Acórdão nº 030256 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A..., B... e C... interpuserem, neste Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação do despacho do Sr. Primeiro Ministro, de 22.10.91, que lhes indeferiu o pedido de reversão de três prédios situados nos concelhos de Santiago do Cacém e Sines, de que eram proprietários e que lhes foram expropriados pelo Gabinete da Área de Sines, alegando que o mesmo estava ferido de vício de violação de lei.

Respondeu o Sr. Primeiro-Ministro e contestaram o GAS - Gabinete da Área de Sines, em liquidação, e ainda a ..., o IGAPHE (Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado), o Município de Santiago do Cacém, o Instituto da Conservação da Natureza, o IAPMEI (Instituto de Apoio às pequenas e Médias Empresas e ao Investimento), e o IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional).

Quer o IGAPHE, quer o IAPMEI, suscitaram a questão prévia da sua ilegitimidade passiva, em virtude de os prédios em causa não fazerem parte dos que foram transferidos para a respectiva titularidade - excepção à qual os recorrentes tiveram ensejo de responder.

Pelo Acórdão de fls. 293 e segs., foi ordenada a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nos recursos n.ºs 35.702 e 35.706, também pendentes neste S.T.A., o qual, tendo sido objecto de agravo, foi confirmado pelo Acórdão do Pleno de fls. 394 e seg.s.

A fls. 439, foi dada por finda suspensão da instância, em virtude de os aludidos recursos contenciosos terem terminado por desistência dos recorrentes.

Notificadas para alegações as partes apresentaram-se a exercer esse direito.

Os Recorrentes formularam as seguintes conclusões : 1. Os imóveis dos ora recorrentes foram objecto de declaração de utilidade pública pelo art. 36.º do DL 270/71, de 19/6, concretizada pelo despacho do Sr. Presidente do Conselho, de 1971.11.29, e ainda pela deliberação do Conselho de Ministros restrito, de 1973.06.26 - cfr. texto n.ºs 1 e 2; 2. A existência in casu de uma relação jurídica expropriativa é inquestionável, pois o GAS chegou a instaurar um processo de expropriação litigiosa relativamente a um dos imóveis sub judice - Herdade .... - cfr. texto n. º 2 ; 3. Os imóveis em causa acabaram por ser objecto de expropriação amigável (v. art. 8.º do Dec. 43.587), tendo os recorrentes acedido a esta forma de expropriação por, face à legislação então em vigor, o pagamento das indemnizações nas expropriações litigiosas ser muito demorado e poder ser efectuado em prestações - cfr. texto n. º 3; 4. As escrituras de 1974.08.23 e 1975.03.18 constituem uma mera formalização da fixação do quantum indemnizatório e da transferência dos imóveis em causa para o GAS de acordo com o procedimento, formalidades e circunstâncias imputáveis a esta entidade sendo absolutamente irrelevante o respectivo nomen iuris (cfr. arts. 236º e 237º do C. Civil), sob pena de frontal violação dos princípios de igualdade, justiça, proporcionalidade e boa fé (v. arts. 2º, 13º, 18º e 266º da CRP)- cfr. texto n.ºs 4 a 6; 5. O direito de reversão constitui um corolário da garantia constitucional da propriedade privada, pelo que a sua existência e exercício não podem depender da natureza Jurídica do beneficiário da expropriação (v. art. 62º/1 da CRP) - cfr. texto n.ºs 6 a 8; 6. Os arts. 7.º e 102.º do CE/76 integram normas claramente inconstitucionais, pois violam os princípios consagrados nos arts. 1º, 2º, 9º/b), 18º/2 e 3, 62º/1 e 2 e 266º da CRP, bem como o art. 17º/2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, segundo o qual "ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade" (Ac. TC, 26/6/96, in DR, II Série, de 1998.03.04, pgs. 2776 e segs., do STA (P), de 1999.05.27; Ap. DR, de 2001.05.08, pgs. 788 e segs.) - cfr. texto n.ºs 7 a 9; 7. Os prédios dos ora recorrentes foram expropriados pelo GAS a fim de ser criado um polo de desenvolvimento urbano-industrial na área de Sines (DL 270/71 e DL 487/80, de 17/10), tendo tal finalidade desaparecido com a extinção do GAS e a transmissão dos bens expropriados a outras entidades, pelo que os imóveis em causa não foram nem poderão vir a ser afectos ao concreto fim de utilidade pública que determinou a sua expropriação - cfr. texto n.ºs 10 a 13; 8. Tendo cessado a afectação ao fim de utilidade pública que determinou a expropriação dos prédios em causa, constituiu-se o direito de reversão na esfera jurídica dos ora recorrentes (v. art. 8º da Lei 2030, de 1948.06.22 e art. 59º do DL 43587, de 1961.04.08; cfr. art. 5º do CE 91 e art. 5º do CE 99) - cfr. texto n.ºs 14 a 15; 9. O art. 7º/3 do CE 76 constitui uma norma inconstitucional e inaplicável in casu (v. art. 203º de CRP; cfr. art. 4º/3 do ETAF), na parte em que estabelece que o prazo do exercício do direito de reversão se inicia independentemente da data em que os expropriados tiverem conhecimento do facto constitutivo daquele direito (v. arts. 2º, 9º, 18º, 20º, 62º e 268º da CRP; cfr. Ac. TC n.º 827/96, DR, II Série, de 98.03.04, p.p. 2778) - cfr. texto n.ºs 18 e 19 ; 10.

