Acórdão nº 02004/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução11 de Maio de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório O A..., LDA., com sede na Rua ..., Ançã, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 15 de Julho de 2002, do Senhor MINISTRO DA EDUCAÇÃO, que aplicou a sanção de seis salários mínimos nacionais e ordenou a reposição da importância de € 79.953,63 nos cofres do Estado e a devolução aos encarregados de educação de € 4.319,59.

Fundamentou o recurso, invocando essencialmente: - a prescrição do procedimento disciplinar ; - a amnistia dos factos imputados, - a não verificação das infracções (os factos - os mapas informativos e o seu valor intrínseco); a natureza não cabimentada das verbas; a gratuitidade do ensino; encargos com o pessoal docente; as contingências das provisões; o valor global da prestação de serviço; - a errada aplicação do estatuto disciplinar dos funcionários e agentes da Administração e o ilícito procedimento adoptado; - o contrato de associação (sua interpretação); - a usurpação de poderes; -a ilegalidade e a inconstitucionalidade do Despacho 256/A/ME/96.

A entidade recorrida respondeu, e em defesa da legalidade da sua actuação, diz, em resumo: - Só com a resposta da arguida à audiência prévia em finais de Abril de 2001 ficou em condições de fazer um juízo fundamentado sobre os factos indicados no relatório da auditoria.

- A amnistia não é aplicável às infracções porque os factos se prolongaram pelo ano lectivo de 1999, após 25 de Março de 1999 data relevante para a Lei 29/99, de 12 de Maio.

- O despacho foi aposto sobre a informação que remete para o relatório do processo disciplinar onde consta a fundamentação de facto e de direito, quer da sanção quer da ordem de reposição e devolução de quantias.

- O contrato de associação previa no ponto B - alínea e) e Capítulo III- C o direito da parte pública de fiscalizar a execução do contrato e impor sanções tal como prevê o DL 553/80, de 21 de Novembro (art.ºs 41º, al. d) e 99.º ) e a Portaria 207/98, de 22 de Março.

- O n.º 12 da Portaria manda aplicar subsidiariamente o ED dos Funcionários e Agentes da Administração, pelo que é aplicável ao art.º 65.º do mesmo quanto à obrigação de reposição.

- A Portaria 207/98, de 28 de Março limita-se a estabelecer as sanções definidas no Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo ao abrigo de autorização prévia constante do n.º 4 do artigo 99.º do DL 553/80.

- O regime geral do direito disciplinar que constitui matéria legislativa da competência exclusiva da AR foi definido por diploma autorizado pela AR no artigo 17.º da Lei 9/97, isto é pelo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo e por outro lado o n.º 5 do artigo 8.º da mesma Lei de Bases incumbe ao Governo estabelecer a regulamentação dos contratos de concessão de apoios e subsídios e a respectiva fiscalização.

- No despacho 256-A/ME/96, de 11 de Dezembro estabelecem-se critérios para a concessão e cálculo do apoio financeiro a escolas em zonas carenciadas em execução do mesmo art.º 8.º n.º 5.

- A Administração não agiu na imposição de uma obrigação contratual, actuou no exercício de uma competência disciplinar que lhe é conferida por lei e, é nesta qualidade que exige a reposição e devolução das mencionadas quantias.

Houve alegações escritas nas quais a recorrente formulou conclusões que dizem de útil: - Os factos que vieram a integrar a acusação no processo sancionatório encontravam-se apurados no relatório da IGE de 31 de Janeiro de 2001, que foi levado ao conhecimento do Delegado Regional do Centro da IGE e por este transmitido em 7 de Fevereiro de 2001 à Inspectora-geral da Educação, pelo que, quer em 1 de Junho de 2001, quando foi ordenada a instauração de processo disciplinar, quer em 30 de Agosto de 2001 quando foi efectivamente instaurado o processo, já haviam decorrido mais de três meses sobre o momento em que o dirigente máximo do serviço (Inspector Geral) havia tomado conhecimento das eventuais faltas e o procedimento disciplinar estava prescrito nos termos do artigo 4.º n.º 2 da Lei 24/84, de 16 de Janeiro.

- Os factos reportam-se a até 25 de Março de 1999, não sendo a sanção aplicável superior a suspensão, tais infracções encontram-se amnistiadas ao abrigo da al. c) do artigo 7.º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio. - O A... não infringiu os deveres e obrigações contratuais assumidos no contrato de associação n.º 13/99, designadamente as alíneas c) da cláusula 1, Secção A, do Capitulo I desse contrato, nem os princípios estabelecidos nas alíneas a), c) e f) dos n.ºs 3, 1 e 4 do Despacho 256/A/ME/96.

