Acórdão nº 0706/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Junho de 2003

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução25 de Junho de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A..., S.A., interpôs, neste Supremo Tribunal, o presente recurso contencioso pedindo a anulação do despacho do Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, exarado em 18 /2/02, que declarou "...a incompatibilidade da aprovação da localização do empreendimento Turístico na Herdade de ..., em Grândola, com o PROTALI, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 26/93, de 27/8", para o que, sumariamente, alega que tal acto é ilegal : - Por se ter fundamentado no que se dispunha no DL 351/93, de 7/10, diploma que se não se encontrava em vigor em virtude de ter sido tacitamente revogado pela Lei 48/98, de 11/8.

- Por a Autoridade Recorrida ser absolutamente incompetente para a sua prática, uma vez que a norma que lhe atribuía a competência para o acto tinha sido tacitamente revogada, por incompatibilidade com leis posteriores.

- Por violar o seu direito a uma justa indemnização, o que constituía uma " ... amputação do conteúdo essencial do seu direito de propriedade".

- Por se traduzir numa revogação ilegal de actos constitutivos de direitos.

- Por violação do disposto no art. 100.º do CPA e por tal acto não estar fundamentado.

Na sua resposta a Autoridade Recorrida contestou que o acto impugnado sofresse dos vícios que lhe eram apontados, pelo que concluiu pelo não provimento do recurso.

Instruídos os autos foi a Recorrente notificada para apresentar as suas alegações, o que ela fez, concluindo do seguinte modo : 1.

Quanto à questão da revogação tácita do DL n.º 351/93, de 7/10 : a) Por força da entrada em vigor da Lei n.º 48/98 de 11/8, que estabeleceu as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo e do DL n.º 380/99, que definiu o novo regime jurídico de gestão territorial, os planos regionais de ordenamento do território deixaram de ser vinculativos para os particulares, e consequentemente as suas disposições não podem produzir quaisquer efeitos jurídicos externos que contendam com direitos por eles legitimamente adquiridos através de licenças e aprovações urbanísticas e turísticas b) A vigência do DL n.º 351/93, diploma que supunha aquela aplicabilidade directa e imediata, agora negada, tornou-se assim, manifestamente destituída de sentido, pelo que cessou a sua vigência por via de revogação tácita; c) Não é pois, juridicamente possível declarar a incompatibilidade da autorização de localização do empreendimento turístico da requerente com um Plano que não lhe é directamente aplicável e que não produz quaisquer efeitos jurídicos externos.

d) Ainda que se admita que, por força da aplicação do artigo 153.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 380/99 e art. 31.º da Lei de Bases, à data da prática do acto que se impunha, 18/2/02, o PROTAL, não tendo ainda sido revisto, estava em vigor e vinculava directa e imediatamente a recorrente, daí não se pode retirar, de modo algum, a conclusão de que o DL n.º 351/93 se mantém, igualmente, em vigor.

e) Pelo que, o acto recorrido enferma de erro de direito, sendo nulo e de nenhum efeito, ex-vi do disposto no artigo 133.º/2/c e h) do CPA.

  1. Quanto à questão da incompetência absoluta da autoridade recorrida : a) O Decreto-Lei 351/93 encontra-se tacitamente revogado desde a entrada em vigor da Lei de Bases 48/98, e está totalmente desenquadrado do actual regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, pelo que não é juridicamente possível dele retirar qualquer norma de competência para a prática do acto por parte do Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza; b) As atribuições e competências em matéria de turismo encontravam-se, à data da prática do acto que ora se impugna, atribuídas ao Ministro da Economia ou, por delegação sua, aos respectivos Secretários de Estado, na decorrência da Lei Orgânica do XIII Governo Constitucional (DL n.º 296-A/95, de 17/11); c) A única competência definida por lei em matéria de empreendimentos turísticos pertencia, naquele momento, ao Ministro da Economia; d) Pelo que, o acto impugnado enferma também do vício de incompetência absoluta, ex-vi do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 133.º do CPA, sendo por isso nulo e de nenhum efeito; 3.

    Quanto à questão da violação do direito fundamental da recorrente a justa indemnização : a) O acto que ora se impugna, consistindo na renovação do acto anulado mantendo o seu sentido de decisão, recusa reconhecer a validade e a eficácia do acto de aprovação do empreendimento turístico que a ora recorrente pretende desenvolver na Herdade...; b) Pelo que, deveria obrigatoriamente reconhecer e fixar o correspondente direito à indemnização pelos prejuízos causados à ora recorrente pela extinção dos direitos de urbanização e de edificação que se haviam incorporado no conteúdo essencial do seu direito de propriedade privada; c) Respeitando, assim, o Acórdão proferido em sede de fiscalização abstracta da constitucionalidade que decidiu que as disposições do DL n.º 351/93, não são inconstitucionais, no pressuposto "de que elas hão de ser integradas pelo artigo 9.º do DL n.º 48051, 27/11/67, por forma a impor-se ao Estado o dever de indemnizar" os particulares que, por aplicação de tais normas, "vejam "caducar as licenças que antes obtiveram validamente"; d) Não o tendo feito, o acto recorrido viola o direito fundamental da ora recorrente à justa indemnização pela amputação do conteúdo essencial do seu direito de propriedade privada, nos termos do artigo 22.º e do n.º 2 do artigo 62.º da CRP; 4.