O início do cômputo do prazo para o exercício do direito de reversão apenas se pode verificar a partir da data em que se notifiquem os interessados da autoria, objecto, sentido e conteúdo dos actos de desafectação dos imóveis dos fins que motivaram a sua expropriação, maxime da sua transmissão para entidades com atribuições diversas da entidade expropriante (v. art. 268º/3 da CRP), pois só com essa notificação se garante o efectivo conhecimento pelos interessados do novo destino a que foram afectos os bens expropriados (v. Ac. TC n.º 827/96, de 1996.06.26, DR, 2ª Série, de 1998.03.04, p.p. 2778) - cfr. texto n. º 19 ; 11.

Os ora recorrentes nunca foram notificados dos actos pelos quais se decidiu a não afectação dos imóveis em causa aos fins de utilidade pública que legitimaram e fundamentaram a sua expropriação, nomeadamente dos actos que determinariam a sua transmissão para outras entidades (v. art. 268º/3 da CRP e art. 5º/1 do CE 91) - cfr. texto n.ºs 20 e 21; 12.

O não reconhecimento do direito de reversão dos ora recorrentes viola frontalmente o conteúdo essencial do seu direito fundamental de propriedade, constitucionalmente consagrado no art. 62º da CRP, pois implica a sua privação imotivada e arbitrária (v. art. 17º/2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, DR, I Série, de 1987.03.09; cfr. arts. 8º e 18º da CRP) - cfr. texto n.ºs 22 e 23; 13.

O não reconhecimento do direito de reversão dos ora recorrentes violou ainda os princípios da justiça, da prossecução do interesse público, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, da igualdade, da confiança e da boa fé (v. arts. 1º, 2º, 9º/b), 13º, 18º, 61º, 62º, 266º, 268º/4 da CRP; cfr. arts. 3º, 4º, 5º, 6º e 6º 4 do CPA) - cfr. texto n.ºs 24 a 26 ; 14.

O despacho sub judice enferma assim de diversas ilegalidades, tendo violado frontalmente, além do mais, o disposto nos arts. 1º, 2º, 9º, 13º, 18º, 20º, 62º, 207º, 266º e 268º da CRP, no art. 17º da DUDH, nos arts. 4º, 7º e segs. e 59º do Decreto 43587, de 8 de Abril de 1961, no art. 8º da Lei 2030, de 22 de Junho de 1948, no art. 1º do CE 76".

Na contra-alegação do Primeiro-Ministro conclui-se da forma seguinte : a) Não discutindo que a DUP é um verdadeiro acto administrativo susceptível de, desde logo, afectar os direitos e interesses legítimos dos particulares e, como tal, passível de impugnação contenciosa, facto é que desta afirmação não decorrem as consequências pretendidas pelos recorrentes; b) Na verdade, embora a DUP assuma o papel de iniciar a relação jurídica expropriativa não serve para a esgotar pelo que, irrefutavelmente, não pode ser com ela confundida; c) E isto porque a DUP não é suficiente para esgotar o conceito de expropriação: para que ela se verifique, extinguindo um direito, é preciso operar uma transferência de bens ou uma substituição de titulares, com novação de poderes; d) Não contestando que a DUP efectivamente "cria a coacção psicológica especifica do carácter da transferência", facto é que, no caso sub judice, a referida coacção não conduziu à transferência forçada da propriedade, por via de uma expropriação, mas sim, conforme os recorrentes reconhecem, à celebração de verdadeiros contratos de compra e venda de três imóveis anteriormente declarados de utilidade pública; e) Até porque a liberdade contratual, característica daquele tipo de negócio jurídico, não desapareceu com a DUP. Na verdade, foi de livre vontade que os recorrentes declararam que pretendiam vender o que efectivamente venderam, do modo como venderam e, finalmente, pelo preço acordado; f) O GAS não violou a lei, nem os direitos ou interesses legítimos dos recorrentes, por não ter cumprido as formalidades típicas de uma expropriação amigável quando, como se viu, não era este o instituto por que os recorrentes haviam optado; g) Mas, ainda que assim fosse, então sempre se diria que os recorrentes, em 23/8/74 e em 18/3/75, ao constatarem, diante do notário, a alegada irregularidade por parte do GAS, deveriam ter-se recusado a assinar as escrituras de compra e venda impedindo, irremediavelmente, a consumação daquele modo de aquisição derivada; h) Nesta conformidade, partindo do pressuposto de que o direito de propriedade dos recorrentes não cessou por força de uma expropriação amigável, conforme já ficou decidido no acórdão proferido no processo n.º 35.703, mas sim da celebração de verdadeiros contrato de compra e venda, os quais, quer formal quer...

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