Acórdão nº 0196/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelJOÃO BELCHIOR
Data da Resolução16 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA).

  1. RELATÓRIO A...

, com os demais sinais dos autos, interpôs recurso de anulação do despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (E.R.) de 22.0UT.02 o qual homologou as listas definitivas, elaboradas pelo Conselho Ético e Profissional de Odontologia, dos profissionais acreditados e não acreditados no âmbito do processo de regularização de odontologistas, determinado pela Lei n.º 4/99 de 27 de janeiro, imputando-lhe vícios de violação de lei.

A Entidade Recorrida (E.R), na sua resposta de fls.55-66 pugnou pela legalidade do acto recorrido e, consequentemente, pela improcedência do recurso.

Apresentou o recorrente as suas alegações, a fls. 71-89, relativamente às quais formulou as CONCLUSÕES seguintes: "I - O acto impugnado é inválido por incompetência do seu autor, devendo ser anulado nos termos do disposto no art. 135º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que não resulta de qualquer disposição da Lei nº 4/99 de 27 de Janeiro a atribuição desse poder ao Senhor Ministro da Saúde (não se encontrando abrangido por qualquer delegação), nem tal resulta da aplicação de princípios gerais relativos ao exercício da competência administrativa; II - O acto, objecto do recurso, é inválido por ter procedido a uma restrição ilegal dos meios probatórios admitidos no procedimento administrativo, aflorado nº 1 do art. 87º do Código do Procedimento Administrativo e nos termos do qual os factos, que carecem de prova podem sê-lo por recurso a todos os meios de prova admitidos em direito. Ora, o Conselho Ético e Profissional de Odontologia decidiu restringir o princípio geral do valor probatório no procedimento administrativo de todos os meios em direito admitidos, sem habilitação legal e, sobretudo, através de formas insusceptíveis de derrogar disposições de valor legal Nestes termos, o acto impugnado é inválido por violação directa do princípio da hierarquia dos actos normativos e, em particular, do nº 6 do art. 112º da Constituição, devendo, como tal, ser declarado nulo.

III - O despacho recorrido sempre seria inválido por violação de Lei, dado desrespeitar a directiva legal, relativa à descoberta da verdade material, subjacente ao princípio do inquisitório estabelecido no art. 56º do Código do Procedimento Administrativo, devendo, consequentemente, ser anulado nos termos do art. 135º do mesmo diploma legal.

IV - O acto contestado é também inválido, por violação de lei a que equivale a violação do princípio da proporcionalidade constante do nº 2 do art. 266º da nossa Lei Fundamental e no art. 5º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que procede a uma restrição administrativa dos meios com valor probatório no procedimento de acreditação dos odontologistas, sem que exista qualquer racionalidade que a suporte, evidenciando-se a sua desnecessidade, desadequação e aleatoriedade.

V - O acto «sub juditio» viola o princípio da igualdade, previsto no nº 2 do art. 266º da Constituição e no nº 1 do art. 5º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que o Conselho Ético e Profissional de Odontologia valorou como prova admissível em relação a determinados odontologistas, documentos (declarações) cujo valor probatório foi desconsiderado em relação ao recorrente.

Deste modo, deve o acto em causa ser declarado nulo, nos termos da alínea d) do nº 2 do art.133º do Código do Procedimento Administrativo.

VI - A homologação, objecto do presente recurso, é também inválida por violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança, previsto no nº 2 do art. 266º da Constituição e no art. 6º -A do Código do Procedimento Administrativo, a que corresponde o «venire contra factum proprium» administrativo, consubstanciado na desconsideração de reconhecimentos anteriores, uma vez que o recorrente se encontra inscrito como odontologista no Departamento de Modernização e Recursos da Saúde ao abrigo do Despacho Normativo nº 1/90 de 23 de Janeiro da Senhora Ministra da Saúde, tendo o Ministério da Saúde reconhecido desde então, expressamente, o exercício desta profissão pelo recorrente bem como a sua qualificação.

VII - O acto impugnado é ainda inválido por erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que o recorrente reúne todos os requisitos necessários para a acreditação como odontologista: antiguidade relevante e formação profissional.

Deste modo, o acto administrativo em questão deve ser anulado de acordo com o disposto no art. 135º do Código do Procedimento Administrativo.

VIII - Finalmente, o art. 2º da Lei nº 4/99 de 27 de Janeiro, ao condicionar retroactivamente a liberdade de acesso à profissão de odontologista, conforme garantida pelo art. 47º da Constituição, viola a regra da retroactividade das restrições de direitos, liberdades e garantias, estabelecida no nº 3 do art. 18º da nossa lei Fundamental, bem como o princípio da confiança subjacente ao princípio do Estado de Direito Democrático.

Consequentemente, o acto recorrido, enquanto acto administrativo de aplicação de disposições inconstitucionais, é um acto inválido, devendo ser declarado nulo" A autoridade recorrida, nas suas alegações, propugna pela improvimento do recurso, dizendo, em síntese que: - a competência do autor do acto impugnado decorre directamente da norma contida na parte final do art. 4º da Lei nº 4/99,de 27 de Janeiro e do exercício de uma competência conjunta traduzida na reunião necessária de duas vontades de órgãos distintos (Conselho Ético e Profissional de Odontologia e Ministro da Saúde); - sendo que a autoridade recorrida actuou no exercício de poderes delegados por Despacho do Ministro da Saúde nº 12 376/2002, de 9 de Maio de 2002, alterado pelo Despacho 13 341/2002 (2ª Série) de 15 de Julho de 2002; - a competência atribuída pela al. a) do art. 5º da Lei nº 4/99, configura, de certa forma, uma situação de reenvio normativo se se entender que na situação em apreço a lei remete para o Conselho Ético e Profissional de Odontologia e edição de normas regulamentares executivas ou complementares da disciplina por ela estabelecida; - a especificação dos documentos admitidos teve o intuito de assegurar a transparência e objectividade de um processo cuja especificidade determinou a adopção de critérios de prova rigorosos e pré-definidos; - e não violou a regra da não retroactividade, nem os princípios da igualdade, proporcionalidade e boa-fé.

A Exmª. Procuradora-Geral Adjunta, junto deste STA, emitiu o douto parecer de folhas 99-100, através do qual se pronunciou no sentido do improvimento do recurso, nos termos seguintes: "o presente recurso contencioso vem interposto do despacho do Sr Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde de 22.10.2002 que homologou as listas definitivas dos profissionais acreditados e não acreditados no âmbito do processo de regularização dos odontologistas.

Para o recorrente o referido despacho - que recusou a sua acreditação com fundamento em falta de prova suficiente do exercício profissional nos termos do artigo 2° da Lei 4/99 de 27.01, alterada pela Lei 16/2002 de 22.02, de acordo com os critérios definidos pelo Conselho Ético e Profissional de Odontologia constantes das actas VII, XIII e XIX - mostra-se afectado dos vícios a seguir enumerados: - de incompetência - porquanto, nos termos estabelecidos no artigo 5° alínea a) da Lei 4/99, era ao referido Conselho e não ao autor do acto que competia a prática do acto - vide conclusão I das alegações; - de violação de lei - por violação, designadamente, dos princípios do inquisitório e do equilíbrio que regem o procedimento administrativo, dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade, da confiança e do princípio da hierarquia dos actos normativos, e por erro quanto aos pressupostos de facto - vide conclusões II, III, IV, V, VI e VII das alegações; O recorrente invoca ainda a inconstitucionalidade do artigo 2° da Lei 4/99, por violação do princípio da não retroactividade das restrições de direitos, liberdades e garantias enunciado no nº 3 do artigo 18° da CRP - vide conclusão VIII das alegações.

Sendo os vícios imputados ao acto recorrido geradores quer de nulidade quer de mera anulabilidade, passamos, em análise sucinta das alegações do recorrente, a seguir a ordem de conhecimento que, em nosso entender, melhor acautela o seu interesse.

Assim, I- Quanto ao vício de incompetência Neste âmbito defende o recorrente que, cabendo ao Conselho Ético e Profissional de Odontologia, autoridade administrativa independente, o processo de regularização e acreditação dos Odontologistas criado pela Lei 4/99 de 27.01, não dispunha o autor do acto recorrido competência para a sua prática.

Discordamos deste entendimento.

Com efeito, não vemos que dos termos da Lei 4/99 de 27.01 se retire que o referido Conselho disponha da alegada autonomia, afigurando-se-nos, ao contrário, que o teor de cada uma das alíneas do seu artigo 5° antes aponta para a caracterização das suas competências como de natureza...

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