Acórdão nº 03/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução15 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A... interpôs neste Supremo Tribunal Administrativo recurso contencioso de anulação do acto de declaração de utilidade pública para efeitos de expropriação com carácter de urgência constante do Despacho n.º 22504/2001, de 11 de Setembro de 2001, publicado no Diário da República, II Série, n.º 258, de 7 de Novembro de 2001, praticado pelo SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO E DOS TRANSPORTES, por delegação de competência constante do despacho n.º 7437/2001 (2ª Série), de 10 de Abril.

Por despacho de 6-11-2002 foi ordenada a apensação do processo de recurso contencioso n.º 578/02, da 1.ª Subsecção deste Supremo Tribunal Administrativo. Porém, relativamente a este processo, em que é Recorrente B..., foi já julgada extinta a instância, por desistência (despacho de fls. 444, já transitado em julgado).

Por isso, prossegue apenas o recurso contencioso interposto pela Recorrente A....

A Recorrente imputa ao acto recorrido vícios de violação de lei e de forma, por falta de fundamentação.

A Autoridade Recorrida respondeu, defendendo que o acto não enferma dos vícios que a Recorrente lhe imputa.

A Recorrida Particular C.... contestou, invocando uma excepção que denominou de prescrição, que se consubstancia na extemporaneidade da interposição do recurso contencioso.

A Recorrente veio a apresentar alegações com as seguintes conclusões: 1ª O art. 12º da LPTA, quando impede o acesso das partes a todos os meios de prova reconhecidos pelo Direito, nomeadamente os previstos no Código Civil, no recursos que corram termos no Supremo Tribunal de Justiça, viola frontalmente o art. 20º da Constituição da República e o princípio de acesso à tutela jurisdicional efectiva.

  1. Invocando o desvio do poder, no qual o respectivo vício se fundamenta em pressupostos psicológicos, deveria a recorrente poder usar de todos os meios de prova disponíveis e não apenas da prova documental.

  2. As entidades recorridas confessam não ter tido a recorrente conhecimento pessoal dos estudos, anteprojectos e planos da obra a concluir.

  3. Há violação dos preceitos legais e das teses doutrinais e jurisprudências citadas na petição e que obrigam ao dever de fundamentação.

  4. De toda a documentação que instrui o recurso contencioso ficou provado que a obra projectada para os terrenos da recorrente se refere à construção de um apeadeiro.

  5. Há claras incongruências entre a dimensão da obra projectada e o destino a que a mesma se destina, nomeadamente a circunstância de um arruamento com uma largura mínima de 10,4 metros desembocar em Ruas com uma dimensão manifestamente inferior, para uso de uma população rural, sem a perspectiva futura de possibilidade de crescimento, seja do local, seja do trânsito rodoviário, por claro estrangulamento da via.

  6. Essas incongruências técnicas conduzem ao erro nos pressupostos de facto e de direito, com a consequente violação de lei.

  7. E conduzem a indícios de favorecimento de interesses particulares em desfavor do interesse público, com o ferimento grave do princípio da legalidade.

  8. Está documentalmente provada a promiscuidade entre entidades que exploram uma Central Hidroeléctrica junto ao Apeadeiro de Cucas e que são proprietárias de terrenos contíguos ao da recorrente, que foram «poupados» no processo de expropriação.

  9. Há claros indícios de uso indevido de poderes discricionários, com o propósito de evitar a afectação dos terrenos dessas pessoas e entidades ao interesse público, a sua valorização com o nascimento de uma nova frente para a Estrada, esta com uma dimensão exagerada e tecnicamente injustificada, que favorece o acesso à Central Hidroeléctrica por elas explorada.

  10. Existe desvio de poder.

    Nestes termos para além da suscitada questão nova de inconstitucionalidade do art. 12º da LPTA. cuja declaração se requer, termina-se como na petição inicial.

    A Autoridade Recorrida contra-alegou, concluindo da seguinte forma: 1ª Não logrou a recorrente demonstrar minimamente a arguição de que o acto em causa enferma de desvio de poder, escudando-se na "impossibilidade" de o comprovar com a invocação da inconstitucionalidade do art. 12º da LPTA, pelo que admitiu não ter feito prova através da documentação apresentada.

    Por outro lado, e embora a recorrente pormenorizadamente insinue e indique nomes de empresas locais, não revelou quaisquer indícios credíveis, não factualizou ou, quando indicou factos, não eram os mesmos exactos.

  11. O acto recorrido está devidamente fundamentado, como, aliás demonstra a recorrente, que critica o projecto ao qual teve oportunidade de aceder.

  12. Não procede a arguição de erro nos pressupostos de facto ou de direito, tanto mais que é a própria recorrente a incorrer numa série de equívocos sobre a obra e projecto.

