Acórdão nº 0617/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Junho de 2005

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução14 de Junho de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A CÂMARA MUNICIPAL DO FUNCHAL e a ... - LDA., recorrida particular, com os sinais dos autos, interpuseram recurso da sentença do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Tributário do Círculo do Funchal que, com fundamento em vício de violação de lei, anulou o acto da primeira recorrente, que adjudicou à segunda, no âmbito de um Concurso Público Internacional, a «concessão da exploração de lugares públicos de estacionamento pago à superfície com implementação de parcómetros no Funchal».

A autoridade recorrente terminou as suas alegações, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1ª. O Tribunal a quo decidiu que o acto administrativo dos autos foi devidamente fundamentado e notificado à aqui Recorrida, que a composição legal e a actividade e intervenção dos peritos foram as legalmente permitidas, mas que, porém, o regulamento, elaborado pela Comissão de Análise das Propostas e baseado no modelo matemático proposto pelos peritos, não estava previsto no Programa do Concurso e que, assim, o acto de adjudicação foi ilegal, por violação de lei.

  1. O regulamento interno adoptado pela Comissão de Análise das Propostas e a que esta chamou " Regulamento de Avaliação das Propostas" não foi senão a elaboração de um conjunto de regras destinadas a organizar o seu trabalho, a regulamentar a forma pela qual a Comissão iria aplicar às propostas admitidas a concurso - a todas as propostas os critérios de apreciação definidos nos Aviso e Programa do Concurso, por via de utilização do modelo matemático de avaliação (método Macbeth) proposto pelos peritos.

  2. Tal regulamento não contém qualquer novidade, não contém normas critérios, subcritérios, padrões ou referências novas, sendo que os indicadores que dele constam em nada alteram os critérios do concurso em causa, sendo apenas uma outra linguagem dos mesmos critérios.

  3. Todos os factos provados nos autos permitem concluir que o modelo matemático proposto pelos peritos contratados teve por base os critérios do concurso, e que o referido regulamento mais não foi do que o plasmar, em regras do processo interno, do modelo matemático em causa, para possibilitar a análise das propostas levadas a concurso.

  4. O papel desempenhado pelos peritos foi tão só o de dar apoio e coerência metodológica ao procedimento de avaliação das propostas dos concorrentes, tendo fornecido um método ou suporte metodológico que, com base nos critérios do concurso, permitiu dar consistência e coerência à decisão, por operacionalização desses mesmos critérios.

  5. O objectivo que presidiu à elaboração de um " regulamento" foi, precisamente, o de permitir que fossem definidos de forma bem clara os passos a percorrer pela Comissão de Análise das Propostas, de modo a sustentar e fundamentar em termos matemáticos e absolutamente isentos a sua opção final, como resulta do Relatório Final da Avaliação das Propostas - foi também isto que o Mmo. Juiz a quo concluiu.

  6. É, pois, absolutamente contraditória outra conclusão do mesmo Mmo juiz a quo quando, de seguida, entende que, na ocasião da análise das propostas, terão sido ampliados os critérios previamente fixados. É que, ou a actividade dos peritos foi lícita e os critérios utilizados os legalmente admissíveis, a actividade dos peritos, como descrita na própria sentença, teria sido ilícita, sendo que, porém, é a própria sentença que a entende como lícita! 8ª. Quando os programas dos concursos públicos definem os critérios de adjudicação das propostas utilizando expressões que impliquem a realização de um esforço de densificação e concretização por parte das respectivas comissões de análise, o preenchimento do conteúdo de tais critérios, realizado com o intuito de os delimitar em termos absolutamente precisos, não só é legalmente permitido, como também, por vezes mesmo imprescindível.

  7. No caso dos autos, o chamado regulamento, na medida em que apenas precisou o conteúdo de cada critério, nunca extrapolando os seus limites, não retira ou acrescenta nada de novo, representando apenas um conjunto de referências meramente acessórias a ter em conta, bem como um método de trabalho.

  8. Quem concorreu haveria de saber que, para decidir qual a melhor proposta no tocante, por exemplo, à organização para o sistema de exploração, manutenção e fiscalização, forçosamente haveria que considerar os vários elementos em que se decompõe o que seja " sistema de exploração", " sistema de manutenção" e " sistema de fiscalização".

  9. Quem concorreu haveria também, forçosamente, de saber que se deveriam traduzir em palavras as conclusões a que cada proposta conduzisse! Desde que os mesmos critérios fossem - como foram - em todas e cada uma das propostas ponderadas da mesma forma, qualificados com as mesmas palavras e classificados em conformidade, nada de inesperado, ou ilegal, ou desproporcional acontece!.

