Acórdão nº 0527/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Março de 2004
Magistrado Responsável | CÂNDIDO DE PINHO |
Data da Resolução | 10 de Março de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na 1ª Subsecção da 1ª Secção do STA I- O Instituto de Solidariedade e Segurança Social (sucessor do Centro Nacional de Pensões) e a Senhora Secretária de Estado da Segurança Social, recorrem jurisdicionalmente da sentença proferida no TAC de Lisboa, que julgou procedente a acção ali proposta pelo Ministério Público, em defesa da legalidade e em representação de A... e outros (fls. 94, 181 e 188), de reconhecimento de direito destes a uma pensão calculada em função dos períodos contributivos feitos para a CPP/CFB, em acumulação com a resultante dos períodos contributivos para a Segurança Social Portuguesa.
Nas alegações, o ISSS concluiu: «1 - De acordo com a doutrina um regulamento é uma norma jurídica dimanada do órgão administrativo, no desempenho da função administrativa ou do poder administrativo (Afonso Queiró, Lições, cit., Coimbra, 1976, pág. 409; Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, III, pág. 13, Esteves de Oliveira, in pág. 103).
2 - O Despacho n.º 16-I/SESS/94 não foi publicado no D.R. e, sempre foi entendido pela Administração, que se tratava de um mero regulamento interno que, apenas, determinava o "modus faciendi", como devia actuar, face ao não pagamento das pensões aos seus reformados pela Caixa de Previdência de Pessoal dos Caminhos-de-ferro de Benguela.
3 - Assim, em abono desta tese, vide recente Acórdão do STA, proferido no proc. n.º 47 479- da 1ª Secção /1 Subsecção, e que corrobora este princípio.
Pela sua acuidade transcreve-se a seguinte parte, pág. n.º 15: "... Independentemente da questão da determinação do seu valor normativo - não tendo sido publicados na forma legalmente exigida, são meras instruções aos serviços, no uso dos poderes de superintendência, sem valor regulamentar externo, logo insusceptíveis de fundar directamente direitos e obrigações judicialmente exigíveis".
E bem assim, o Acórdão do STA proferido no proc. 267/02 da 1.ª Secção, 3.ª Subsecção, que também corrobora a tese do recorrente.
4- Como resulta do próprio preâmbulo do Despacho n° 16 -I/SESS/94, este normativo apenas veio definir um conjunto de regras e procedimentos: "Dada a especificidade da situação em que se encontram aqueles pensionistas, mostra-se indispensável definir algumas regras e procedimentos, que permitam a actuação uniforme das instituições de segurança social no reconhecimento dos períodos contributivos e na atribuição de pensões no âmbito do sistema de segurança social português"(sublinhado nosso).
Porém, 5 - Duas posições se debateram desde a publicação do Despacho n.º 16-I/SESS/94: 5.1. A Administração sempre entendeu que o Despacho n.o 16-I/SESS/94 não criou para os reformados da Caixa de Benguela, uma pensão autónoma, mas apenas e tão só, face ao não pagamento por essa Instituição das reformas aos seus pensionistas, em virtude de colapso financeiro - a Caixa de Benguela, após a independência de Angola, é uma entidade de direito estrangeiro - determinou um conjunto de orientações e procedimentos que permitiram, em 1994, o reconhecimento dos períodos contributivos efectuados pelos pensionistas de invalidez e velhice da CCF de Benguela, enquanto trabalhadores no activo, nos termos do DL n.º 335/90, de 29/10, com a redacção do DL n.º 45/93, de 20/2.
5.2. Assim, o reconhecimento destes períodos contributivos pelo sistema de Segurança Social Português, não se destinava à atribuição de qualquer pensão autónoma, mas sim: Ao preenchimento ou alteração da carreira contributiva no regime geral, relevante para: A .1.) - atribuição futura de pensão (art.º 2° do DL n.º 335/90); A. 2.) - melhoria de pensão já atribuída, com a necessária totalização de todos os descontos efectuados em Portugal com os descontos, também, efectuados, enquanto trabalhadores, no activo, para a CPP/CFB.
6- Consequentemente, não houve qualquer diferença de tratamento entre beneficiários, mas a aplicação, em concreto, deste despacho criou, obviamente, uma desigualdade porque, também desigual, era a factualidade do seu enquadramento.
7- O problema apenas residiu numa aplicação temporal de diferentes regimes, não se negando que a relevância, no âmbito do regime geral, dos períodos contributivos em causa, produziram efeitos diferentes nas pensões.
8 - Todavia, tal consequência não se deveu a um diferente critério de aplicação do citado Despacho, mas ao facto de serem diferentes as situações dos pensionistas da CPP/CFB perante o regime geral da Segurança Social e de se ter verificado, em simultâneo, a entrada em vigor de novo regime de Pensões em 1/1/94.
Ora, 9 - Quem requereu pensão ao abrigo do Dec. 45 266, de 22/9/63 tinha uma pensão distinta de quem requereu ao abrigo do DL n.º 329/93 de 25/9.
Assim, 10- No âmbito do regime geral, a pensão sempre foi calculada tomando em linha de conta toda a carreira contributiva, só podendo ser concedida uma pensão de invalidez ou velhice - princípio da totalização dos períodos de descontos.
