Acórdão nº 047310 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Janeiro de 2004

Magistrado ResponsávelISABEL JOVITA
Data da Resolução28 de Janeiro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A... interpôs neste Supremo Tribunal Administrativo recurso contencioso do despacho nº 23090-C/2000 do Senhor Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas que declarou a utilidade pública de uma parcela de terreno sua para a construção da A2 - Auto Estrada do Sul, Sublanço São Bartolomeu de Messines - VLA.

O Excelentíssimo Relator na Secção suscitou oficiosamente a questão da inutilidade superveniente da lide, atendendo à circunstância de a auto-estrada se encontrar já em funcionamento.

Por acórdão da Secção de 12-12-2002 veio a ser declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Inconformado, o Recorrente interpôs o presente recurso jurisdicional para este Pleno de Secção, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1ª - Os arts. 20º e 268º, nº 4, da Constituição consagram expressamente o direito fundamental de acesso ao Direito, aos Tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, pelo que sendo destinatário de um acto manifestamente ilegal, que viola o seu direito fundamental de propriedade privada, em obediência ao princípio da legalidade e àqueles direitos fundamentais, o Recorrente é titular do direito de o impugnar contenciosamente de forma a obter a respectiva declaração de nulidade ou anulação e fazer desaparecer assim da ordem jurídica um acto cujos vícios determinaram a lesão da sua esfera jurídico-patrimonial.

  1. - A garantia constitucional do recurso contencioso assegura a apreciação da validade de um acto administrativo e uma decisão, em caso de deferimento, que declare a nulidade ou anule o acto impugnado - é este o âmbito da referida garantia e o efeito útil da decisão a proferir no recurso contencioso. Questão diferente, que aqui não se discute, é a existência ou não de uma causa legítima de execução do julgado, que, subsequentemente, seria apreciada no âmbito do regime de execução da sentença anulatória.

  2. - O Acórdão recorrido incorre em manifesto erro nos pressupostos ao entender que, uma vez executado o acto, apenas restará ao Recorrente uma esperança meramente indemnizatória a obter no processo de expropriação em curso, pois confunde o direito à justa indemnização devida por expropriação por utilidade pública, consagrado no art. 62º, nº 2, da Constituição, com o direito a obter a declaração de nulidade ou anulação do acto impugnado e, subsequentemente, no caso de existir causa legítima de inexecução, ser ressarcido dos prejuízos causados por essa mesma ilegalidade. Assim, não uma, mas duas dimensões indemnizatórias.

  3. - O regime configurado no Acórdão recorrido viola o direito fundamental do Recorrente de acesso ao Direito, aos Tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, pois determina uma total ineficácia do sistema legal e jurisdicional e a protecção jurisdicional dos cidadãos fica aniquilada em virtude de uma interpretação que impede a via judicial constitucionalmente assegurada para o efeito - o recurso contencioso. Do sistema normativo aplicado pelo Acórdão recorrido, resulta ainda um sistema de caminhos judiciais de tal modo confuso que equivale à inexistência de qualquer via judiciária, violando-se, assim, o princípio de Estado de direito e o direito fundamental de acesso ao Direito e à via judiciária.

  4. - O direito de acesso aos tribunais e a uma tutela judicial efectiva implica o direito ao processo, entendendo-se que este postula um direito a uma decisão final incidente sobre o fundo da causa sempre que se hajam cumprido e observado os requisitos processuais da acção ou recurso. Neste recurso contencioso verificam-se todos os pressupostos processuais inerentes a esta categoria processual, pelo que o Recorrente tem direito a obter uma decisão sobre a validade do acto impugnado, sob pena de resultar fortemente violado o art. 20º da Constituição.

  5. - Ao interpretar o regime da inutilidade superveniente da lide no sentido de aí relevar a completa execução do acto impugnado o Acórdão recorrido relevou como causa de extinção da instância um facto "não adequado, desproporcionado e desviado de um sentido conforme ao direito fundamental de acesso aos tribunais", designadamente do direito de obter um julgamento de validade de um acto administrativo, independentemente de o mesmo já ter sido executado ou não, pelo que também esta dimensão da tutela do art. 20º da Constituição resulta violada.

  6. - Negar o conhecimento da validade do acto recorrido no âmbito de um recurso contencioso, impondo ao Recorrente a demonstração da ilegalidade do acto impugnado em sede da acção para efectivação da responsabilidade civil extracontratual da Entidade Recorrida, significa não só onerar excessivamente o Recorrente, como também subverter a já difícil lógica de todo o contencioso administrativo.

