Acórdão nº 48396A de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Dezembro de 2002

Magistrado ResponsávelABEL ATANÁSIO
Data da Resolução11 de Dezembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A..., veio recorrer, por oposição de julgados, do acórdão da Secção, de fls. 1992 e sgs. que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao pedido de suspensão de eficácia do despacho do Sr. MINISTRO DA DEFESA NACIONAL nº 270/MDN/2001, que, no âmbito de concurso público levado a cabo tendo em vista a aquisição de dois lotes de helicópteros, um de duas unidades e outro de nove a doze unidades, entre outras determinações, adjudicou o fornecimento daqueles dois lotes de helicópteros à B..., homologou o relatório da Comissão, de 12/9/01, incluindo os respectivos anexos e aprovou as minutas do contrato-quadro, do contrato de aquisição, do contrato de contrapartidas, do contrato de locação e do contrato de manutenção.

Indicou como acórdão fundamento o de 29/2/00, proferido no rec. nº 45667-A.

Alegou, formulando as seguintes conclusões: a) O Acórdão recorrido faz uma errada aplicação do Direito ao reconduzir a totalidade dos efeitos do acto de adjudicação de um procedimento concursal à celebração do contrato, quando este é apenas um desses efeitos; b) De facto, se o contrato é o objecto imediato desse acto de adjudicação, o fornecimento adjudicado é o respectivo objecto mediato, medida em que é absolutamente óbvio que os efeitos do acto de adjudicação se projectam para além do contrato; c) É o próprio legislador que reconhece à execução da obra adjudicada a capacidade de condicionar a natureza jurídica do acto de adjudicação do procedimento concursal em clara assunção da tese segundo a qual a execução do contrato é ainda uma execução do acto de adjudicação; d) Se assim não fosse e se entendesse que a execução do contrato é autónoma face ao acto de adjudicação, então as partes poderiam alterar o contrato celebrado em execução de um procedimento concursal a seu belo prazer, sem que do acto de adjudicação pudesse vir qualquer limitação a tal alteração uma vez que este já não condicionaria a vida do contrato; e) A interpretação do artigo 2º do Decreto-Lei nº 134/98 na tese sufragada pelo Acórdão recorrido segundo a qual a outorga do contrato de concessão seria fonte de inutilidade superveniente da lide implica a inconstitucionalidade desse preceito nessa interpretação, por violação do artigos 20º e 268º nº 4 da Constituição, na medida em que negam à recorrente o acesso a uma tutela jurisdicional efectiva, e, designadamente, negam à recorrente as medidas cautelares adequadas constitucionalmente garantidas; f) O Acórdão recorrido procede a uma indevida aplicação do Direito ao não reconhecer o conteúdo do dever de executar uma sentença de anulação de um Tribunal administrativo, enquanto a obrigação que impende sobre a Administração de proceder à reconstituição da situação actual hipotética, i.e., à necessidade de praticar todos os actos e formalidades necessários a colocar o particular recorrente na posição que teria caso o acto anulado não tivesse sido praticado; g) I.e., o Acórdão recorrido faz uma indevida aplicação do Direito ao não compreender que os actos consequentes dos actos anulados ou declarados nulos pelos Tribunais são, respectivamente, anuláveis ou nulos conforme se diz nos artigos 185º, nº 1 e 133º, nº 2 alínea i) do C.P.A; h) Faz, ainda, uma errada aplicação do Direito ao não reconhecer que recai sobre a Administração o dever de proceder à anulação ou declaração de nulidade daqueles actos consequentes em sede de execução de sentença como resulta do artigo 9º do Decreto-Lei nº 256-A/77; i) Pelo contrário, deve prevalecer a boa jurisprudência tal como vertida no Acórdão fundamento do presente recurso, prosseguindo a lide para a descoberta da verdade material.

Tal recurso foi admitido como agravo em matéria cível, por despacho do relator de fls. 2087.

Contra alegaram o Ministro da Defesa Nacional e a recorrida particular C..., formulando as seguintes conclusões: 1. Deve ser rejeitado o recurso por oposição de julgados interposto pela A...., pelo facto de, in casu, não tendo sido esgotada a possibilidade de interposição de recurso de agravo fundado no duplo grau de jurisdição (artigo 5.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio, e artigo 113.º da LPTA), não caber a interposição de um recurso com a natureza daquele que foi efectivamente interposto (artigo 764.º do Código de Processo Civil).

