Acórdão nº 047455 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Abril de 2004
Magistrado Responsável | FREITAS CARVALHO |
Data da Resolução | 22 de Abril de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo A... e mulher, B..., ambos identificados nos autos, interpõem recurso da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 10-07-2000, que negou provimento ao recurso contencioso por eles interposto da deliberação de 20-09-96, do Conselho de Direcção dos Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros, que resolveu o contrato de compra e venda do .., ..., do Bloco ..., do Bairro Social da Tapada ..., celebrado entre os Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros e o beneficiário C....
Os recorrentes formulam as seguintes conclusões : 1. Os Recorrentes são casados segundo o regime da comunhão geral de bens; 2.O Recorrente marido era filho de D..., falecida a 29 de Fevereiro de 1988 e de C..., falecido em 17 de Maio de 1992; 3. Conforme escritura de habilitação de herdeiros, o Recorrente marido sucedeu como único herdeiro ao seu falecido pai, cônjuge supérstite; 4. Acontece que o falecido pai do Recorrente era associado-beneficiário nº 148 da O.S.M.U, tendo-lhe sido atribuída, por contrato de compra e venda de 19 de Abril de 1977, a fracção autónoma correspondente ..., no Bairro social de Paço D'Arcos; 5. Por sua vez, ao Recorrente marido, que também era o associado-beneficiário nº 38 da O.S.M.U, foi-lhe atribuída, por contrato de compra e venda de 30 de Março de 1977, a fracção autónoma correspondente ao ..., lado ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal edificado no Lote ... - ..., no Bairro social de Paço D'Arcos (hoje Rua ..., nº ... - ...) ; 6. Ambas as compras e vendas foram feitas sob condição resolutiva do incumprimento pelos associados-beneficiários-adquirentes, das obrigações legais e contratuais assumidas, a principal das quais era o pagamento de parte do preço em prestações mensais e sucessivas; 7. Em ambos os contratos se estipulou que as fracções autónomas se destinavam exclusivamente à habitação dos compradores e dos seus agregados familiares cláusula 7ª, nº 1); 8. Os Recorrentes habitam e sempre habitaram na fracção que compraram à Recorrida; 9. O de cujus também sempre habitou, até à data do seu falecimento, na fracção que tinha adquirido à Recorrida; 10. Por deliberação do Conselho de Direcção da Recorrida de 20.9.96, foi resolvido o contrato de compra e venda da fracção herdada pelos Recorrentes, com o fundamento de que estes não tinham nela a sua residência permanente.
11. Essa deliberação é claramente ilegal; 12. Dúvidas não existem de que a fracção autónoma adquirida pelo pai do Recorrente marido foi transmitida a este mortis causa, bem assim como, em regra, os direitos e obrigações do contrato (artº 2024º do Código Civil e artº 30º do Regulamento de Casas Económicas da O.S.M.U, regime de propriedade resolúvel - Portaria nº 23.785, de 18 de Dezembro de 1968).
13. Porém, dúvidas também não existem que a obrigação de residência permanente no andar adquirido não se transmitiu aos Recorrentes; 14. Na verdade, estabelece o nº 1 do artº 2025º do C. Civil que não constituem objecto da sucessão as relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do respectivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei.
15. Distinguem os autores a inereditabilidade natural da inereditabilidade legal.
16. A inereditabilidade natural obsta à transmissão sucessória dos direitos, poderes e deveres jurídicos pessoais do autor da herança; 17. Entre os casos de inereditibilidade legal podem-se apontar os de associado (artº 180º do Cód. Civil) e os direitos de uso e de habitação (artºs 1485 e 1490º do Cód. Civil).
18. Significa isto tudo, e desde logo, que, com o falecimento de C..., extinguiu-se a sua qualidade de associado ou beneficiário da recorrida, 19. Quanto à obrigação de residir na fracção comprada, parece evidente que se trata de uma obrigação de carácter pessoal, contratualmente estipulada intuitus personae a alguém associado-beneficiário da Recorrida; 20. Assim sendo, como é, não é transmissível aos herdeiros, a obrigação de residir na fracção, ao contrário do que acontece com o contrato em geral; 21. A partir do momento em que a fracção passa via mortis causa, à propriedade dos herdeiros de um beneficiário, que não gozam desta qualidade (de associados-beneficiários), os novos titulares do direito, deixam de estar sujeitos, obviamente, às finalidades e objectivos prosseguidos pela recorrida com a atribuição de casas; o herdeiro não tem qualquer dever derivado da qualidade de associado; 22. Aliás, convém aqui dizer que, tanto a jurisprudência como a doutrina, são pacificas ao considerarem intuitus persone, não transmíssivel com o trespasse, a cláusula que permite a um arrendatário o exercício de algumas ou todas as actividades comerciais ou industriais no locado (cfr. por todos Abílio Neto, RAU, artº 115º, anexo ao Cód. Civil Anotado); 23. Se assim é considerado, por unanimidade, numa hipótese de aparência discutível, como seria possível entender por transmissível ao herdeiro, a obrigação de residência permanente assumida pelo seu antecessor no contrato de compra e venda de uma fracção autónoma?; 24. O Meritíssimo Juíz a quo parece ter ficado impressionado com a redacção da cláusula em apreço, que previa a residência para o associado-beneficiário e para o seu agregado familiar; 25. Daqui conclui, ao que julgamos erradamente, que essa obrigação de residência se transmitiu ao agregado familiar, incluindo ainda por cima nela os Recorrentes; 26. O que o de cujus, associado-beneficiário e a Recorrida acordaram no contrato foi que, aquele, e o seu agregado familiar deviam manter, na fracção adquirida a sua residência permanente.
27. A cláusula é completamente omissa quanto à hipótese de óbito; 28. Depois, uma coisa é a qualidade de membro de um agregado familiar, outra, eventualmente bem diferente, é a de herdeiro ou mesmo de parente; 29. Os Recorrentes são casados, tinham vida económica autónoma e independente, viviam em outra casa que não a do de cujus e, por tudo isso não faziam parte do seu agregado familiar; 30. Salvo melhor opinião, em direito civil, deverá considerar-se como agregado familiar o conjunto de familiares ou parentes, afins ou serviçais que vivam habitualmente em comunhão de mesa e habitação (nº 3 do artº 1040º do Cód. Civil.), 31. Como nada disto acontecia com os Recorrentes em relação ao de cujus, parece evidente que, porque não integravam o seu agregado familiar, nada tinham que ver com a obrigação de residência permanente assumida no contrato de compra e venda.
32. Mesmo que por absurdo de entendesse transmissível aos Recorrentes a obrigação de residência permanente na fracção herdada, mesmo assim, ainda não assistiria à Recorrente o direito de resolução do contrato; 33. A falta de cumprimento (de obrigações relevantes) que possibilitaram a resolução contratual tem de ser, necessariamente, o incumprimento definitivo e, dentro deste, o não cumprimento da obrigação por causa imputável ao devedor; 34. Ora, para que haja falta de cumprimento (definitivo) por causa imputável ao devedor, necessário...
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