Acórdão nº 0177/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Abril de 2004

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução22 de Abril de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A... interpôs o presente recurso contencioso do Despacho do Senhor SECRETÁRIO DA ESTADO ADJUNTO DO MINISTRO DA SAÚDE, de 22 de Outubro de 2002, que homologou as listas definitivas, elaboradas pelo Conselho Ético e Profissional de Odontologia, dos profissionais acreditados e não acreditados no âmbito do processo de regularização dos odontologistas, previsto na Lei n.º 4/99 de 27 de Janeiro, com a redacção da Lei n.º 16/2002 de 16 de Fevereiro.

O Recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões: I.

O acto impugnado é inválido por incompetência do seu autor, devendo ser anulado nos termos da alínea do Art. 135º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que não resulta de qualquer disposição da Lei n.º 4/99 de 27 de Janeiro a atribuição desse poder ao Senhor Ministro da Saúde (não se encontrando abrangido por qualquer delegação), nem tal resulta da aplicação de princípios gerais relativos ao exercício da competência administrativa.

  1. O acto objecto de recurso é inválido por ter procedido a uma restrição ilegal dos meios probatórios admitidos no procedimento administrativo, aflorado no n.º 1 do Art. 87º do Código do Procedimento Administrativo e nos termos do qual os factos, que carecem de prova podem sê-lo por recurso a todos os meios de prova admitidos em direito. Ora, o Conselho Ético e Profissional de Odontologia decidiu restringir o princípio geral do valor probatório no procedimento administrativo de todos os meios em direito admitidos, sem habilitação legal e sobretudo através de formas insusceptíveis de derrogar disposições de valor legal.

    Nestes termos, o acto impugnado é inválido por violação directa do princípio da hierarquia dos actos normativos e, em particular, do n.º 6 do Art. 112.º da Constituição devendo como tal ser declarado nulo.

  2. O despacho recorrido sempre seria inválido por violação de Lei, dado desrespeitar a directiva legal relativa à descoberta da verdade material subjacente ao princípio do inquisitório, estabelecido no Art. 56.º do Código do Procedimento Administrativo, devendo, consequentemente, ser anulado nos termos do Art. 135.º mesmo Diploma Legal.

    IV.

    O acto contestado é também inválido, por violação de Lei, a que equivale a violação do princípio da proporcionalidade constante do n.º 2 do Art. 266.º da nossa Lei Fundamental e no n.º 1 do Art.

    5.º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que procede a uma restrição administrativa dos meios com valor probatório no procedimento de acreditação dos odontologistas, sem que exista qualquer racionalidade que a suporte, evidenciando-se a sua desnecessidade, desadequação e aleatoriedade.

  3. O acto «sub juditio» viola o princípio da igualdade, previsto no n.º 2 do Art. 266.º da Constituição e no n.º 1 do Art.

    5.º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que o Conselho Ético e Profissional de Odontologia valorou como prova admissível em relação a determinados odontologistas, documentos (declarações) cujo valor probatório foi desconsiderado em relação ao recorrente. Deste modo, deve o acto em causa ser declarado nulo, nos termos da alínea d) do n.º 2 do Art. 133.º do Código do Procedimento Administrativo.

  4. O acto impugnado é ainda inválido por erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que o recorrente reúne todos os requisitos necessários para a acreditação como odontologista: antiguidade relevante e formação profissional. Deste modo, o acto administrativo em questão deve ser anulado de acordo com o disposto no Art. 135º do Código do Procedimento Administrativo.

  5. Finalmente, o Art. 2º da Lei n.º 4/99 de 27 de Janeiro, ao condicionar retroactivamente a liberdade de acesso à profissão de odontologista, conforme garantida pelo Art. 47º da Constituição, viola a regra da retroactividade das restrições de direitos, liberdades e garantias, estabelecida no n.º 3 do Art. 15º da nossa lei Fundamental, bem como o princípio da confiança subjacente ao princípio do Estado de Direito Democrático.

    Consequentemente, o acto recorrido, enquanto acto administrativo de aplicação de disposições inconstitucionais, é um acto inválido, devendo ser declarado nulo.

    Termina pedindo que o presente recurso seja julgado procedente e, em consequência, seja declarado nulo ou anulado o acto impugnado pelas razões enunciadas nas conclusões acima elencadas.

    A Autoridade Recorrida contra-alegou, não apresentando conclusões, defendendo que o recurso não merece provimento.

    O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos: O recorrente imputa ao acto os vícios de incompetência do seu autor e violação de lei, por quebra dos princípios da hierarquia dos actos normativos, do inquisitório, da proporcionalidade e da igualdade, por erro sobre os pressupostos de facto e ainda por inconstitucionalidade da Lei nº 4/99 de 27 de Janeiro.

