Acórdão nº 0170/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Fevereiro de 2004

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A... interpôs o presente recurso contencioso do Despacho do Senhor SECRETÁRIO DA ESTADO ADJUNTO DO MINISTRO DA SAÚDE, de 22 de Outubro de 2002, que homologou as listas definitivas, elaboradas pelo Conselho Ético e Profissional de Odontologia, dos profissionais acreditados e não acreditados no âmbito do processo de regularização dos odontologistas, previsto na Lei n.º 4/99, de 27 de Janeiro, com a redacção da Lei n.º 16/2002 de 16 de Fevereiro.

O Recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões: I - O acto impugnado é inválido, por incompetência do seu autor, devendo ser anulado nos termos da alínea do Art. 135.º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que não resulta de qualquer disposição da Lei n.º 4/99 de 27 de Janeiro a atribuição desse poder ao Senhor Ministro da Saúde (não se encontrando abrangido por qualquer delegação), nem tal resulta da aplicação de princípios gerais relativos ao exercício da competência administrativa.

II - O acto objecto do recurso é inválido por ter procedido a uma restrição ilegal dos meios probatórios admitidos no procedimento administrativo, aflorado no n.º 1 do Art. 87.º do Código do Procedimento Administrativo e nos termos do qual os factos, que carecem de prova, podem sê-lo por recurso a todos os meios de prova admitidos em direito. Ora, o Conselho Ético e Profissional de Odontologia decidiu restringir o princípio geral do valor probatório no procedimento administrativo de todos os meios em direito admitidos, sem habilitação legal e, sobretudo, através de formas insusceptíveis de derrogar disposições de valor legal. Nestes termos, o acto impugnado é inválido por violação directa do princípio da hierarquia dos actos normativos e, em particular, do n.º 6 do Art. 112.º da Constituição, devendo, como tal, ser declarado nulo.

III - O despacho recorrido sempre seria inválido por violação de lei, dado desrespeitar a directiva legal relativa à descoberta da verdade material subjacente ao princípio do inquisitório, estabelecido no Art. 56.º do Código do Procedimento Administrativo, devendo consequentemente ser anulado nos termos do Art. 135.º do Código do Procedimento Administrativo.

IV - O acto contestado é também inválido, por violação de Lei, a que equivale a violação do princípio da proporcionalidade constante do n.º 2 do Art. 266.º da nossa Lei Fundamental e no n.º 1 do Art. 5.º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que procede a uma restrição administrativa dos meios com valor probatório no procedimento de acreditação dos odontologistas, sem que exista qualquer racionalidade que a suporte, evidenciando-se a sua desnecessidade, desadequação e aleatoriedade.

V - O acto «sub juditio» viola o princípio da igualdade, previsto no n.º 2 do Art. 266.º da Constituição e no n.º 1 do Art. 5.º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que o Conselho Ético e Profissional de Odontologia valorou como prova admissível em relação a determinadas odontologistas, documentos (declarações) cujo valor probatório foi desconsiderado em relação ao recorrente. Deste modo, deve o acto em causa ser declarado nulo nos termos da alínea d) do n.º 2 do Art. 133.º do Código de Procedimento Administrativo.

VI - A homologação objecto do presente recurso é também inválida por violação do princípio da boa-fé previsto no n.º 2 do Art. 266.º da Constituição e no Art. 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo, a que corresponde o «venire contra factum proprium» administrativo, consubstanciado na desconsideração de reconhecimentos anteriores, uma vez que o recorrente se encontra inscrito como odontologista no Departamento de Modernização e Recursos da Saúde ao abrigo do Despacho Normativo n.º 1/90 de 23 de Janeiro da Senhora Ministra da Saúde, tendo o Ministério reconhecido, desde então, o exercício desta profissão pelo recorrente bem como a sua qualificação.

VII - O acto impugnado é ainda inválido por erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que o recorrente reúne todos os requisitos necessários para a acreditação como odontologista: inscrição no Ministério da Saúde ao abrigo do Despacho Normativo n.º 1/90 de 23 de Janeiro, antiguidade relevante e formação profissional. Deste modo, o acto administrativo em questão deve ser anulado de acordo com o disposto no Art. 135.º do Código do Procedimento Administrativo.

VIII - Finalmente, o Art. 2.º da Lei n.º 4/99 de 27 de Janeiro, ao condicionar retroactivamente a liberdade de acesso à profissão de odontologista, conforme garantida pelo Art. 47.º da Constituição, viola a regra da não retroactividade das restrições de direitos, liberdades e garantias, estabelecida no n.º 3 do Art. 18.º da nossa Lei Fundamental, bem como o princípio da confiança subjacente ao princípio do Estado de Direito Democrático. Consequentemente, o acto recorrido, enquanto acto administrativo de aplicação de disposições inconstitucionais, é um acto inválido devendo ser declarado nulo.

