Acórdão nº 0742/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução26 de Maio de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. A..., interpôs neste Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação da deliberação de 23.01.2003 do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) que, negando provimento ao recurso hierárquico interposto ao abrigo do artigo 118.º do DL n.º 96/02, de 12/4, manteve o Acórdão do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) de 19.02.2002, que aplicou à recorrente uma pena disciplinar de multa, nos termos do disposto nos artigos 11.º, n.º 1, al. b), e 23.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16/1.

    O Ex.mo Magistrado do Ministério Público (a fls. 73) excepcionou a competência deste Supremo Tribunal, em razão da matéria e a hierarquia, questão cujo conhecimento o Relator, por despacho de fls. 76, decidiu relegar para final.

    Notificada para alegar, a Recorrente concluiu do modo seguinte: 1. Os artigos 98.º e 11.º do DL n.º 343/99, de 26/8 (Estatuto dos Oficiais de Justiça), na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º do DL n.º 96/02, de 12/4, padecem de inconstitucionalidade material, por violação do artigo 218, n.º 3, da CRP.

  2. O DL n.º 96/02 que alterou o DL n.º 343/99, de 26/08 (Estatuto dos Oficiais de Justiça), não se aplica aos factos que originaram o presente procedimento, os quais são anteriores à data da sua entrada em vigor, pelo que, atento o princípio da aplicação das leis no tempo, plasmado no artigo 12.º do Código Civil, a lei nova só dispõe para o futuro, ou seja, produz efeitos não retroactivos ou "ex tunc".

  3. Mesmo que se admitisse, por mero raciocínio académico, que a deliberação do COJ de 19/09/02 fosse válida, os seus efeitos não se aplicam aos factos objecto do presente recurso, atento o disposto no artigo 282.º da CRP, uma vez que, por força da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória, operada pelo Acórdão n.º 73/2002 do Tribunal Constitucional - publicado no DR n.º 64, I série de 16/03/2001 - tornaram-se inválidos, não somente os efeitos directamente produzidos por ela (e daí a reposição em vigor das normas que haja revogado), mas também os actos jurídicos praticados ao seu abrigo, pelo que o procedimento é inválido desde a sua origem.

  4. O COJ carece de ilegitimidade, para proferir a decisão, ora em recurso, uma vez que face ao disposto no artigo 106.º do CPA o procedimento administrativo extingue-se pela tomada de decisão final, pelo que, ao proferir a decisão impugnada contenciosamente no TAC do Porto - Processo n.º 147/2002, 1.º Juízo - esgotou as suas competências, embora inconstitucionais, pelo que não lhe é lícito, arguir a sua nulidade, e, concomitantemente, proferir nova decisão apoiada nos mesmos factos.

  5. Por força da invocada nulidade do procedimento originário, objecto de recurso contencioso, que correu os seus termos no TAC do Porto - Proc.º 147/2002, 1.º Juízo - são destruídos todos os actos instrutórios e procedimentos efectuados, o que implica a elaboração de um novo procedimento instrutório, com respeito pelos princípios do contraditório e acusatório, conduta esta que o COJ violou, limitando-se a transcrever o acórdão que declarara nulo, aproveitando-o na íntegra para proferir uma "nova" decisão, agora, em recurso.

  6. Desse modo, uma vez que não foi respeitado o princípio do contraditório, no procedimento administrativo, ora recorrido, desde já se suscita a suspeição do instrutor nomeado nos termos do disposto no artigo 52.º, n.º 1, alínea e) do DL n.º 24/84, de 16/01, pelos motivos invocados nos artigos 35.º a 37.º retro.

  7. Padece do vício de lei (art.º 133.º, n.º 1, do CPA), sendo por isso nula, a deliberação do COJ no que concerne à imputação à aqui recorrente da infracção prevista no artigo 3.º, n.º 4 e 6 do DL n.º 24/84, de 16/1 - violação do dever geral de zelo - cfr. artigos 39.º a 50.º supra.

  8. A deliberação recorrida não está suficientemente fundamentada, quanto aos pontos indicados nas alíneas a), b) e c) seguintes, violando o artigo 125.º do CPA; a) Quanto aos factores referentes à violação do dever especial de colaboração - cfr. artigos 51.º a 73.º supra, b) Quanto ao juízo material de culpa - cfr. artigos 74.º a 89.º supra, c) Quanto à medida e graduação da pena aplicada - cfr. artigos 90.º a 96.º.

  9. A sua fundamentação contida na decisão do COJ, além de insuficiente, é manifestamente contraditória, o que nos termos do artigo 125.º, n.º 2, do CPA, equivale à falta de fundamentação; Termos em que deverá este Tribunal proferir decisão que a) Declare a inconstitucionalidade dos artigos 98.º e 111.º do DL n.º 96/2002.