  7. - Ao considerar que o Recorrente deve obter o que pretende numa acção de responsabilidade civil, quando o que este na verdade pretende é a apreciação da legalidade do acto impugnado, está a impor-se ao Recorrente um pedido, uma causa de pedir e, consequentemente, uma forma de processo que este não pretende, violando-se ostensivamente o direito de impugnar contenciosamente actos administrativos que lesem a sua esfera jurídica e o princípio fundamental da igualdade (cfr. arts. 13º e 268º, nº 5, da Constituição).

  8. - O Tribunal a quo não cumpriu a função que lhe é cometida pelos arts. 9º, b), 202º, nº 2, e 266º, nº 2, da Constituição, pois não foi assegurada a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do Recorrente, nem foi reprimida a violação da legalidade, tudo no âmbito de um Estado de Direito que deve garantir os direitos fundamentais dos cidadãos e o respeito pelos princípios constitucionalmente tutelados.

  9. - O Estado não pode deixar de reagir contra um acto ilegal, sob pena de se divorciar das funções constitucionais que lhe são cometidas, e não pode deixar de pretender destruir os efeitos jurídicos que desse modo se produziram e que ainda perduram, pois existe um interesse objectivo do Estado de Direito em reprimir a ilegalidade cometida. Efectivamente, só através do prosseguimento do recurso contencioso de anulação se poderá eliminar da ordem jurídica o acto administrativo inválido, obtendo-se, para o efeito, uma sentença que conheça e julgue essa invalidade e que, em consequência, o destrua juridicamente.

  10. - Pelo exposto, a interpretação que o Acórdão recorrido fez do regime da inutilidade superveniente da lide, estabelecido no art. 287º, e), do CPC, viola os arts. 9º, b), 13º, 20º, 62º, nº 2, 202º, nº 2, 266º, nº 2 e 268º, nºs. 4 e 5, da Constituição.

  11. - A tese do Acórdão recorrido retira qualquer sentido ao regime dos arts. 6º e ss. do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho, que foi precisamente pensado para as situações em que, por causa legitima, não pode ser dada execução ao julgado anulatório, pois a solução preconizada no Acórdão recorrido pretende trazer para o recurso contencioso a discussão de questões que o legislador pretendeu suscitadas e decididas no processo regulado nesse regime do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho.

  12. - Prevalecendo a solução sustentada pelo Acórdão recorrido, determinando a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide em virtude de o acto impugnado já se encontrar plenamente executado, sempre se questiona qual a utilidade e sentido da norma constante do art. 10º, do Decreto-Lei nº 256-A /77, de 17 de Agosto, que prevê precisamente a possibilidade de o interessado ser indemnizado pelos prejuízos resultantes do acto anulado e da inexecução da sentença por causa legitima - indemnização esta que não se confunde com uma indemnização devida pela expropriação determinada.

  13. - Ao entender que o Recorrente deverá propor uma acção de responsabilidade civil, o Acórdão recorrido está a negar ao Recorrente o direito fundamental a ser indemnizado pelos danos decorrentes da inexecução do julgado anulatório, pois nessa acção só poderiam ser indemnizados os danos imputáveis ao acto e, no regime do art. 10º do Decreto-Lei nº 256A/77, de 17 de Junho, os interessados têm direito a ser indemnizados por dois tipos de prejuízos: os "prejuízos resultantes do acto anulado pela sentença e da inexecução desta por causa legítima". Assim, também, a aplicação de um regime que viola os arts. 13º e 62º da Constituição.

A Autoridade Recorrida contra-alegou, sem apresentar conclusões, defendendo que não deverá tomar-se conhecimento do recurso jurisdicional por extemporaneidade da sua interposição ou, se assim não se entender, deverá ser-lhe negado provimento.

A recorrida particular, B..., ...., apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões: A - Pretendiam os recorrentes com o presente recurso obter do Tribunal a anulação do acto recorrido, consubstanciado no despacho nº 23090-C/2000 do Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas, tendo o Tribunal por Acórdão do STA, DE 2002.12.12, declarado a inutilidade superveniente da lide com os fundamentos que para o referido acórdão se remetem.

B - Nos termos do art. 6º do Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, os recursos contenciosos são de mera legalidade e têm por objecto a declaração de invalidade ou anulação do acto recorrido.

C - A declaração de invalidade do acto administrativo, decretada mediante sentença de anulação "... é uma situação jurídica que produz, automática ou potencialmente, efeitos jurídicos consistindo na denegação de eficácia do acto inválido."- in Manual de Direito Administrativo, J.M. Sérvulo Correia, Volume I, pág. 355.

D - Quer isto dizer que o acto é eficaz até ser anulado, produzindo a anulação "... efeitos retroactivos, destruindo "ex tunc" a criação, modificação ou extinção de situação jurídica que provisoriamente havia resultado do acto anulável"- citado manual, pág. 367.

E - Na opinião daquele ilustre mestre, a sentença de anulação de um acto anulável, é um acto...

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