Acórdão nº 046484 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelEDMUNDO MOSCOSO
Data da Resolução02 de Julho de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1 - O 2º COMANDANTE DA POLÍCIA MUNICIPAL DE LISBOA, recorre para este STA da sentença do TAC de Lisboa (fls. 99/105) que em recurso contencioso interposto por A..., com fundamento em vício de forma - insuficiência de fundamentação - anulou o despacho de sua autoria datado de 29.09.94 que "ordenou a desocupação e demolição" da habitação do referido A... .

Em alegações, formulou as seguintes CONCLUSÕES: I - O presente recurso de agravo vem interposto da mui douta sentença do TACL, proferida em 24-11-1999, que julgou procedente o recurso contencioso interposto por A... do acto administrativo praticado pelo ora agravante no dia 29-09-1994, anulando-o.

II - Como fundamento da decisão, a mui douta sentença recorrida julgou improcedente a excepção de irrecorribilidade do acto e considerou verificar-se o vício de falta de fundamentação.

III - Ora, é opinião do ora agravante que, relativamente a ambas as questões, o Tribunal a quo não julgou do modo mais acertado e conforme com a Lei e com os factos, sendo por isso merecedora de censura e consequente revogação.

IV - Em primeiro lugar, no que concerne à primeira parte da sentença, ou seja, à questão prévia suscitada pela Autoridade recorrida, aqui agravante, da irrecorribilidade do acto administrativo recorrido, desde logo parece existir uma manifesta contradição lógica na argumentação utilizada (vide supra 3. e 4.).

V - Da primeira parte do texto agora citado parece resultar que, para o Tribunal a quo, a subdelegação (existente) seria válida se autorizada no acto de delegação, em conformidade com o art.º 36° do CPA, ou seja, o órgão subdelegado poderia praticar actos incluídos no âmbito da subdelegação desde que esta tenha sido autorizada pela delegação de competências.

VI - Contudo, logo a seguir, a sentença recorrida conclui que a subdelegação, realizada através do Despacho n.º 132/P/94, não incluía quaisquer poderes "quanto a despejos ou demolições das barracas".

Ora, se a subdelegação não inclui os poderes para praticar actos relativos "a despejos ou demolições das barracas" então não existe uma subdelegação (tenha ela sido autorizada ou não) para a prática do acto em causa.

VII - Neste contexto, só uma poderá ser a conclusão: a Autoridade recorrida não beneficiava de uma subdelegação que lhe permitisse praticar o acto administrativo sub judice.

A consequência necessária e óbvia é a seguinte: o despacho impugnado é irrecorrível contenciosamente e a alegada excepção de irrecorribilidade é pertinente e deveria ter sido, e deve ser, deferida.

VIII - Pelo exposto, é manifesta a contradição da decisão com os seus fundamentos, pelo que é nula nos termos do (art.º 668°, n.º 1, al. c) do CPC).

IX - Em segundo lugar, a douta sentença recorrida - bem como o Ministério Público em cujo parecer se baseia - parte de um pressuposto erróneo quando afirma que "salvo disposição legal em contrário (aqui não invocada), o delegante pode autorizar a subdelegação, que assim seria válida, nos termos do artigo 36°, n° 1 do CPA." O pressuposto errado é o seguinte: existe disposição legal em contrário e ela foi invocada pela Autoridade recorrida, aqui agravante, nas suas alegações (vidé fls. 82 a 84).

X - A LAL, no n.º 4 do seu art.º 54° só permite a delegação (e subdelegação) da assinatura da correspondência e de documentos de mero expediente.

XI - Invoca a sentença recorrida e o Ministério Público que, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 36° do CPA, é permitido ao delegado e ao subdelegado subdelegar noutros órgãos os poderes delegados, sem que seja necessário que a lei de habilitação o preveja.

Sucede, porém, que nos termos quer do n.º 1, quer do n.º 2 do art.º 36° do CPA, a subdelegação de competências é possível "salvo disposição legal em contrário".

XII - Ora, a LAL estabelece um regime especial de delegação de poderes para as câmaras municipais de acordo com o qual só o Presidente da Câmara Municipal pode subdelegar os poderes delegados e apenas em favor dos vereadores.

XIII - Aos vereadores é vedada a possibilidade de subdelegação noutros órgãos.

XIV - Nos outros órgãos só é permitida a delegação da assinatura da correspondência e de documentos de mero expediente, conforme dispõe o n.º 4 do art.º 54° da LAL. Esta mesma regra também se aplica aos vereadores, pois caso contrário permitir-se-ia mais aos vereadores do que ao Presidente da Câmara Municipal.

XV - Assim, os art.º 52°, n.º 2 e 6 e 54°, n.º 4 da LAL estabelecem uma regra contrária ao art.º 36° do CPA, pelo que esta disposição não se aplica ao caso em apreço.

Neste contexto, a delegacão de poderes efectuada pelo Vereador da Câmara Municipal de Lisboa no Comandante da Polícia Municipal e ao abrigo da qual foi proferido o despacho recorrido não permite a prática de actos definitivos e executórios, pelo que aquele despacho não é susceptível de impugnação contenciosa.

XVI - Face ao supra referido é evidente que a douta sentença recorrida é contraditória e, por isso nula, e parte de pressupostos erróneos, devendo assim ser revogada por manifesta violação do disposto nos art.ºs 52°, n.ºs 2 e 6, e 54°, n.º 4 da LAL e no n.º 1 art.º 25° da L.P.T.A.

Pelas mesmas razões e fundamentos deverá ser julgada procedente a excepção da irrecorribilidade e rejeitado o recurso contencioso.

XVII - Relativamente à parte da sentença que julgou procedente o invocado vício da falta de fundamentação e no que respeita ao primeiro dos argumentos utilizados, sucede que em nenhum momento, até à prolacção do acto recorrido, o recorrente manifestou qualquer dúvida sobre a aplicação do citado Despacho do Vereador ... .

Assim, parece que o argumento utilizado pela douta sentença ora em crise não é susceptível de se aplicar ao caso concreto.

XVIII - Depois, o acto administrativo não se consubstancia apenas na palavra de "Concordo", uma vez que nos termos do art.º 125°, n.º 1 do CPA, as informações, pareceres e propostas com as quais se manifesta concordância (no caso total e incondicional) fazem também parte integrante do acto. Por outras palavras, o acto administrativo é constituído por todas essas informações, pareceres e propostas.

XIX - E é da interpretação do sentido de todo o conteúdo do acto, entendido nos termos expostos no ponto anterior, que se extrai o sentido do acto administrativo (não é necessário dizer "defiro" se os referidos elementos o dizem expressa e inequivocamente).

XX - 1n casu, as informações constantes do procedimento administrativo e que integram o acto recorrido são inequívocas num dado sentido, com o qual a Autoridade recorrida concorda total e incondicionalmente.

XXI - Pelo exposto, conclui-se que o acto administrativo sub judice não carece de fundamentação de facto e de direito, pelo que não enferma do vício da falta de fundamentação, sendo válido e eficaz (vide supra 15.) XXII - Considerando tudo o acima dito, deverá a douta sentença recorrida ser revogada, rejeitando-se o recurso contencioso por irrecorribilidade ou, caso assim não se entenda, julgando-se o mesmo improcedente.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, a douta sentença recorrida revogada por padecer dos vícios de forma e de mérito invocados e a sua substituição por douto acórdão que rejeite...

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