    Quanto à questão da revogação ilegal de acto constitutivo de direitos: a) A aprovação da localização do empreendimento turístico da ora recorrente, emitida pela DGT em 28/02/86, em conformidade e ao abrigo do quadro legal então vigente, designadamente o DL n.º 49399, de 24 de Novembro de 1969 (cfr. art.º 2.º/1/a), artigo 22.º e artigo 23.º e seguintes deste diploma), constitui um acto administrativo constitutivo de direitos.

    b) Esse acto criou, na esfera jurídica da ora recorrente, o direito a uma determinada ocupação e aproveitamento de terrenos de sua propriedade para fins turísticos, designadamente para fins de construção de um empreendimento turístico no local; c) O acto recorrido, ao declarar a incompatibilidade do acto de autorização em questão com o PROTALI, consubstancia uma verdadeira revogação ilegal de actos constitutivos de direitos, em violação ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 140.º do CPA; 5.

    Quanto à questão da violação dos artigos 100.º e seguintes do CPA, do respectivo princípio constitucional e da falta de fundamentação do acto: a) A resposta apresentada pela ora recorrente no âmbito da sua audiência prévia foi perfeitamente tempestiva, sendo certo, aliás, que a DRAOTA recebeu a resposta da ora recorrente em data anterior à sua Informação n.º 3/DR/02, de 5/2/02.

    b) Ainda que essa resposta tivesse sido apresentada fora de prazo, tanto a DRAOTA como a autoridade recorrida dela tiveram pleno conhecimento em momento prévio à formação do acto, pelo que não podiam ter ignorado os fundamentos nela invocados.

    c) Ao pretender desconsiderar a participação da recorrente, sob pretexto da sua extemporaneidade, a entidade administrativa revela interpretar a audiência prévia dos interessados como uma mera formalidade a cumprir, entendimento que não é de modo algum acolhido pela doutrina e pela jurisprudência.

    d) Com efeito, o procedimento de audiência prévia dos interessados concretiza o princípio constitucional da participação dos administrados na formação das decisões que lhe dizem respeito, consagrado no artigo 268.º da CRP, princípio que não pode , de modo algum, ser aplicado naquela perspectiva formalista.

    e) Ao ignorar a resposta apresentada pela ora recorrente, o acto recorrido enferma, pois, de vício de violação de lei por violar o referido princípio constitucional, violando ainda os artigos 100.º e seguintes do CPA.

    f) O acto recorrido enferma, ainda de falta de fundamentação, em violação do disposto nas alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 124.º, e nos n.ºs 1 e 2 do artigo nº125.º, ambos do CPA, uma vez que dele não consta qualquer menção às razões que justificaram o não acatamento dos fundamentos apresentados pela recorrente em sede de audiência prévia.

    g) Essa omissão consubstancia, ainda, uma violação inadmissível dos Direitos e Garantias dos Administrados consagrados no artigo 268.º da CRP A Autoridade Recorrida contra alegou para defender a manutenção do despacho recorrido sem, contudo, ter formulado conclusões.

    O Ilustre Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

    Mostrando-se colhidos os vistos legais cumpre decidir.

    FUNDAMENTAÇÃO I.

    MATÉRIA DE FACTO Com interesse para a decisão da causa, e com base nos elementos juntos aos autos, julgam-se provados os seguintes factos : 1.

    A Recorrente é proprietária e legítima possuidora do prédio denominado "Herdade ...", situado no Município de Grândola entre os lugares de Comporta e do Carvalhal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º 2749, a fls. 69v do Livro B-8.

  2. E, em 19/2/73, apresentou à Câmara Municipal de Grândola um pedido de licenciamento de uma operação de loteamento urbano a realizar na referida "Herdade ...", com vista ao respectivo aproveitamento urbanístico para fins turísticos.

  3. O qual mereceu, em 13/3/73, o parecer favorável da CM de Grândola que, subsequentemente, consultou a Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, a qual nunca se pronunciou.

  4. Contudo, o licenciamento da referida operação de loteamento urbano não viria a ser reconhecido por nenhuma das autoridades administrativas competentes, dado que entretanto se haviam iniciado os trabalhos de elaboração do "Plano Director Regional da Costa da Galé", com o qual a pretensão da recorrente não se conformava.

  5. Em 30/7/80 a Repartição de Projectos da Secção de Equipamento da Direcção Geral de Turismo emitiu o parecer n.º 220/80 no qual se refere "...é possível a ocupação turística dos terrenos de «...», com as...

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