Acórdão nº 047146 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Setembro de 2004

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução21 de Setembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A..., casado, magistrado do Ministério Público, residente na Rua do ..., nº ..., em Anadia, vem interpor recurso contencioso de anulação do acórdão proferido pelo Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, pelo qual lhe foi aplicada a pena de aposentação compulsiva.

Apresenta alegações com as seguintes conclusões: 1- O recorrente é comproprietário, juntamente com a sua irmã, na proporção de metade, de um prédio rústico denominado ..., sito na freguesia de Cantanhede, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob o nº 16310, a confrontar a Norte com ..., a sul com ... e outros, a nascente com ... e vala e a poente com estrada camarária e caminho.

2- Assim, no contexto que infra melhor explicitaremos, o recorrente, detentor do título e da posse sobre o imóvel referido, defendeu um direito que também é seu, in casu, o direito de propriedade, constitucionalmente consagrado como direito fundamental.

3- O presente processo disciplinar incide sobre factos ocorridos no âmbito de uma pseudo expropriação do sobredito prédio, sendo, ademais, pressuposto da punição a circunstância (embora errada, como se verá) do recorrente ter conhecimento de que o seu terreno estava a ser expropriado.

4- Ora, tendo o recorrente impugnado a declaração de utilidade pública do terreno acima mencionado, suscitou a suspensão do processo disciplinar até ser proferida decisão final do processo de expropriação, pois os factos que estão na génese do processo disciplinar foram praticados na sequência daquela "expropriação".

5- Apesar de ter suscitado esta questão, o Plenário do Conselho Superior do Ministério Público decidiu que «a anulação contenciosa do acto expropriativo não descaracteriza a ilicitude das condutas imputadas ao arguido e não obsta por isso ao prosseguimento do processo disciplinar».

6- Todavia, a autoridade recorrida não considerou que o processo expropriativo foi impugnado com fundamento na nulidade do mesmo.

7- Ora, como é unanimemente entendido pela doutrina e pela jurisprudência, o reconhecimento da nulidade dessa declaração de utilidade pública terá repercussões consideráveis no mundo jurídico, uma vez que significará que tal acto nunca teve qualquer efeito vinculante, nem sequer se poderá dizer que alguma vez existiu.

8- Deste modo, a nulidade da declaração de utilidade pública da expropriação torna a actuação administrativa, se não ilícita do ponto de vista criminal, pelo menos, ilícita do ponto de vista cível.

9- Habilitando-o com a faculdade de reagir, de resistir e autotutelar o seu direito ameaçado, porquanto todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão (art. 21º da CRP) - cfr. Freitas do Amaral, João Caupers e outros in CPA Anotado, Almedina, 1997, 3ª Edição, p. 246.

10-Ademais, se os particulares não devem obedecer ao pretenso acto e podem legitimamente opor resistência passiva à respectiva execução, mesmo sem ele ter sido declarado nulo por qualquer autoridade ou tribunal - cfr. Marcelo Caetano "Manual de Direito Administrativo", vol. I, 10ª edição, p. 51.

11-Por maioria de razão se deve considerar a resistência activa, legítima e lícita para salvaguardar um direito que goza de tutela constitucional e que está a ser violado.

12-Pelo que se acabou de alegar, podemos concluir que é fundamental e imprescindível para o que se discute nos presentes autos, a anulação contenciosa do acto expropriativo, provando-se, assim, que o recorrente agiu com lisura, pelo que, efectivamente, deveria ter sido suspenso o processo disciplinar até decisão do processo nº 42 307, que corre termos no Supremo Tribunal Administrativo.

13-Dúvidas inexistindo em como se trata de uma questão prejudicial, tendo, pois, a decisão recorrida violado o princípio da defesa do arguido e o art. 31º do CPA.

14- Descendo agora ao factualismo que levou à aplicação da pena disciplinar, a autoridade recorrida entendeu que o recorrente se valeu da qualidade de Ministério Público para praticar uma série de actos disciplinarmente censuráveis.

15- Todavia, nada disto corresponde à verdade dos factos, pois a autoridade recorrida desconsiderou todas as razões de facto e de direito que levaram o recorrente a agir em defesa do seu direito de propriedade.

16-Razões estas que estão suficientemente alegadas nos arts. 24º a 69º da p.i de recurso, para os quais, em observância do princípio da economia processual, se remete.

17-Sem antes concluirmos que o recorrente agiu motivado pela certeza de que estava a defender o seu direito de propriedade, visto que em momento algum tinha conhecimento de que o seu terreno estava a ser objecto de um processo expropriativo.

18-Ora, perante a convicção de que as pessoas envolvidas estavam a cometer um ilícito criminal, em flagrante delito, encetou todas as diligências adequadas a fazer cessar a sobredita violação à ordem jurídico-penal, nomeadamente comunicando este facto às forças policiais.

