Acórdão nº 01712/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução15 de Junho de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em subsecção, na secção do contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

1.1.

A..., comerciante e mulher B..., auxiliar de cozinha e C..., operário de construção civil e mulher ..., doméstica, todos residentes na Rua ..., Manteigas, instauraram, no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, contra o MUNICÍPIO de MANTEIGAS, acção declarativa, sob processo ordinário, pedindo a condenação em indemnização por danos, decorrentes da morte de duas menores, que radicam em actuação (omissiva) ilícita daquele em piscina municipal.

1.2.

Por sentença de 5 de Maio de 2003, a acção foi julgada improcedente, por não provada, e o Réu absolvido do pedido.

1.3.

Inconformados, os autores deduziram o presente recurso, em cujas alegações concluem: "1) O complexo de piscinas onde as menores foram encontradas sem vida é propriedade do Município R., que o explora, tem o dever de o vigiar e de o manter em funcionamento em condições de total segurança para os utentes.

2) Esse complexo, pela sua natureza e características; é susceptível de implicar riscos agravados para a segurança do utilizador, pelo que se trata de um equipamento que deve ser considerado perigoso e, como tal, enquadrável na noção a que alude o disposto no artigo 493 n°. 2 do Código Civil.

3) A presunção de culpa estabelecida nessa disposição legal aplica-se à responsabilidade extracontratual das autarquias locais por factos ilícitos praticados no exercício da gestão pública.

4) Essa presunção inverte as regras do ónus da prova, incumbindo aos AA. apenas demonstrar os factos que servem de base à presunção e ao R. provar que não teve qualquer culpa no acidente gerador dos danos e que empregou todas as providências necessárias a evitá-los.

5) Os AA. provaram que as menores entraram nas piscinas em dia de encerramento semanal e que aí perderam a vida (base da presunção), ficando dispensados da prova da culpa concreta ou de serviço por parte do R.

6) O R., por seu turno, por falta de alegação e prova, não demonstrou, e teria de o fazer, que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias, dotando as piscinas de todas as regras de segurança exigidas pelas normas legais em vigor, designadamente as que são impostas pelos pontos 12.3 do capítulo 12, ponto 5.1 e 5.8 do capítulo 5 e capítulo 6 da Directiva Comunitária 23/93-CNQ.

7) Também não demonstrou, e teria de demonstrar, que tudo fez para evitar a entrada de utentes, fosse pelos muros de vedação, dotando-os de altura suficiente, intransponível, ou pelas portas de acesso, fechando-as à chave, facto este que não se provou.

8) Para além disso, não afixou no portão sul um aviso informativo do encerramento (respostas aos quesitos 8 e 23), violando as normas regulamentares aplicáveis ao sector e fazendo crer, por omissão, que as piscinas estavam abertas e podiam ser livremente utilizadas.

9) Tudo isto arrasta uma presunção judicial de negligência (Proc. 027655 de 29/03/90, 1ª. Subsecção do CA) e permite concluir que o R. não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si recaía.

10) Estas omissões negligenciáveis não foram indiferentes para a produção do dano morte, pois se as piscinas estivessem inacessíveis (como deviam em dia de encerramento semanal) as menores não poderiam ter entrado nem se teriam afogado, donde resulta que os factos ilícitos praticados pelo R. foram causa, ainda que indirecta, do resultado verificado.

11) Ao concluir que o R. demonstrou ter fechado à chave o portão do lado sul, o Tribunal recorrido conheceu de uma questão que lhe estava vedada, pela simples razão de que as partes não a alegaram.

12) O que se afirmou e se quesitou foi se tal portão tinha sido deixado aberto ou sem estar fechado à chave (quesitos 5 e 6), o que é bem diferente, até porque a resposta "não provado" a essas questões não significa que o portão estivesse fechado.

13) O Acórdão recorrido violou, assim, o estatuído no art°. 668 nº. 1 al. d) do C.P.C, e é, por isso, nulo.

14) Mesmo que assim se não entenda, a conclusão de que o R. provou que o portão do lado sul estava fechado só porque os AA. não lograram demonstrar que esse portão estava aberto, constitui um flagrante erro de julgamento, com implicações directas na decisão proferida, que com base nele julgou incorrectamente ilidida a presunção de culpa do R.