    A Recorrida Particular contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões: 1ª A recorrente não conseguiu demonstrar que o acto em causa enferma de desvio de poder pois, além de não ter apresentado quaisquer provas concretas como lhe competia, não revelou quaisquer indícios credíveis e os factos que apresentou estavam incorrectos.

  13. O acto recorrido está devidamente fundamentado, pois foram fornecidos à recorrente todos os elementos que fundamentaram a decisão, que sobre eles se pronunciou por escrito.

  14. Não se verifica erro sobre os pressupostos de facto e de direito, já que é a própria recorrente que demonstra alguma confusão quanto ao projecto e à empreitada.

    O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos: O recurso vem interposto do despacho do Secretário de Estado Adjunto e dos Transportes, datado de 11 de Setembro de 2.001, nos termos do qual foi declarada a utilidade pública para efeitos de expropriação com carácter de urgência de dois prédios rústicos pertencentes à ora recorrente.

    São atribuídos ao despacho recorrido vícios de forma, por falta de fundamentação, e de violação de lei, como decorrência de vício de desvio de poder e de erro nos seus pressupostos de facto e de direito.

    De assinalar que a recorrida particular "C..." suscita na sua resposta a questão da "prescrição" (sic) do direito da recorrente ao recurso contencioso, a respeito do que o Ministério Público ainda não tomou posição.

    Começando por esta última questão, que bem melhor poderá ser qualificada de caducidade, como defende a recorrente, afigura-se-me que tendo esta sido pessoalmente notificada a 12-11-01 (como vem alegado e não se mostra informado pela entidade recorrida) e o recurso dado entrada na secretaria deste Tribunal a 9-01-02, o prazo de dois meses previsto no artigo 28.º, n.º 1, alínea a) da LPTA foi respeitado, irrelevando a esse propósito a circunstância da publicação do despacho do DR ter ocorrido a 7-11-01.

    Daí que não deva proceder a questão suscitada, atenta a manifesta tempestividade do recurso interposto.

    No tocante às questões relativas ao mérito do recurso contencioso, cremos que não assistirá razão à recorrente quando pretende que o despacho se encontra ferido de vícios de desvio de poder e de erro nos pressupostos de facto e de direito, o mesmo não acontecendo quanto ao vício de forma, por insuficiente fundamentação.

    Vejamos.

    Embora não desconhecendo que a fundamentação constitui um conceito relativo e de natureza instrumental, variando, por isso, em função do tipo de acto em causa e das circunstâncias concretas de cada caso, o certo é que, sob pena do completo desvirtuamento das razões que determinaram a sua exigência, se apresenta como incontornável que o despacho contenha, ainda que de forma sucinta, as motivações de facto e de direito que sustentam a concreta decisão da administração - cfr. artigo 125.º do CPA.

    Ora, na situação em apreço o acto expropriativo limita-se a justificar a ablação das parcelas de terreno através da necessidade de concretização das obras relativas ao projecto de modernização da linha de Guimarães no seu todo - " urge proceder à expropriação dos terrenos necessários à execução da correspondente obra", não esclarecendo a exacta medida da escolha dessas parcelas em função da obra a realizar no local, tão pouco se socorrendo para esse desiderato duma remissão expressa e inequívoca para informações, estudos e pareceres técnicos seguramente constantes do procedimento expropriativo, ou mesmo para os termos da resolução que fora presente à entidade recorrida pela C... - cfr. acórdão do Pleno da secção de 25-10-00, recurso n.º 43.484.

    Acresce que, por outro lado, também nenhuma justificação é aduzida para a urgência da expropriação, dessa forma privando a recorrente do conhecimento das motivações específicas que determinaram a entidade recorrida a usar o poder discricionário de fazer a correspondente declaração - cfr. acórdãos de 03-12-98, 21-3-01 e 22-1-03, nos recursos n.ºs 37.835, 42.490 e 48.447, respectivamente.

    Relativamente aos vícios de desvio de poder e de erro nos pressupostos de facto e de direito, a recorrente, a meu ver, não logra demonstrar que a decisão administrativa impugnada tenha sido motivada por razões não coincidentes com o fim que o legislador teve em vista ao conferir tal poder ou que os pressupostos em que assenta não correspondam à realidade, a respeito do que se contenta em discorrer um inconsistente arrazoado de insinuações ou emissão de juízos de valor a respeito de opções técnicas rodoviárias, para o que não é suposto se encontrar especialmente credenciado.

    Questiona, por último, a recorrente a conformidade constitucional da norma constante do artigo 12.º da LPTA ao admitir apenas a prova documental nos processos da competência deste Supremo Tribunal, alegando para tanto que violaria o artigo 20.º da CR e o princípio de acesso à tutela jurisdicional efectiva Acontece que a recorrente não apresentou prova não documental a alicerçar qualquer dos vícios que imputou ao despacho impugnado, designadamente de natureza testemunhal, pelo que não vislumbra que este Tribunal venha a ser confrontado com a necessidade...

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