19-Daí que possamos concluir que a errónea qualificação dos factos descritos no acto recorrido, suficientemente alegados na p.i de recurso, permitem assacar ao acto o vicio de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.

20-Erro este que se projecta na violação do princípio da presunção da inocência, previsto no art. 32º, nº 2, da CRP, pois a pena disciplinar foi aplicada sem que se tivesse feito a prova dos factos, para além de toda a dúvida razoável, de que é acusado.

21-Pelo que, expressamente, o acto recorrido afronta ao art. 32º, nº 2 da CRP.

22-Alega, ainda, a autoridade recorrida que estes factos integram a prática dos crimes de prevaricação, abuso do poder e denúncia caluniosa, por que se encontra pronunciado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, demonstrando, por este motivo, definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função.

23-Ora, desde logo, temos de alegar que os pressupostos de que depende o processo criminal são diversos daqueles que encerram o processo disciplinar.

24-Bem como são diversos os bens jurídicos que se visam salvaguardar nos dois processos.

25-Pelo que é irrelevante toda e qualquer consideração que se faça dos factos descritos em função dos juízos do foro jurídico-criminal e, agravadamente, quando o recorrente não foi condenado pelos mesmos.

26-Daí que se tenha de concluir que a autoridade recorrida formulou o juízo de que os factos descritos determinam a definitiva incapacidade de adaptação à função sobre pressupostos externos ao próprio procedimento disciplinar, pelo que a punição aplicada enferma do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.

27-Por outro lado, sempre seria necessário fundamentar que às pretensas infracções cometidas inviabilizam a manutenção da relação funcional.

28-Isto porque, apesar de os Magistrados do Ministério Público estarem sujeitos a um estatuto próprio, não deixam de ser funcionários públicos e, em consequência, beneficiarem de todos os direitos e obrigações relativas aos demais funcionários públicos.

29-Com efeito, é ineliminável que, no que diz respeito ao processo disciplinar, os Magistrados do Ministério Público beneficiam das garantias oferecidas pelo DL nº 24/84, de 16 de Janeiro.

30-Aliás, qualquer sentença que julgue em sentido contrário - ou seja, que considere inaplicável o DL 24/84 aos processos disciplinares movidos contra Magistrados do Ministério Público - formulará uma interpretação inconstitucional do art. 26º do DL 24/84, por afronta ao princípio da igualdade (art. 13º da CRP).

31-Deste modo, temos que a pena da aposentação compulsiva, por ser a mais grave na hierarquia das penas disciplinares, obriga à indagação sobre a existência dos elementos que sustentam o eventual prejuízo de inviabilização da manutenção da relação funcional - cfr., por todos, Ac. do STA de 16/05/2002, proferido no âmbito do processo nº 039260, em que foi relator o Juiz Conselheiro ... .

32-Ora, conforme se pode constatar do acto, a autoridade recorrida não teceu qualquer consideração sobre se os factos descritos eram susceptíveis de inviabilizar a manutenção da relação funcional.

33-Assim, o acto recorrido - ao não fundamentar a pena de aposentação compulsiva como consequência da inviabilização da manutenção da relação funcional - padece do vício de violação de lei, consubstanciado na inobservância do disposto no art. 26º do DL 24/84.

34-Acresce que a pena disciplinar, em função do disposto no art. 185º do Estatuto do Ministério Público, não atendeu à gravidade dos factos, à culpa do agente, à sua personalidade e às circunstâncias concretas do caso, pelo que o acto impugnado padece do vício de violação de lei.

35-Por outro lado, os elementos essenciais da infracção disciplinar são: o sujeito, o objecto, a culpabilidade e a ilicitude.

36-Contudo, a pena disciplinar foi aplicada sem que se encontrassem densificados elementos acima referidos.

37-Isto, porque o recorrente actuou no exercício de um direito, defesa da propriedade, estando, ao abrigo do art. 31º, nº 1 do C.P., excluída a ilicitude da sua conduta.

38-Ora, não tendo a autoridade recorrida ponderado minimamente esta causa de exclusão da punibilidade, violou os princípios da defesa do arguido e da presunção da inocência, padecendo, assim, o acto recorrido do vício de violação de lei.

39-Quanto à violação do dever de isenção de que o recorrente é acusado, temos que o mesmo não se encontra violado, pois o arguido não retirou quaisquer vantagens da sua conduta, apenas sofrendo prejuízos com os trabalhos realizados pela retroescavadora, pertença da sociedade empreiteira.

40-Pelo que não se verifica aqui qualquer actuação culposa ou desproporcional, pois numa situação como aquela a que se reportam os autos - violação ostensiva do direito de propriedade - não era exigível ao recorrente qualquer outro comportamento, estando, assim, excluída a sua culpa.

41- A autoridade recorrida...

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