Acórdão nº 046799 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução27 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A... propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal agregado de Ponta Delgada acção com processo ordinário contra a Região Autónoma dos Açores pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização que corresponde a diferença anual da remuneração do cargo de Director do Gabinete Técnico e Jurídico da Secretaria Regional da Economia e a remuneração da categoria de Técnico Superior Principal, incluindo subsídios de férias e de Natal, no montante de 2.867.200$00, acrescido de juros de mora desde o dia I de Novembro de 1998, e vincendos até a data do seu pagamento efectivo.

O Tribunal Administrativo e Fiscal agregado de Ponta Delgada julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1ª. A decisão recorrida reveste-se de um carácter injustificadamente formal porque determina que não haja direito à indemnização de diferencial de vencimentos nos casos de exercício efectivo de mais de doze meses de comissão de serviço está a aceitar-se uma conclusão que colide directamente com o princípio da igualdade: exercer a comissão de serviço por dezasseis meses continuadamente sem cessação da comissão e exercê-la por onze meses ao abrigo da nomeação com mais cinco em exercício efectivo é exactamente a mesma coisa, no que diz respeito ao critério de avaliação de igualdade aqui pertinente, que é o da prestação de trabalho à luz do que dessa prestação é devido, pelo que a interpretação feita pela decisão recorrida dos artigos 7º, nº 1, alínea b) e 18º, nº 10, do Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 34/93, de 13 de Fevereiro viola o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa 2ª. O carácter injustificadamente formal da tese de que se socorre a Sentença recorrida pode também ver-se na porta que abre para a verificação de fraudes ao dever de indemnização. É que a partir daqui legitima-se que qualquer titular de órgão administrativo possa promover uma alteração das atribuições de um serviço ao décimo primeiro mês de duração da comissão de um dirigente, que o mantenha em exercício por mais um ano, ficando ainda isento do pagamento da indemnização. O hipotético titular deste órgão administrativo consegue não só extinguir a comissão de serviço sem necessitar de se socorrer do expediente da anterior alínea a) do n 2 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, manter o órgão em actividade por mais algum tempo, como ainda ficar isento de fazer pagar o diferencial de vencimentos.

  1. A premissa da decisão recorrida que assenta no pressuposto de que o exercício de funções correspondentes a um cargo dirigente posteriores à cessação da comissão consubstancia um exercício ilegítimo é errada. O que efectivamente se verificou foi um exercício de funções em regime de gestão corrente, pois a gestão corrente é o "título" que habilita o exercício de funções nos casos em que, após a exoneração de um cargo, o titular se mantém a exercer as mesmas funções até à sua cessação efectiva, quer por nomeação do novo titular, quer em virtude de qualquer outro facto.

  2. Outra das premissas da Sentença de 25 de Maio de 2000 é a de que o prazo de doze meses é avaliado até ao termo da cessação da comissão de serviço, independentemente de continuar ou não o dirigente a exercer funções após a data da reorganização do serviço. Não é correcta, também, esta premissa. O nº 10 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 34/93, de 13 de Fevereiro, apesar de fazer referência à cessação da comissão - não podia deixar de o fazer, pois é essa a causa primeira da indemnização -, refere que os dirigentes têm direito a uma indemnização "desde que contem pelo menos 12 meses seguidos de exercício do respectivo cargo". Assim, não há qualquer referência à duração jurídica da comissão, mas antes, explicitamente, ao tempo de exercício do respectivo cargo. A sentença recorrida ao proceder ao decidir doutro modo viola as referidas disposições legais.

  3. É também inaceitável, na Sentença de 25 de Maio de 2000, agora posta em causa, a fundamentação, que se considera incoerente, de a ora recorrida - em exercício ilegítimo, com aí se diz - ter direito aos vencimentos e não o ter relativamente a quaisquer outras prestações. Na verdade, o exercício de funções no cargo dirigente em causa tem vários efeitos que não apenas remuneratórios: (i) releva para efeitos de suplementos, nomeadamente o suplemento de despesas de representação, (ii) releva para efeitos de aposentação e respectivos cálculos de pensões e (iii) em geral, releva para todos os efeitos que derivam da prestação efectiva de trabalho.

  4. É incoerente, portanto e como se dizia, dizer que se tutela o direito aos vencimentos sem tutelar as restantes prestações que estão envolvidas no exercício do cargo, porque os princípios que realizam essa tutela também abrangem no seu domínio normativo as restantes prestações: o princípio da proibição do enriquecimento sem causa e o princípio da boa-fé, na vertente da protecção da confiança impõem, respectivamente, que não possa a administração enriquecer à custa da outra parte, tendo recebido a prestação de trabalho e não a remunerando na totalidade, e que tendo sido criada a expectativa legítima da percepção do vencimento através da não colocação de obstáculos à sua prestação (ou até através de incentivos, como aconteceu no caso presente) deva a administração cumprir nas expectativas que criou. Não faz sentido, assim, que se apliquem os princípios da proibição do enriquecimento sem causa e da protecção da confiança para tutelar aspectos (vencimentos) excluindo outros (diferencial de vencimentos), cobertos pelos mesmos princípios, que são afastados sem qualquer razão material justificativa.

  5. Contrariamente ao decidido no despacho saneador sentença recorrido a ora recorrente tem efectivamente direito à indemnização de diferencial de vencimentos, tal como estabelecido no artigo 18º, nº 10, do Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 34/93, de 13 de Fevereiro, porque o prazo de doze meses de exercício de funções de que depende o direito à indemnização deve considerar-se transcorrido se, mesmo que já se tenha verificado a reorganização do serviço, e cessada a comissão, o dirigente continuar a exercer funções e o tempo entretanto decorrido for suficiente.

  6. A solução interpretativa do artigo 18º, nº 10 do Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 34/93, de 13 de Fevereiro que aponta no sentido de a fronteira dos doze meses ser a que se reporta ao exercício efectivo do cargo, incluindo, deste modo, o tempo de exercício realizado em regime de gestão corrente, é a solução constitucionalmente mais adequada.

  7. É aqui que se entende que o entendimento sufragado na Sentença de 25 de Maio de 2000 não pode prevalecer. Se o texto normativo em causa compreende ambas as interpretações, optar pela norma que realiza uma discriminação sem razão material justificativa, nem apoio constitucional - pois nada habilita nem fundamenta a que se afaste do direito à indemnização os meses exercícios em regime de gestão corrente, que significam trabalho igual -, é, sem dúvida, seguir pelo caminho que constitucionalmente mais problemas traz. E, interpretar os artigos 7º, nº 1, alínea b) e 18º, nº 10, do Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de...

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