Acórdão nº 046206 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelFREITAS CARVALHO
Data da Resolução24 de Novembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I. ..., ...; ... Lda; Câmara Municipal de Coimbra e A..., S.A., todos identificados nos autos, interpõem recurso da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, de 29-08-98, que, na sequência do recurso contencioso interposto por B... e outros, declarou nula a deliberação da Câmara Municipal de Coimbra de 24 de Maio de 1979 que aprovou o processo de loteamento de um prédio urbano sito em ..., freguesia de S.to António dos Olivais, Coimbra, e, em consequência, declarou ineficazes o alvará n.º 59/79 e os actos posteriores da Câmara atinentes à execução ou alteração desse alvará.

Os primeiros recorrentes, a fls. 2172 e no seguimento de parecer que juntam, concluem as suas alegações da forma seguinte: 1 - A douta Sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra de 29 de Junho de 1998 deu como adquirido que estamos perante um pedido inicial de licenciamento de loteamento, ao afirmar, sem mais, que a «aplicação no caso dos autos do Decreto-Lei nº 209/73 resulta do disposto no artigo 34º, nº 1, daquele Decreto-Lei, que entrou em vigor no dia 6 de Junho de 1973, não relevando o loteamento requerido em 1958, na medida em que entretanto já tinha caducado e tinha um conteúdo completamente diverso do aprovado em 1979 " ; 2 - Não indica contudo, esta sentença qual o fundamento da caducidade do loteamento aprovado em 13 de Novembro de 1958, por forma a poder concluir-se que a deliberação da Câmara Municipal do Coimbra de 24 de Maio de 1979 não se cifrava numa alteração a um loteamento anterior; 3 - É que cada causa de caducidade tem o seu fundamento legal, que pode determinar, em certos casos, que a caducidade não opere automaticamente, tendo que ser declarada pela Administração, designadamente nas situações em que a lei prevê a existência de factos impeditivos de verificação da caducidade, e sobretudo nos casos em que a caducidade se traduz numa sanção pelo incumprimento de um dever - casos esses que reclamam, ainda, per exigência do princípio do Estado de direito, uma audiência prévia do particular; 4 - Não tendo a Sentença do Tribunal Administrativo de Circulo de Coimbra de 29 de Junho de 1998 indicado a causa concreta da caducidade do loteamento aprovado em 13 de Novembro de 1958, do modo a poder verificar-se se o Tribunal tinha possibilidade de conhecer oficiosamente e declarar ele próprio a caducidade propendemos a considerar que, neste ponto, ela não está devidamente fundamentada, violando, assim, o artigo. 158º, n.º 1, do Código do Processo Civil, o que acarreta a sua nulidade nos termos do artigo 668º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código (preceitos aplicáveis supletivamente ao processo administrativo, de harmonia com o disposto no artigo 1º da LPTA - Decreto Lei n.º 267/85, de 16 de Julho); 5 - Tendo em conta a fundamentação da deliberação da Câmara Municipal de Coimbra de 24 de Maio de 1979 - nos termos da qual a consulta prévia à Direcção dos Serviços de Urbanização não foi promovida, uma vez que aquela deliberação se traduzia num «ajustamento do loteamento. já aprovado pela Câmara Municipal de Coimbra em reunião de 13 de Novembro de 1958» - e a ausência de fundamentação da douta Sentença do Tribunal Administrativo do Circulo de Coimbra quanto à causa da caducidade do loteamento aprovado em 13 de Novembro de 1958, propendemos a entender que a referida deliberação do órgão executivo do Município de Coimbra se traduziu numa alteração ao loteamento aprovado em 13 de Novembro de 1958; 6 - A conclusão de que se está, in casu perante uma alteração a um loteamento anterior origina dúvidas sobre se é o Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho, que se aplica a tal alteração.

7 - Todavia, tendo em conta, de modo particular, que se o Decreto- Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, é que indicou inequívoca e expressamente que ele próprio se aplica, também, à alteração aos alvarás de loteamento concedidos à luz de diplomas anteriores, parece-nos legítimo defender-se que, até 1991, a regra que vigorou foi a contrária.

8 - As alterações às licenças de loteamento regiam-se pelo menos no que toca ao respectivo procedimento administrativo, pelas normas em vigor na data da atribuição da licença e não por aquelas que estivessem em vigor na data da solicitação ou aprovação dessa alteração; 9 - Daqui resulta que é possível sustentar que a alteração ao loteamento aprovado em 13 de Novembro de 1958 em que se consubstanciou a deliberação da Câmara Municipal de Coimbra de 24 de Maio de 1979 não se regia pelas normas do Decreto-lei n.º 289/73, mas pela legislação em vigor na data em que o loteamento foi aprovado; 10 - Ora, defendendo-se - como nos inclinamos a defender -, que a deliberação da Câmara Municipal de Coimbra do 24 de Maio de 1979 se traduziu não no deferimento de um novo pedido da licenciamento de loteamento, mas na aprovação de alterações ao loteamento aprovado em 13 de Novembro de 1956, e, bem assim, que, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 448/91, as alterações às licenças (ou alvarás) de loteamento eram regulados, pelo menos no tocante ao respectivo procedimento pela legislação em vigor na data da aprovação da licença de loteamento ( que se pretende alterar ) e não pela lei vigente na data em que se requer ou em que ocorre a aprovação dessas alterações .

11 - Parece legítimo concluir-se que a ausência de solicitação de parecer à Direcção- Geral dos serviços de urbanização não tem qualquer efeito sobre a validade daquela deliberação, dado que a legislação em vigor na data da aprovação do loteamento (13 de Novembro de 1558) não impunha a audiência daquela entidade, antes da atribuição pelas câmaras municipais de licenças de loteamento ou da aprovação de alterações a essas licenças: 12 - Poderá, no entanto, entender-se que a deliberação recorrida, mesmo que traduza uma alteração à licença de loteamento aprovada em 13 de Novembro, de 1958, deveria reger-se também pelo Decreto-Lei nº 289/73, de 6 de Junho, pois, sendo a "relação jurídica substantiva" resultante da licença de loteamento e titulada pelo respectivo alvará uma" "situação de trato sucessivo", a alteração que venha a incidir sobre esta cairá sob a alçada da lei nova (isto é, da lei em vigor no momento em que é requerida ou aprovada essa alteração).

13 - É que, dir-se-á, a uma tal situação aplica-se a segunda parte do nº 2 do artigo 12º do Código Civil, nos termos do qual a lei nova ( no caso concreto, o Decreto-Lei n.º 289/73 ) define o conteúdo ou efeitos de certas relações jurídicas, independentemente dos factos que lhe deram origem, sendo, por isso, de aplicação imediata, abrangendo as relações jurídicas constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor .

14 - De acordo com esta óptica, a deliberação da Câmara Municipal de Coimbra de 24 de Maio de 1979 deveria obedecer ao disposto no Decreto-Lei nº 289/73, de 6 de Junho, em vigor na data em que foi adoptada, bem como na data em que foi requerida.

15 - Todavia, mesmo que se considere que o Decreto-Lei nº 289/73, de 6 de Junho, se aplicava à deliberação impugnada, propendemos a entender que ainda assim, e salvo o devido respeito, o Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra não deveria ter declarado a nulidade daquela deliberação. É que, no caso concreto, ocorrem várias razões que tornam uma tal decisão injustificada desadequada e desproporcionada: 16 - A primeira razão é, sem dúvida, a existência de dois pareceres favoráveis posteriores à pratica do acto administrativo emitidos pelo mesmo órgão (ou pelo seu sucessor legal) que deveria ter sido consultada antes da prática do acto, os quais se pronunciaram não apenas sobre as alterações requeridas à licença de loteamento, mas também sobre a licença de loteamento que se pretendia alterar " 17 - Segundo pensamos, os dois pareceres favoráveis posteriores vieram, da alguma forma, "sanar" o vício inicial do acto administrativo. Isto porque, na nossa óptica, deve aplicar-se, aqui, a regra segundo a qual é suprível a preterição ou omissão de uma formalidade ( nesse caso, a audiência da DGSU) que a lei manda cumprir em certo momento, se ela for cumprida em momento posterior, desde que ainda vá a tempo de garantir os objectivos que a lei teve em vista ao impor uma tal formalidade. Ora, a "concordância" posterior, através da emissão de pareceres favoráveis pelas entidades competentes, comprovou que tais objectivos foram garantidos; 18 - Esta solução é perfeitamente admissível se entendermos, como propendemos a entender, que o regime da nulidade do" actos administrativos não deve ser aplicado "cegamente", mas com algumas "aberturas"', isto é, admitindo-se uma moderação na sua aplicação. Esta é, aliás, a tese defendida por alguma doutrina administrativa mais recente, designadamente por J.C Vieira de Andrade, que defende que "o rigor normativo e lógico deste regime legal (da nulidade) (...) não é, porém, praticável, sobretudo com o alargamento das hipóteses de nulidade, tendo de admitir-se compressões excepções e até correcções ao nível da aplicação da lei".

19 - De acordo com este quadro, parece-nos perfeitamente admissível que , no caso vertente, o regime rigoroso da nulidade " ceda ", por forma a que a emissão posterior à pratica do acto de dois pareceres favoráveis nas condições assinaladas, tenha efeito de "sanação" do vício originário do acto - "sanação " essa que é tanto mais de aceitar, no caso concreto que agora nos ocupa, quanto é certo que a nulidade que corresponde àquele vício foi degradada em anulabilidade por força das alterações introduzidas no Decreto-Lei n.º 445/91, de 29 de Novembro, e pelo Decreto-Lei n.º 334/95, de 28 de Dezembro .

20 - Uma segunda razão é a da existência de algumas particularidades no âmbito do regime de nulidade dos actos dos órgãos dos municípios respeitantes a loteamentos e a obras de urbanização. De facto, analisando o artigo 65ºdo Decreto-Lei nº 400/84, de 31 de Dezembro, e o vigente artigo...

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