    Quanto ao vício de incompetência constata-se ter havido delegação de poderes no autor do acto, - o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde através do despacho ministerial nº 12376/2002 (2ª Série) de 9.05.02, com o aditamento do despacho nº 13431/2002 (2ª Série) de 15.07.02, sendo certo, por outro lado, que o Conselho Ético e Profissional de Odontologia, nos termos do art. 4º da Lei nº 4/99 de 27 de Janeiro "funciona sob tutela do Ministério da Saúde".

    É sob esta acção tutelar que o Conselho, de harmonia com o disposto no art. 5º, exerce as competências que lhe são atribuídas, e, dentre elas, a de "iniciar e concluir o processo de acreditação profissional dos profissionais abrangidos..." (al. a)), e a de "manter actualizada a lista de profissionais odontologistas acreditados pelo Ministério da Saúde" (al. g)), (sublinhado nosso).

    Afigura-se-me, pois, face à redacção da citada Lei, e particularmente destas alíneas atrás sublinhadas, que é, em última análise, ao Ministro da Saúde que cabe a acreditação final dos odontologistas, cujo processo lhe é concluído, pelo referido Conselho, devidamente municiado de todos os elementos necessários para tal.

    Não ocorre, assim, o alegado vício de incompetência.

    No que concerne à alegada violação dos princípios da hierarquia, do inquisitório, da proporcionalidade e da igualdade, o recorrente considera que o acto impugnado procedeu a uma restrição ilegal dos meios de prova, uma vez que o princípio geral admite todos os meios de prova permitidos em direito, e não resulta evidenciada nem a ponderação, nem a necessidade, nem a adequação dessa restrição perante as finalidades do procedimento de acreditação, apresentando-se aleatórios e discriminatórios os meios de prova elegidos.

    Não nos parece que tal se verifique.

    Na verdade, é a Lei nº 4/99, de 27 de Janeiro, que "regula e disciplina a actividade profissional de odontologia (art. 1º) e atribui ao Conselho Ético a competência de "iniciar e concluir o processo de acreditação.

    .." (sublinhado nosso), pelo que, para tal efeito, lhe confere a possibilidade de emitir normas regulamentares que complementem as regras nela contidas.

    Por isso, o Conselho adoptou, à partida, uma grelha de documentos exigíveis para prova do exercício da actividade profissional, (art. 2º e Actas VII e da 13ª Reunião do CEPO), documentos esses julgados necessários à comprovação clara e objectiva dessa prática, evitando, assim, situações de puro arbítrio, conducentes, estas sim, à violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.

    A não reunir o recorrente todos os requisitos exigidos na referida Lei para ser acreditado como odontologista, não se verifica o invocado erro sobre os pressupostos de facto.

    Acresce que a relevância dos valores em jogo, que a actividade de odontologista acarreta, traduzidos na prestação de cuidados de saúde às populações, não se compadece com situações dúbias no que se refere à exigência dos meios de prova a quem se deve mostrar bem habilitado a exercê-la, de forma a garantir uma prática segura, responsável e de qualidade.

    Por isso, não se apresenta ferida de inconstitucionalidade a citada Lei, nem violado o princípio da boa fé ao prever a sua aplicação a situações anteriores, que por se apresentarem irregulares, não conferem uma expectativa da sua posterior regularização.

    Deve, assim, em meu entender, ser negado provimento ao recurso.

    O Recorrente pronunciou-se sobre este douto parecer.

    Juntos novos elementos relativos ao processo administrativo, as partes foram notificadas para alegações complementares, não as tendo produzido.

    Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

    2 - Com base nos elementos que constam do processo e do processo instrutor apenso, consideram-se provados os seguintes factos: a) O Recorrente exerce a profissão de odontologista; b) Por aviso publicado no Diário da República, II Série, de 9-8-2000, foi aberto o processo de acreditação profissional dos profissionais abrangidos pela Lei n.º 4/99, de 27 de Janeiro, com a redacção da Lei n.º 16/2002 de 22 de Fevereiro; c) O Recorrente apresentou a sua candidatura à acreditação como odontologista, instruindo-a com os documentos cujas cópias constam de fls. 100 a 108, cujo teor se dá como reproduzido, entre os quais se incluem os seguintes: - um atestado, datado de 29-3-2001, emitido pelo presidente da junta de freguesia de Caldas da Rainha Nossa Senhora do Pópulo, em que se afirma que o ora Recorrente «exerce a actividade de dentista não médico» naquela freguesia, na rua ... - ; - uma declaração, emitida por um médico, datada de 27-3-2001, em que se afirma que o Recorrente «tem exercido a actividade de Odontologista há cerca de 19 anos, tendo sempre demonstrado competência»; - três declarações, todas datadas de 27-3-2001, em que três pessoas afirmam, além do mais, que o ora Recorrente lhes vem tratando os dentes há mais de 20 anos; d) Em reunião realizada em 24-11-2000 (a que se reporta a acta que consta de fls. 36, cujo teor se dá como reproduzido) o Conselho Ético e Profissional de Odontologia aprovou a metodologia da...

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