Acórdão nº 0694/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução10 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: (Relatório) 1.

A..., solteiro, ladrilhador, melhor identificado nos autos, intentou no Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa acção declarativa com processo ordinário contra o Município de Sintra, pedindo a condenação deste não pagamento de indemnização por danos sofridos em consequência de acidente de viação.

Por sentença proferida a fls. 135, e seguintes dos autos, foi acção julgada parcialmente procedente e o Réu condenado a pagar ao Autor a quantia de 659.895$00, acrescida de juros de mora às taxas legais sucessivamente em vigor, desde 22.4.1996 até integral pagamento.

Inconformados, dessa decisão vieram recorrer o Autor e o Réu.

O Autor apresentou alegação (fls. 156. ss.), com as seguintes conclusões: I.O presente recurso é interposto, única e exclusivamente, no que diz respeito ao Quantum indemnizatório; II.Pois quanto à decisão, na restante matéria, decidiu e bem o tribunal a quo nenhum reparo a mesma merece; III.Vem o recurso interposto do douto acórdão proferido nos presentes autos, que julgou parcialmente procedente a acção, em virtude de, crê-se, os fundamentos de facto estarem em contradição com a decisão que veio a ser proferida (CF. Art.º 668º, nº1, al. c) e nº 3 do C. P. Civil); IV.O A. demonstrou a perda de ganho de vencimentos durante o período de tempo em que não trabalhou; V.Efectivamente, a testemunha ... , inquirida por carta precatória quanto ao quesito 13º, donde o seu depoimento se encontra escrito, respondeu que o A. auferia, por dia, Esc. 6.500$00 e o salário era-lhe pago em função dos dias de trabalho e não ao mês.

VI.Contudo, o Meritíssimo Juiz a quo não tirou a ilação, dos «factos provados na especificação e em julgamento, que o A. tenha estado sem trabalho e que por esse facto não tenha recebido qualquer importância, apesar de parecer natural que não recebesse da entidade patronal.

VII.Donde devia ter-se concluído que ao A. eram devidos salários correspondentes ao período de tempo de incapacidade para o trabalho.

VIII.Dada a factualidade provada e a ausência de factos que pudessem por em dúvida ou destruir aquela, é, de todo evidente, que o raciocínio do Juiz a quo não foi legítimo, impondo-se outro tipo de decisão.

IX.Nos danos futuros resultantes de incapacidade física do lesado por acidente de viação, a referida indemnização é devida mesmo que não se prove ter dela resultado diminuição actual dos proventos profissionais do lesado.

X.Logo, ao A. deveria ter sido atribuída uma indemnização a esse título.

XI.Os montantes indemnizatórios fixados a título de Danos Patrimoniais - Perdas Futuras dos AA-Apelados, devem ser, mais equitativamente fixados, Euros 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros).

XII.Quanto aos danos não patrimoniais, os mesmos não devem ser objecto de critério miserabilista para efeitos de equitativa condenação tendencialmente compensatória.

XIII.Não está em causa, somente, a definição de quantia que ajude a reparar a dor, mas também a censura do causador dessa dor.

XIV.Logo, a indemnização adequada para ressarcir os danos não patrimoniais sofridos pelo A. devia ser mais equitativamente fixada em Euros 10.000 (dez mil euros).

O R. Município de Sintra apresentou alegação, com as seguintes conclusões: A-A... , demanda na presente acção declarativa com processo ordinário, o município de Sintra, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de Esc7.614.895$00, a título de indemnização por danos ocorridos em acidente de viação, acrescida de juros à taxa legal, vencidos se vincendos.

B-Alega aquele que circulava com o seu motociclo, por via pública, em Queluz Ocidental, na noite de 22/02/94, e que ao chegar a um cruzamento, embateu com a sua perna numas grades de ferro colocadas na faixa de rodagem, que ali se encontrava com o objectivo de sinalizar a existência de um buraco no pavimento, devido à falta de uma tampa de esgoto, tendo consequentemente caído ao solo, daí resultando danos patrimoniais e não patrimoniais.

C-Dos danos patrimoniais (danos materiais) quer produzidos no veículo acidentado, quer noutros bens (roupas), quer ainda sobre a perda e capacidade de ganho de vencimento não fez prova deles na sua totalidade.

D-Dos danos não patrimoniais ficaram por demonstrar, não se provando, as dificuldades para o exercício da profissão, bem como as incapacidades físicas então alegadas, sendo somente e 3% e não de 10% como o lesado queria fazer crer. Não sendo por isso indemnizável a incapacidade de 3%.