- o A... não aplicou indevidamente quaisquer importâncias recebidas para pagamento dos encargos com o Pessoal docente, nem violou a gratuitidade do ensino, no âmbito do contrato de associação n.º 13/99; - o despacho recorrido está ferido de vício de forma por falta de fundamentação, por não fazer referencia às normas jurídicas em que se estriba para sustentar a alegada obrigação de restituição, por parte do A..., da importância de € 79.953,63; - E não pode encontrar fundamento no artigo 65.º do ED, pois a recorrente não é nem pode ser considerada funcionária ou agente da Administração, nem lhe pode ser aplicado aquele estatuto, uma vez que a relação entre a recorrente e a Administração é de índole contratual não sendo lícita a constituição de obrigações pecuniárias unilateralmente por uma das partes; - A Portaria 207/98, de 28 de Março, que define ilegalmente a regulamentação específica relativa à cominação de sanções, prevendo ou definindo o tipo de ilícito e a respectiva natureza; graduando as sanções para cada uma das infracções e estabelecendo o regime procedimental a aplicar, não pode ser aplicada por estar reflexamente ferida de inconstitucionalidade material e orgânica; - O Dec. Lei 553/80, de 21 de Novembro (Estatuto do ensino Particular e Cooperativo) que não estava autorizado pela Lei das Bases a legislar sobre esta matéria, está ferido de inconstitucionalidade material e orgânica, na medida em que pretende remeter em branco toda a matéria sancionatória tocante às Escolas Particulares e Cooperativas para um acto normativo de natureza regulamentar, operando uma espécie de deslegalização de uma matéria que, pela sua natureza, é de reserva legislativa; - O Ministério da Educação, que foi parte co-outorgante do Contrato de Associação, através da Direcção Regional de Educação do Centro, não pode, por mero acto administrativo, impor uma pretensa obrigação contratual fazendo prevalecer uma interpretação do contrato ou das suas cláusulas, agindo como juiz em causa própria, em desrespeito pelo objecto do contrato e do seu equilíbrio financeiro; - Fazendo-o, como o fez, no caso "sub judice" incorre em vício de usurpação de poderes, por violação do princípio da separação de poderes; - a pretendida execução forçada de uma prestação contratual como aquela que é imputada à recorrente, só pode ser obtida pela Administração Educativa, através dos tribunais administrativos, no âmbito do n.º 2 do art. 55º do ETAF e nas condições previstas no art. 187º do CPA - O acto praticado tem em consideração o Despacho 256-A/ME/96 que é ilegal e inconstitucional na medida em que não cumpre o disposto no art.º 15.º n.º 1 do DL 535/80 e institui um regime ilegal de fixação de preço do serviço e sujeita a gestão financeira e pedagógica da escola particular a uma administrativização que ofende a liberdade de ensino e o conteúdo fundamental da autonomia das escolas privadas. A entidade recorrida não formulou novas alegações remetendo para a posição antes assumida.

O Ex.mo Procurador-geral Adjunto, neste Supremo Tribunal, emitiu douto parecer final do seguinte teor: "1. Vem o recurso contencioso interposto do despacho do Senhor Secretário de Estado da Administração Educativa, de 2002.07.17, que, concordando com a informação em que se fundou, aplicou à recorrente a pena de seis salários mínimos nacionais, com a obrigação de reposição nos cofres do estado do montante de 79.953,63 euros e devolução aos encarregados de educação da quantia de 4.319,59 euros.

  1. Em nosso entender integra este despacho duas decisões administrativas: uma que aplica à recorrente uma pena de multa, e , outra que determina a restituição de determinados montantes, a entregar ao Estado e encarregados de educação.

    É nesta perspectiva que iremos analisar a censura que a recorrente dirige ao mesmo despacho, tendo em consideração o disposto no art.º 57º da LPTA: 2.1. Começaremos pelo acto de aplicação da pena de multa, debruçando-nos sobre as questões suscitadas nas conclusões XIII e XIV da alegação da recorrente.

    O DL 553/80, de 21.11 - Estatuto de Ensino Particular e Cooperativo - no que toca à matéria aqui em questão, estabelece na alínea d) do n.º 1 do art.º 41: Às entidades titulares de autorização de funcionamento de escolas particulares compete responder pela correcta aplicação dos subsídios, créditos e outros apoios concedidos.

    Por sua vez, o mesmo diploma dispõe no n.º 1 do art.º 99º: Às entidades proprietárias de escolas particulares que violem o disposto neste decreto-lei podem ser aplicadas, pelo Ministério da Educação e Ciência, as seguintes sanções, de acordo com a natureza e gravidade da violação:

    1. Advertência; b) Multa de valor entre dois e vinte salários mínimos nacionais; c) Encerramento da escola por período até dois anos; d) Encerramento definitivo.

    E no n.º 4 desse art.º 99º: A cominação de sanções será objecto de regulamentação específica, a definir por portaria dos Ministros das Finanças e do Plano e da Educação e Ciência, ouvido o Conselho do Ensino Particular e Cooperativo.

    O decreto-lei acima mencionado não chegou a definir, em qualquer dos seus dispositivos, a natureza dessas sanções, sendo que a portaria ora referida - editada em 1998 - a Portaria n.º 207/98, de 28.03, veio regulamentar a matéria sancionatória nas vertentes substantivas e procedimental.

    Com base no citado n.º 4, a Portaria definiu o tipo de ilícitos, graduou as sanções para as...

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