15) A resposta dada ao ponto 9 da base instrutória tem uma fundamentação deficiente ou insuficiente, por se alicerçar num processo lógico e racional que se não fosse obscuro e viciado conduziria a uma conclusão diferente.

16) Com efeito, não pode o Tribunal defender que a testemunha ... mentiu na PJ e no M°P° da Guarda devido a nervosismo (ao assegurar então que havia deixado o portão apenas fechado ao trinco, com habitualmente fazia) quando nenhum dos Senhores Juízes que o compõem assistiu ao seu depoimento perante aquelas entidades.

17) E muito menos pode ou deve retirar credibilidade ou valor probatório a um depoimento prestado logo após os factos e confirmado pouco tempo depois, com memória fresca e sem precauções jurídicas do seu autor, para depois, com impressionante impunidade, considerar sério e fidedigno um depoimento contraditório e flagrantemente sugestionado.

18) Mesmo ninguém tendo visto as menores a entrar pelo portão do lado sul ou o funcionário do R. a deixar o portão aberto, deveria o Tribunal ter considerado provada ou verificada essa factualidade.

19) Não só porque o portão do lado norte estava fechado à chave e não mostrava sinais de arrombamento, como porque as piscinas estão circundadas por um muro superior a 2,5 metros (em princípio inacessível à transposição por crianças), mas essencialmente porque antes (por volta das 12/14h) e depois (por volta das 17h) esse portão do lado sul estava aberto.

20) Exigia-se, assim, que o Tribunal recorresse às regras da experiência ou prova de primeira aparência, a presunções simples, naturais, de homem, de facto, judiciais, de vida, que conjugadas com os demais elementos fornecidos pelos autos, impunham respostas afirmativas aos quesitos 5, 6 e 9 cuja alteração agora se justifica acrescidamente, com a apresentação do documento ora junto (art. 690-A e 712 do CPC).

21) O Acórdão recorrido violou os art. 668, nº. 1 al. d), 653 nº. 2 do CPC, 344, 349, 486, 493 nº. 2 do C. Civil e as várias normas da Directiva 23/93 - CNQ referidas no ponto 6 destas conclusões.

22) Foi incorrectamente julgada a matéria quesitada nos pontos 5, 6, 7 e 9 da base instrutória, que deveria ter sido considerada provada pelas razões aduzidas em 16, 17, 19 e 20, e por força do documento aqui apresentado.

Pelo exposto, deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue procedente a acção e condene o R. a pagar aos AA as quantias por estes peticionadas".

1.4.

O Réu contra-alegou, concluindo: "1) Aos tribunais compete aplicar a lei e o direito aos factos dados como provados e não provados sem qualquer complacência ou sentimentalismo pela dor e sofrimento por muito respeitável que seja.

2) A nobre e difícil tarefa de julgar deve obediência à lei e o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob o pretexto de ser injusto ou imoral o resultado a que se chegue.

3) A nulidade da sentença por excesso de pronúncia só existe quando o tribunal se pronuncie sobre questões que não devia.

4) O tribunal recorrido só se pronunciou sobre factos alegados pelas partes e as respostas dadas aos pontos 5° e 6° da base instrutória insere-se no alcance da factualidade articulada pelos recorrentes em contraponto com a factualidade alegada pelo recorrido pelo que não existe excesso de pronúncia e nulidade da sentença.

5) Não existe insuficiência ou deficiente fundamentação da resposta dada ao ponto 9° da base instrutória. A credibilidade dada ao depoimento do funcionário do recorrido, Sr. ..., aferiu-se pela imediação, pelo exercício do contraditório e pelo concatenar com o depoimento das outras testemunhas.

6) O depoimento prestado noutro tribunal, sem o exercício do contraditório, e não obstante existirem declarações que infirmam esse depoimento, não vincula o tribunal recorrido atento o preceituado no artigo 522° do C.P.C., ao caso aplicável, e o artigo 396° do Código Civil.

7) A modificabilidade da decisão de facto nos termos do preceituado no artigo 712° do C.P.C, só é possível se do processo constarem todos os elementos de prova que permitam tal modificação.

8) Não é possível modificar as respostas dadas aos pontos 5° e 9° da base instrutória com base em novos argumentos trazidos ao processo em sede de recurso e que não constam do processo.

9) A resposta aos...

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