas no «mapa interno» de fls. 53, uma aplicação «orçamentalmente vinculada».

  12. - A «DREC» jamais solicitou às escolas particulares que lhe apresentassem correcções, balancetes trimestrais, balanço de contas anuais, contas de gestão, orçamento de gestão para o ano seguinte, ou outros quaisquer elementos documentais, sendo certo que a estrutura do Ministério da Educação responsável pelo ensino particular e cooperativo afirmou expressamente às entidades proprietárias de escolas particulares, que fizeram menção de entregar estes elementos de carácter financeiro, que não o fizesse até que lhes fosse expressamente solicitado.

  13. - Os pressupostos de facto e de direito em que assenta a decisão sob recurso revelam-se inexistentes. Padece assim a decisão sob recurso de vício deforma, por falta de fundamentação e de violação da lei, quer no que se refere à pena de multa aplicada, quer no que tange às reposições/devoluções conexas. 16ª - O estatuto disciplinar dos funcionários e agentes da administração, aprovado pelo DL. n°24/84, de 16/1, é inaplicável aos colégios e escolas particulares com contratos de associação, na parte respeitante à reposição de importâncias pecuniárias (art°65°), porque a aplicação do estatuto pressupõe a existência de uma relação hierárquica típica, que in casu não existe.

  14. - As escolas e colégios particulares, não estão abrangidos pela norma de incidência passiva do art° 1° do ED, nem pelo conceito de funcionário previsto no art°386° do Código Penal.

  15. - Não existindo uma relação hierárquica entre o Ministério da Educação e escolas e colégios privados, mas antes uma relação de matriz contratual, o processo disciplinar tendente a fiscalizar a execução dos contratos de associação apenas poderia servir para confirmar ou infirmar os indícios da prática de infracções disciplinares previstas no estatuto do ensino particular e cooperativo, aprovado pelo DL. n°553/80, de 21/11 e puni-las com as sanções previstas no art°1° da Portaria nº 207/98 de 28/3, aplicadas com respeito do ali estipulado nos arts. 2° a 5°, e não já para impor, cumulativamente, a obrigação de restituir montantes integradores de prestações contratuais efectuadas.

  16. - A interpretação defendida pela entidade recorrida, qual seja a da obrigação de reposição de verbas decorrer do art°65° do ED, viola o princípio da legalidade («nullum crimen sine lege, sine poena sine lege»), basilar no nosso ordenamento juspunitivo (art°1° do Código Penal, ex vi do art°9° do ED), com foros de constitucionalidade (art°29° n°3 da Constituição da República Portuguesa).

  17. - O Ministério da Educação, que foi parte outorgante no contrato de associação, representado pela Direcção Regional de Educação do Centro, não pode arrogar-se no direito de decidir (julgar) que aquela parcela do preço dos serviços prestados não era devida e que em consequência devia ser restituída.

  18. - E não pode fazer prevalecer, por acto administrativo, ou mera actuação do seu ius imperium, a sua interpretação do contrato, segundo a qual as verbas disponibilizados ao abrigo do dito contrato de associação seriam verbas entregues para uso do contraente privado segundo uma estrita afectação ou cabimentação, tese donde resulta a obrigação de reposição, caso parte das verbas não fossem usadas na «rubrica» correspondente.

  19. - Para obter o reembolso da quantia alegadamente devida, o Ministério da Educação está obrigado a recorrer aos tribunais administrativos, aí se discutindo a situação de incumprimento e a condenação do particular.

  20. - Ao ordenar a reposição do montante total de 75 972,18 euros, a entidade recorrida praticou acto inquinado de usurpação de poderes, por violação do princípio da separação dos poderes, ferindo o acto de nulidade.

    1. -O contrato de associação é um «contrato administrativo», bilateral e sinalagmático e não um negócio unilateral.

    2. -O objecto essencial do contrato de associação consiste, pois, numa prestação de serviços relacionada com o desenvolvimento de actividades de ensino, a qual fica a cargo das escolas de gestão particular ou cooperativa, em virtude da celebração daquele contrato.

  21. - A prestação pecuniária paga pelo Estado em resultado da celebração do contrato de associação reveste a natureza de preço, e não de subsídio, como contravalor que é da prestação de um serviço - o fornecimento gratuito da «educação» - assegurado pela entidade proprietária do estabelecimento de ensino particular. Apesar da redacção usada pelo legislador no art°15° n°1 do EEPC estamos perante um verdadeiro preço e não perante um subsídio.

  22. - O Estado, ao abrigo do art°15° n°1 do estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, obrigou-se a pagar às escolas de gestão privada um valor por aluno igual ao custo de manutenção e funcionamento por aluno das escolas públicas de nível e grau equivalente.

  23. - O despacho n°256-A/ME/96 do Ministro da Educação, de 11/1/1997, mormente o seu Ponto 3, é claramente contra legem, pois os critérios deles constantes não foram elaborados de acordo com a sua lei habilitante: o art°15° n°1 do DL. n°553/80.

  24. - O acto recorrido deve ser declarado nulo, pois assenta na consideração e aplicação de forma ilícita daquele despacho n °256-A/ME/96, aplicação essa que é ilegal e frontalmente inconstitucional, na medida em que desfigura os contratos de associação, fugindo à indicação do valor da contrapartida («custo de manutenção e funcionamento por aluno das escolas públicas equivalentes») previsto na lei habilitante (art°15° n°1 do DL. n°535/80)...

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