  1. Por outro lado, ao invés do que sucedeu nos autos que deram azo ao acórdão-fundamento, no caso vertente a A... não pediu o decretamento da suspensão do acto de adjudicação e de todos os actos subsequentes na sua sequência, designadamente de execução do contrato.

  2. Essa discrepância não é puramente formal, antes revela, para além de qualquer dúvida, que os processos em comparação se não movem no âmbito da mesma "(...) questão fundamental de direito (...)" (artigo 763.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), pelo que se não verifica um dos pressupostos que poderiam fundamentar um recurso por oposição de julgados.

  3. No tocante à questão de fundo - ou seja, da inutilidade superveniente da lide cautelar, ou desta e da lide principal -, a questão de saber até que ponto é que, no domínio da contratação pública, a celebração do contrato tem - ou não - efeitos negativos (designadamente preclusivos) sobre a subsistência de processos de recurso contencioso ou de decretamento de medidas provisórias previamente desencadeados mas ainda não concluídos depende intimamente do pedido formulado.

  4. Se o pedido formulado não puder ser satisfeito por virtude da celebração do contrato, é forçoso concluir que o meio processual é inútil.

  5. Ora, é justamente isso que se passa quanto à lide cautelar vertente: a Requerente pediu a suspensão da eficácia de um despacho que, com a celebração dos contratos (em 20 de Dezembro de 2001), produziu o último dos seus efeitos próprios.

  6. Para fins de prosseguimento da lide, não se pode sustentar que a vigência dos contratos seria, ainda, um efeito próprio do acto de adjudicação e que a suspensão deste implicaria a suspensão daqueles (donde ainda decorreria para a A... alguma utilidade no decretamento da providência).

  7. Uma tal tese - que a Requerente (agora Recorrente) chegou a esboçar - é, obviamente, inaceitável à luz do sistema português de contencioso administrativo.

  8. Na verdade, o ordenamento jurídico português não consente que, pela via do contencioso de mera anulação próprio dos actos administrativos (e dos meios acessórios a ele agregados) se afecte a vigência de um acto bilateral ou multilateral cuja interpretação, validade e eficácia apenas podem ser discutidas no contexto de uma acção de plena jurisdição (artigo 71.º, n.º 1, da LPTA).

  9. Esta orientação do direito português é perfeitamente consentânea com a normação comunitária aplicável, conforme resulta do n.º 6 do artigo 2.º da Directiva n.º 89/665/CEE, de 21 de Dezembro (que o Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio, visou transpor).

  10. O direito português pode, por conseguinte, separar - como actualmente separa - o contencioso pré-contratual (de mera anulação) do contencioso contratual (de plena jurisdição).

  11. Ao estabelecer tal separação - que decorre tanto do sistema geral da LPTA (artigo 71.º, n.º 1) quanto do Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio, em cujo artigo 1.º se alude ao "(...) regime jurídico do recurso contencioso dos actos administrativos relativos à formação [de certo tipo de] contratos (...)" -, o legislador português inviabiliza completamente a tese esboçada pela A....

  12. Esse aspecto do regime jurídico aplicável à tutela contenciosa subjacente ao Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio, e à LPTA foi devidamente captado no acórdão recorrido, que decidiu - e bem - no sentido da inutilidade da lide.

  13. E não se venha afirmar que a A... fica, por esta via, desprovida de tutela jurisdicional efectiva, com potencial ofensa dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição: a) Por um lado, o que acima fica dito não vale necessariamente em relação ao recurso contencioso de anulação, cujo processo pode manter utilidade após a formalização dos negócios; b) Por outro lado, a Requerente poderia ter pedido o decretamento de medidas provisórias cuja utilidade ficasse incólume não obstante a celebração dos contratos (por exemplo, as medidas "(...) destinadas a corrigir a ilegalidade (...)", a que faz menção o n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio).

  14. A inutilidade do meio processual cautelar desencadeado pela Requerente traduz-se em inutilidade da lide, a qual constitui causa de extinção da instância (artigo 287.º, alínea e), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável).

  15. O acórdão recorrido acolheu esta orientação, que se afigura inatacável, razão pela qual deve ser mantido na íntegra.

    Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão: a) Deve ser rejeitado o recurso por oposição de julgados interposto pela A..., pelo facto de, in casu, não tendo sido esgotada a possibilidade de interposição de recurso de agravo, não caber a...

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