Termina pedindo que o presente recurso seja julgado procedente e, em consequência, seja declarado nulo ou anulado o acto impugnado pelas razões enunciadas nas conclusões acima elencadas.

A Autoridade Recorrida contra-alegou, não apresentando conclusões, defendendo que o recurso não merece provimento.

A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer nos seguintes termos: 1. Vem o recurso contencioso interposto do acto contido no despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, de 2002.10.22, homologatório das listas definitivas dos profissionais acreditados e não acreditados no âmbito do processo de regularização dos odontologistas, no que concerne ao recorrente, candidato não acreditado.

É dirigida ao acto impugnado a seguinte censura: - O acto impugnado é inválido por incompetência do seu autor, devendo ser anulado nos termos do disposto no art. 135º do CPA; - O acto impugnado é inválido por ter procedido a uma restrição ilegal dos meios probatórios admitidos no procedimento administrativo, aflorado no nº 1 do art. 87º do CPA e nos termos do qual os factos que carecem de prova podem sê-la por recurso a todos os meios de prova admitidos em direito; o Conselho Ético e Profissional de Odontologia decidiu restringir o princípio geral do valor probatório no procedimento administrativo de todos os meios em direito admitidos, sem habilitação legal, e, sobretudo, através de formas insusceptíveis de derrogar disposições de valor legal; nestes termos, o acto impugnado é inválido por violação directa do princípio da hierarquia dos actos normativos e, em particular, do nº 6 do art. 112º da CRP, devendo, como tal ser declarado nulo; - O acto recorrido sempre seria inválido, por desrespeitar a directiva legal relativa à descoberta da verdade material subjacente ao princípio do inquisitório estabelecido no art. 56º do CPA.

O acto recorrido é inválido, por violação do princípio da proporcionalidade constante do nº 2 do art. 266º da CRP e no art. 5º do CPA; - O acto sub judicio viola o princípio da igualdade, previsto no art. 266º, nº 2, da CRP, e no nº 1 do art. 5º do CPA, uma vez que o Conselho Ético e Profissional de Odontologia valorou como prova admissível em relação a determinados odontologistas, documentos (declarações) cujo valor probatório foi desconsiderado em relação ao recorrente; - É também inválido por violação do princípio da boa fé e da tutela da confiança, previsto no art. 266º, nº 2, da CRP, e no art. 6º-A do CPA; - É ainda inválido por erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que o recorrente reúne todos os requisitos necessários para a acreditação como odontologista: antiguidade relevante e formação profissional; - Finalmente é inválido porque o art. 2º da Lei nº 4/99, de 27.01, ao condicionar retroactivamente a liberdade de acesso à profissão de odontologista, conforme é garantida pelo art. 47º da CRP, viola a regra da não retroactividade das restrições de direitos, liberdades e garantias, estabelecida no art. 18º, nº 3, da CRP, bem como o princípio da confiança subjacente ao princípio do Estado de Direito Democrático.

  1. Vejamos: 2.1. No entender do recorrente, o Senhor Ministro da Saúde e, por delegação, o Senhor Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, não são competentes para a prática do acto impugnado, já que a Lei não lhes confere tal poder, pois os poderes administrativos originados pela Lei nº 4/99, de 27.01, foram atribuídos a uma autoridade administrativa independente - o Conselho Ético e Profissional de Odontologia - e não ao Governo, sendo que a alínea a) do art. 5º do referido diploma legal atribuiu expressamente àquele órgão a competência jurídica para concluir o processo de acreditação dos odontologistas. Adianta a este propósito que os poderes do Senhor Ministro da Saúde, enquanto órgão superior da cadeia hierárquica em causa, não englobam os poderes directamente atribuídos por Lei ao Conselho Ético e Profissional de Odontologia, pela razão de que este órgão nem sequer está inserido na linha hierárquica.

    Não nos parece que lhe assista razão. Em nosso entender o Conselho Ético e Profissional de Odontologia (que passaremos a designar por Conselho) não pratica actos administrativos, no conceito que nos é dado pelo art. 120º do CPA.

    Em primeiro lugar, não se nos afigura que o teor da norma da alínea a) do art. 5º da Lei nº 4/99, de 27.01 (na versão resultante da Lei nº 16/2002, de 22.02), tenha grande relevância no apoio à tese do recorrente.

    A atribuição de poderes para iniciar e concluir o processo de acreditação significa certamente que é o Conselho que, na posse do requerimento do eventual interessado, irá instaurar o respectivo processo, irá proceder à instrução desse processo com a junção dos elementos de prova a ele respeitantes, e, irá, a final, tomar posição sobre o pedido; mas isto não significa que esta tomada de posição tenha natureza decisória; a norma em questão não refere que é o Conselho...

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