  10. Por outro lado e conforme melhor se escreve no Ac. de 24.03.94, in AD 395-1309:" a Administração goza de discricionariedade na escolha do critério do concurso e de margem de livre valoração dos respectivos factores aquando da adjudicação"- a única coisa de que o Tribunal pode ajuizar é se os concorrentes poderiam razoavelmente contar com a utilização destes critérios para a avaliação das suas propostas.

  11. Não obstante, as valorações realizadas e as referências tidas em conta nos presentes autos, não extrapolam os limites fixados pelos critérios do concurso, apenas os clarificam e lhes conferem um maior grupo de certeza, sendo a sua utilização previsível face aos mesmos critérios estabelecidos.

  12. Ficou aqui provado que todos os concorrentes foram igualmente avaliados por referência ao regulamento elaborado, tendo sido, pois, respeitados os princípios da igualdade na concorrência, da transparência, da publicidade e da boa fé.

  13. Finalmente caberia ao autor do recurso contencioso, a aqui recorrida, invocar e provar que determinado sub-critério estava fora do âmbito do critério pré-fixado (artº264º, nº1 e 2 do CPC e 342º, nº1 do CC), o que não logrou fazer, já que em momento algum apresentou alegação ou prova convincentes de que os factores de densificação escolhidos (sub-critérios) fossem desadequados, inesperados ou extravasassem o âmbito do concurso público.

  14. Decidindo como decidiu, a sentença sub judice interpretou mal os factos provados e aplicou-lhes incorrectamente o Direito, em clara violação do artº668º, nº1, b) do CPC, sendo, pois, nula.

    * A recorrida particular ... formulou, por sua vez, as seguintes CONCLUSÕES: 1ª. Dos muitos pretensos " vícios" imputados ao acto administrativo recorrido pela demandante todos foram julgados improcedentes à excepção da pretensão de que o uso de um Regulamento estabelecido pela Comissão de Avaliação e com o conteúdo que ele teve, foi ilegal.

  15. Mas, salvo o devido respeito, é errónea a decisão nessa parte, por não só não ter tomado em consideração o significado substancial da matéria de facto em causa, como por não ter correctamente apreciado a matéria de direito que é aplicável à situação.

  16. Remete-se, pois, desde logo, para a matéria de facto no seu todo, não só a constante da especificação e da resposta a quesitos (supra II), como a que ademais resulta de documentos incontroversos (supra III).

  17. Salvo o devido respeito, a douta sentença alicerça a simples conclusão da ilegalidade da elaboração e conteúdo do Regulamento em meras afirmações conclusivas, que, aliás, esbarram da frente com os factos constantes dos autos.

  18. Mas, menos bem ainda, a douta sentença, para dar relevo ao único vício que teria minado o concurso a sentença, limita-se genericamente, em dois passos de dissertação, a referir a violação dos princípios constitucionais da legalidade, da prossecução do interesse público, da boa-fé, da igualdade na concorrência, da transparência, da publicidade e da estabilidade das regras concursais.

  19. Mas não houve por bem concretizar ou especificar nenhuns factos que sejam o substracto dessa moldura constitucional.

  20. Em consequência, a douta sentença está ferida da nulidade que resulta de não ter especificado da maneira exigível os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (CPCiv, artº668º-1-b)), pois que para cumprimento do dever de decidir não basta invocar normas ou princípios constitucionais e antes a lei processual obriga a que o Tribunal indique na sentença qual o Direito especificamente violado por cada facto por si invocado, sob pena de não poder nem a ora Recorrente nem o venerando Supremo Tribunal Administrativo imaginar, por si mesmos, que cada um dos factos censurados viole todos os princípios invocados.

  21. Isso é particularmente grave, como reforço da dita nulidade, com a mais concretizável ainda, pretendida violação do princípio da legalidade, pois que o douto Tribunal recorrido não invocou uma única norma legal ou concursal que tenha sido infringida na apreciação e classificação de propostas.

  22. Cabia à Rte. do acto alegar e provar que a existência e/ou o conteúdo do Regulamento, ao ser aplicado à sua Proposta, teria provocado para ela (relação de causalidade adequada) uma distorção da avaliação e classificação, as quais, se a dita distorção não existisse, lhe teriam sido favoráveis para ganho de concurso.

  23. Mas, a mesma Rte. nada disso invocou e, por isso, provou, o que é mais do que suficiente para a inviabilidade do recurso.

  24. Não o aceitando e antes argumentando da forma inexacta a que atrás fazemos referência, a douta sentença, admitindo que sem essa causalidade adequada lhe poderia caber proceder a anulações académicas (sem ser caso de nulidade, obviamente), preteriu a grande regra do aproveitamento dos actos, segundo a qual eles só devem ser objecto de anulação se qualquer sua eventual irregularidade se traduzisse no prejuízo concreto de parte que se diga afectada, o que no caso não vem invocado pela Rte. nem ocorre.

  25. O que era fundamental, face ao que dispõe o artº40º DL...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT