Acórdão nº 0808/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Janeiro de 2005

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução12 de Janeiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A…, impugnou no Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto uma liquidação efectuada pela Câmara Municipal de Matosinhos, a título de Taxa Municipal de Loteamento.

Aquele Tribunal julgou procedente a impugnação.

Inconformada, a Câmara Municipal de Matosinhos interpôs o presente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:

  1. Anulado, através de um juízo concreto de inconstitucionalidade, o Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização (RTMU), de 1991, era lícito à Recorrente repristinar, como repristinou, as normas anteriores, que ele revogara e substituíra; B) De outro modo, a operação urbanística de que se trata ficar isenta de imposição tributária; C) Essa isenção não está contemplada na ordem jurídica representaria um enriquecimento sem causa da Impugnante, acarretando grave injustiça e lesão para o interesse público.

TERMOS EM Que deve revogar-se a decisão sob censura, ordenando-se que o Tribunal recorrido conheça da outra questão levantada pela Impugnante que foi dada como prejudicada.

A impugnante contra-alegou, concluindo da seguinte forma: 1) A repristinação das normas revogadas por uma outra norma considerada inconstitucional apenas vem prevista no art. 282.º da Constituição, quanto à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, efectuada pelo Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização sucessiva abstracta; a repristinação não vem prevista (e, como tal, não é possível) no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, regulada pelos art. 204.º e 280.º da Constituição; 2) Em fiscalização concreta, a norma julgada inconstitucional apenas é desaplicada num determinado processo, mantendo-se em vigar; logo, não é possível fazer renascer as normas que foram revogadas por um diploma que se mantém em vigor. Isto é, as normas revogadas pela norma julgada inconstitucional não podem produzir efeitos, visto que se mantém em vigor uma norma posterior que dispõe sobre a mesma matéria num sentido diferente; 3) Nem, tão pouco, parece possível efectuar uma repristinação com efeitos circunscritos ao caso concreto, sob pena de violação de vários princípios jurídicos verdadeiramente estruturantes do nosso sistema jurídico, como sejam o princípio da correcta aplicação da lei no tempo, o princípio da igualdade, o princípio da uniformização de julgados ou o princípio da unidade do ordenamento; 4) A opinião dos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (que é citada pela Recorrente nas suas Alegações) - para além de muito discutível e duvidosa - não se aplica à situação em apreço, pois diz respeito apenas ao art. 280.º da Constituição, isto é, à fiscalização concreta da constitucionalidade efectuada pelo Tribunal Constitucional (ou fiscalização concreta concentrada), e não à fiscalização concreta difusa, efectuada por qualquer tribunal; 5) Ainda que - por hipótese - fosse possível, em fiscalização concreta difusa, repristinar a/s norma/s anterior/es, a verdade é que - in casu - tal não aconteceu: o Tribunal Tributário de 1. Instância do Porto, por decisão (proferida no processo n.º 58/99) já transitada em julgado, desaplicou uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, mas não procedeu à repristinação de quaisquer outras normas. Logo, a aplicar-se ao caso em apreço uma repristinada, ocorreria - inevitavelmente violação do caso julgado (o qual abrange tanto o deduzido, como o dedutível); 6) Acresce ainda que, a haver repristinação (o que por mera cautela se antecipa, mas não se concede), ela nunca poderia ser autonomamente decidida pela própria Administração: não tendo o juiz da causa repristinado as normas anteriores, não pode a Administração - substituindo-se ao tribunal - decidir aplicar ao caso as tais normas anteriores; 7) Não é de afastar a hipótese de o regulamento municipal que a Recorrente - ao abrigo de uma alegada repristinação - pretenda aplicar ao caso (o RTMLI) ser também inconstitucional, inclusivamente com base no mesmo tipo de vícios formais que determinaram a inconstitucionalidade do regulamento municipal que foi desaplicado pelo Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto no processo n.º 58/99; 8) Na hipótese (improvável) de ser dado provimento ao presente recurso, os autos deverão baixar novamente ao Tribunal Tributário de 1. Instância do Porto, para que este aprecie uma outra questão (relativa à caducidade do direito de liquidar tributos), que foi oportunamente suscitada, mas que não chegou a ser apreciada por aquele tribunal.

Termos em que, Deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus exactos termos.

Caso assim não se entenda, deverão os autos baixar novamente ao Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto, para apreciação da questão que foi dada como prejudicada.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos: 1.Merecem o nosso sufrágio as seguintes proposições constantes das alegações da recorrida: a) a repristinação das normas revogadas por norma considerada inconstitucional apenas opera quanto à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral e, segundo alguma doutrina, em sede de fiscalização concreta de constitucionalidade efectuada pelo Tribunal Constitucional (arts. 280º nº l e 282º nº l CRP; Gomes Canotilho/Vital Moreira CRP anotada 3.ª edição p. 997) b) em sede de fiscalização concreta a norma julgada inconstitucional apenas é julgada inconstitucional em determinado processo, mantendo-se em vigor c) não é possível o renascimento de normas revogadas por um diploma que se mantém em vigor d) não é possível a repristinação com efeitos circunscritos a um caso concreto, sob pena de violação de princípios estruturantes do sistema jurídico, designadamente o princípio da igualdade e da unidade do ordenamento e) a decisão do TT1ª instância Porto que desaplicou a norma com fundamento em inconstitucionalidade. não determinou a repristinação de quaisquer normas.

  1. Justificam-se as seguintes observações complementares: a) a adesão ao entendimento da repristinação restrita ao processo em que a norma inconstitucional foi desaplicada produziria um efeito perverso intolerável: a norma estaria em vigor, por repristinação, para os interessados intervenientes no processo, que poderiam beneficiar do renascimento da vigência, mas estaria revogada para os restantes destinatários b) como regra geral a repristinação exige norma expressa. porquanto a revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogara (art. 7º nº 4 CCivil) c) o vazio normativo alegado pela recorrente como consequência da inconstitucionalidade formal do regulamento ao abrigo do qual foi liquidada a TMU não pode inibir o tribunal do exercício da sua função de correcta interpretação e aplicação das leis 3. Na hipótese de adesão à tese da repristinação do anterior Regulamento de Ocupação de Solos. Taxa Municipal de Edificação, Taxa Municipal de Loteamentos e Infra-estruturas (RTMLI) deve o STA conhecer por substituição da questão da caducidade do direito de liquidação, porquanto constam do processo todos os elementos necessários (art.715º nº2 CPC/art.726ºCPC) Conhecendo, deverá declarar a caducidade do direito de liquidação da taxa impugnada, considerando que: a) o facto tributário (emissão do alvará de loteamento) se verificou em data necessariamente anterior à emissão de...

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