    1. Anule a citada deliberação do COJ, no segmento que afecta a recorrente, por violação do artigo 282.º da CRP, dos artigos 106.º, 125.º e 133.º, n.º 1, todos do CPA, da alínea b) do n.º 4 e do n.º 6 do artigo 3.º do DL n.º 24/84, da alínea b) do n.º 2 do artigo 66.º do DL n.º 243/99.

    A Entidade Recorrida não contra - alegou.

    A Ilustre Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

    Mostrando-se colhidos os vistos legais cumpre decidir.

    FUNDAMENTAÇÃO I. MATÉRIA DE FACTO.

    Tendo em conta os elementos juntos aos autos julgam-se provados os seguintes factos : 1 A Recorrente é técnica de justiça auxiliar nos serviços do M.P. do Tribunal de Felgueiras, sendo que o quadro desses serviços é constituído por dois técnicos de justiça adjuntos e dois técnicos de justiça auxiliares.

    2 Por orientação dos respectivos Srs. Magistrados e aceitação dos funcionários foram constituídas duas equipas, cada uma coordenada pelo técnico de justiça adjunto, sendo que a equipa em que foi integrada a Recorrente era constituía por ela, como técnica de justiça auxiliar, e pelo técnico de justiça adjunto Sr. ... a qual ficou a trabalhar nos processos afectos à Ex.ma Procuradora Adjunta Dr.ª ... e nos processos ímpares da Sr.ª Procuradora Dr.ª ....

    3 Inexistindo qualquer provimento ou ordem verbal que atribua tarefas específicas a cada um daqueles funcionários cabia, habitualmente, à Recorrente a entrada de papeis e a expedição do correio. As demais tarefas eram-lhe atribuídas pelo Sr. ....

    4 No dia 13/4/00, o Sr. ... atribuiu à Recorrente a elaboração dos mapas estatísticos relativamente aos processos administrativos .

    5 A Recorrente recusou fazer essa tarefa, facto que o Sr. ... deu conhecimento à Ex.ma Procuradora Dr.ª ...

    6 Esta Sr.ª Procuradora proferiu provimento ordenando à Recorrente a elaboração dos referidos mapas.

    7 Elaborados os mapas o Sr. ... solicitou à Recorrente que fizesse os ofícios para remessa da estatística tendo-lhe esta respondido que havia ofícios «chapa» no computador, vindo unicamente a fazer o ofício relativo aos mapas que ela elaborou.

    8 Comunicado este facto à Ex.ma Procuradora esta determinou que os demais ofícios fossem elaborados pelo Sr. ... e ordenou que se extraísse cópia do mencionado provimento e se remetesse ao COJ acompanhada de informação do Sr. ..., por considerar que se tratava de uma situação de indisciplina da Recorrente.

    9 O que motivou a instauração de procedimento disciplinar que veio a culminar com a deliberação do COJ, de 19/11/01, condenando a Recorrente no pagamento de uma multa no montante de 60.000$00 - fls.107 a114 do Instrutor, que se dão por reproduzidas.

    10 Por deliberação de 11/7/02 o COJ "declarou nula" a punição referida no anterior ponto 9. - fls. 124 e 125 do Instrutor, que se dão por reproduzidas.

    11 E em função dessa deliberação foi julgada extinta a instância do o processo que corria no TAC do Porto referente àquela punição. - fls. 86 destes autos que se dá por reproduzida.

    12 Em 19/9/02 o CJ voltou a deliberar, condenando a Recorrente no pagamento de uma multa no montante de 299, 28 euros. - vd. fls. 14 a 21 dos autos, que se dão por reproduzidas.

    13 Inconformada a Recorrente interpôs recurso hierárquico necessário para o Conselho Superior da Magistratura. - vd. 41 a 55, que se dão por reproduzidas.

    14 Este recurso foi recebido no Conselho Superior da Magistratura em 18/11/02 e logo nesse dia foi proferido despacho no seu rosto do seguinte teor "Dê entrada e após remeta ao CSMP com conhecimento à Recorrente " sem qualquer identificação do seu autor. - vd. instrutor apenso.

    15 Por deliberação de 23/1/03 aquele Conselho negou provimento ao recurso. - vd. fls. 57 a 66 dos autos, que se dão por reproduzidas.

    II.

    O DIREITO.

    O presente recurso contencioso dirige-se contra a deliberação do Conselho Superior do Ministério Público que negou provimento ao recurso hierárquico da decisão do COJ que aplicou à Recorrente uma pena de multa e que, consequentemente, manteve a condenação que ela impugnou, deliberação que vem reputada de ilegal por se fundar em legislação inconstitucional, em normas cuja entrada em vigor ocorreu posteriormente à prática dos factos e que, por isso, lhe eram inaplicáveis, na nulidade da decisão do COJ, no desrespeito do princípio do contraditório e na insuficiência da fundamentação do acto impugnado.

    A Ex.mª Sr.ª Procuradora Geral Adjunta suscitou, porém, uma...

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