Pelo que, 11 - Quem passar à situação de pensionista não poderá, logicamente, no âmbito do regime geral, requerer nova pensão.
Tanto mais, 12 - Que apenas se podem acumular pensões do regime geral, com pensões de outros regimes (exemplo - Caixa Geral Aposentações, Estrangeiro), de acordo com o art. o 55°, do DL n.º 329/93.
Porém, 13 - Contrariamente a esta posição - o M.P. quer reconhecer aos Autores, no âmbito desta acção, o direito a uma pensão autónoma, fixando, consequentemente, um regime de carácter excepcional, a saber: 14- A pensão será calculada em função dos períodos contributivos feitos para a Caixa de Previdência do Pessoal dos Caminhos de Ferro de Benguela e com base nos critérios estabelecidos no Decreto-Lei n.º 329/93 de 25.9 e Portaria n.º 183/94 de 31.3, com efeitos a partir de Janeiro de 1994; E, 15 - A acumular com a pensão correspondente à que foi fixada pela Segurança Social Portuguesa e relativa ao trabalho prestado em Portugal; Assim, 16- Não resta qualquer dúvida, que a interpretação efectuada pelos Autores é clara! 17 - Considera que o Despacho n.º 16-I/SESS/94 estabeleceu um regime especial, próprio e exclusivo, para um grupo fechado de destinatários, autores na acção, reformados da Caixa de Benguela: a auferirem uma pensão extraordinária, com base nos salários descontados para a CCF de Benguela, e calculada com base nos critérios do DL n.º 329/93, revalorizando-se os descontos, de acordo com o estabelecido na Portaria n.º 183/94, de 31/3.
18- Ora, esta interpretação dos (Autores/M.P.) contraria frontalmente a ratio da lei.
Viola quer o art.º 2°, do DL n.º 335/90, de 29/10, quer o art.º 1°, do DL n.º 45/93, de 20/2.
19 - Em nenhum destes dois diplomas, se pode ir além do que é a regra da totalização dos períodos de descontos.
20 - Estes dois diplomas são claros ao afirmarem que se limitam a reconhecem no âmbito da segurança social portuguesa os períodos de descontos verificados na ex- CPP/CFB.
21 - E o já citado art.º 2° define os OBJECTIVOS do DL n.º 335/90, de 29/10: "O reconhecimento dos períodos pode ter em vista: c) o preenchimento dos prazos de garantia necessários para a concessão de pensões de invalidez, velhice e sobrevivência; d) o registo de contribuições na carreira do beneficiário, por forma a completá-la, no sentido da melhoria quantitativa das prestações que, de futuro lhe venham a ser atribuídas no âmbito do sistema de segurança social português." 22 - Consequentemente quem já é pensionista, apenas, veria a sua pensão melhorada com um recálculo dado a carreira contributiva ser mais longa.
Aliás, 23 - Quem já subjectivou a qualidade de titular de prestações, não pode no âmbito do regime geral ter direito a duas pensões como pretende o Acórdão ora em crise.
art.º 55°, do DL n.º 329/93 é claro: "é permitida a acumulação de pensões de invalidez ou de velhice do regime geral com pensões de outros regimes de protecção social de enquadramento obrigatório, nos termos previstos em diploma próprio." Mas, 24- A ser assim entendido o Despacho n.º 16-I/SESS/94, criou norma legislativa, - pelo que, este regulamento violou, obviamente, o princípio constitucional da tipicidade das leis - vide art.º 115°, n.º 1 da CRP e, Parecer n.º 34/84, de 20 de Junho de 1984, da Procuradoria - Geral da República.
Ora, 25- De acordo com este princípio constitucional pretende-se proibir a interpretação (ou integração) autêntica das leis através de actos normativos não legislativos, seja de natureza administrativa (regulamentos), seja de natureza jurisdicional (sentenças) - vide Ac. Trib. Constitucional n.º 810 de 7/2/93 (P. 474/88).
26- Por último, e quanto à excepção da impropriedade do meio processual que também o tribunal "a quo" indeferiu, reafirma-se o já alegado de que os Autores deveriam, no momento próprio, ter recorrido contenciosamente do acto administrativo que lhe fixou o montante da sua pensão.
27- Esta posição já foi judicialmente reconhecida na mui bem sentença proferida pelo TAC de Coimbra - proc. 228/2002 e que ora se junta por fotocópia.
28- Aliás, esta posição é hoje pacifica na jurisprudência do STA, e que ora nos abstemos de transcrever porque abundantemente citada na sentença do TAC de Coimbra».
Por seu turno, a 2ª recorrente, Secretária de Estado da Segurança Social, concluiu as suas alegações da seguinte maneira: «No tocante ao reconhecimento dos direitos objecto da sentença recorrida, dá-se por reproduzida a argumentação apresentada pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social.
A legitimidade passiva determina-se pela competência para praticar os actos administrativos hipoteticamente decorrentes do reconhecimento dos direitos ou interesses legalmente protegidos que o autor pretende fazer valer.
A Secretária de Estado da Segurança Social não é competente para praticar o acto administrativo, cujo reconhecimento se pretende obter, face ao que deve ser declarada parte ilegítima (cfr. Artigo 1.º e 2º do Decreto-Lei n.º 316-A/2000, de 7 de Dezembro e artigo 57º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo) A sentença recorrida é nula nos...
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