E-Do atrás já exposto resulta claro que o Município de Sintra não praticou qualquer acto ou omissão ilícitos e muito menos culposos, pois de acordo com o nº 1 do art. 96 da lei nº 169/99, de 18 de Setembro, só deveria responder por prejuízos verificados caso se trate de actos ilícitos culposos, o que não foi o caso. Tanto mais, que os serviços camarários tomaram conhecimento do ocorrido, deslocaram-se prontamente e de imediato ao local.

F-Perante o alegado e tendo presente a matéria de facto e de direito em causa, entende-se que não se encontram provados no presente processo os requisitos cumulativos de Responsabilidade Civil susceptíveis de gerar obrigação de indemnizar por parte desta Autarquia, em actos de gestão pública, onde é aplicável a regra do nº 1 do artigo 483º do Código Civil.

G-Pelo que, de acordo com o Dec. Lei nº 48051 conclui-se que não há qualquer conduta culposa por parte deste Município, nem se verifica nenhum acto ilícito.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Magistrada do Ministério Público emitiu o seguinte parecer: 1. Vêm interpostos dois recursos jurisdicionais da sentença do TAC: - um, interposto pelo réu Município de Sintra, em que este defende não terem sido provados no presente processo os requisitos cumulativos da responsabilidade civil susceptíveis de gerar obrigação de indemnizar por parte dessa autarquia, em actos de gestão pública, onde é aplicável a regra do n° 1 do art.º 483° do CC.

- um outro, interposto pelo autor, A..., no tocante apenas ao quantum indemnizatório fixado, em que se defende - com invocação do art.º 668°, n° 1, alínea c), e n° 3, do CPC - estarem os fundamentos de facto em contradição com a decisão proferida.

Comecemos por analisar o primeiro dos recursos mencionados, uma vez que a concluir-se pelo seu provimento, ficará prejudicada a análise do segundo.

2.1. A nosso ver esse recurso jurisdicional não merece provimento.

A matéria de facto fixada pela sentença não é susceptível de ser alterada ao abrigo do art.º 712° do CPC.

São de todo irrelevantes as afirmações constantes das alegações do recorrente município de que: - é permitido concluir que o autor, ao chegar ao cruzamento, nem parou, nem reduziu a velocidade, pois, caso o tivesse feito, usando assim de devida prudência, não necessitaria de travar de forma brusca, e evitaria o despiste ocorrido; - tal despiste só se verificou dadas as condições impróprias, e sem qualquer segurança em que então circulava, tanto mais que dada a velocidade excessiva a que conduzia para o local, não conseguiu em tempo, e de acordo com o expresso no art.º 7°, n° 1, do Código da Estrada, nem travar ou sequer reduzir a velocidade quando chegou ao cruzamento, nem evitar o embate nos obstáculos aí existentes.

É que a matéria dada como provada não permite chegar a tais conclusões, e, por outro lado, da mesma consta que: - as grades de ferro nas quais o autor embateu estavam em local mal iluminado; - as referidas grades não eram reflectoras; Face a estes factos, é inegável que o réu omitiu o cumprimento de deveres legais que sobre ele recaíam, de providenciar no sentido da sinalização das grades, de forma a evitar qualquer acidente.

A factualidade dada como provada acima referida permite concluir, sem sombra para dúvidas, tal como entendeu a sentença impugnada, que o acidente se ficou a dever única e exclusivamente à omissão dessas obrigações que impendiam sobre o réu.

Realce-se que a omissão desses deveres funcionais preenchem simultaneamente os conceitos de ilicitude e de culpa. De harmonia com a orientação que este STA tem vindo a defender uniformemente, a partir do acórdão do T. Pleno de 98.04.29, no processo n° 36463, a remissão contida no art.º 4°, n° 1, do DL n° 48051, de 21.11.67 para o art.º 487° do CC abrange também o n° 1 deste último artigo e daí a admissão de presunções legais de culpa, entre as quais se inclui a do art.º 493°, n° 1, do CC.

Incumbia ao réu fazer prova de que o acidente, nas circunstâncias em que ocorreu, se deveu à conduta do condutor do veículo, sendo que de facto não o fez, conforme resulta da matéria de facto.

Por outro lado, resultou ainda provado o seguinte, conforme se retira da matéria de facto fixada na sentença: - do embate resultaram danos no veículo ... e danos corporais no autor; - os danos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT