Acórdão nº 0329/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Dezembro de 2002

Magistrado ResponsávelANGELINA DOMINGUES
Data da Resolução04 de Dezembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.1 - A... (id. a fls 2) interpôs, no Tribunal Central Administrativo, recurso contencioso "do despacho da Ministra da Saúde, de 12-06-00, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto pelo recorrente do despacho do Inspector Geral da Saúde de 28/06/99, que determinou a reposição pelo recorrente da quantia de 1.143.400$00 (um milhão cento e quarenta e três mil e quatrocentos escudos) importância recebida como subsídio de viagem, nas deslocações efectuadas em viatura própria entre a sua residência e o Hospital do Lorvão".

1.2- Por acórdão do T. Central Administrativo, proferido a fls 128 e segs, foi concedido provimento ao recurso contencioso e anulado o acto administrativo recorrido.

1.3- Inconformada com este decisão, interpôs a Ministra da Saúde recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal, concluindo as alegações de fls. 158 e segs do seguinte modo: 1) A deliberação do Conselho de Administração do Hospital do Lorvão de 20.02.97 não foi proferida de acordo com orientações transmitidas pelo Ministério da Saúde em ofício-circular; 2) Tratou-se de uma interpretação própria efectuada pela Conselho de Administração da matéria contida no referido ofício-circular; 3) Não existe uma correspondência no texto do ofício-circular do Ministério da Saúde e a deliberação do Conselho de Administração do Hospital do Lorvão de 20.02.97; 4) A deliberação do Conselho de Administração do Hospital do Lorvão de 20.02.97, que autorizou o pagamento das deslocações domicílio-hospital-domicílio é um acto nulo, nos termos previstos no art.º 133.º n.º 2 alínea c) do C.P.A..

5) O pagamento das despesas em causa - autorizado pela deliberação constitui crime tipificado no art.º 375.º n.º 1 do Código Penal; 6) E a existência ou não de dolo constitui um pressuposto da punição que, mesmo apurando-se não existir, obriga à reposição das quantias indevidamente recebidas; 7) Reposição essa que deverá ser efectuada nos termos do art.º 36.º do Dec.-Lei n.º 155/92, 28.07.

8) Pois, no caso vertente, não há lei que preveja a amortização das despesas efectuadas com as deslocações domicílio-hospital-domicílio (cfr. art.º 22.º n.º 2); 9) Por outro lado, não decorreu ainda o prazo de prescrição previsto no art.º 40.º do Dec.-Lei n º 155/92, já que o mesmo foi suspenso com a instauração do processo de inquérito; 10) A Ministra da Saúde possui poder de tutela e de superintendência sobre o Conselho de Administração do Hospital do Lorvão, podendo providenciar que as quantias indevidamente despendidas regressem aos cofres do hospital; 11) Das normas vigentes (cfr. art.º 15.º do Dec.-Lei n.º 50/78, n.ºs 1, 2 e 3) e das orientações constantes do ofício-circular do Ministério da Saúde, não se pode inferir que o percurso domicílio-hospital-domicílio possa ser considerado como "deslocação em serviço" e, por tal, efectuado em veículo próprio contra o pagamento de subsídio de viagem na base da quilometragem efectuada; 12) Contrariamente ao que alega o Recorrente, a lei não atribuiu aos membros do Conselho de Administração o regime de trabalho de "disponibilidade permanente", como fez para alguns profissionais de saúde; 13) Os profissionais de saúde que exercem funções em regime de trabalho de disponibilidade permanente não têm direito, por força desse regime laboral, a receber subsídio de viagem pago ao quilómetro para se deslocarem todos os dias de casa para o trabalho e vice-versa, em viatura própria; 14) Deve, portanto, o intérprete da lei presumir "que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (cfr. art.º 9.º n.º 3 do Código Civil); 15) A norma contida no art.º 15.º do Dec.-Lei n.º 50/78, não se encontra eivada de inconstitucionalidade por violação dos artºs 13.º e 59.º da C.R.P., que se traduziria numa violação do princípio da igualdade na medida em que aquela norma dispõe de igual modo para todos os seus destinatários; 16) O percurso diário domicílio-hospital-domicílio não pode ser qualificado como "deslocação em serviço" ainda que se situe, toda ele ou parte, "dentro da área delimitada pela periferia da localidade onde o funcionário tomou posse ou exerce funções", uma vez que não consiste numa deslocação excepcional por motivo de serviço público; 17) Pelo contrário, esses trajectos diários constituem uma necessidade e um encargo do funcionário para se apresentar ao serviço e regressar a casa após ele; 18) A Ministra da Saúde, contrariamente ao que à lega o Recorrente, tem poderes para ordenar a reposição das quantias indevidamente recebidas; 19) Na verdade, compete à Ministra da Saúde ordenar inspecções e inquéritos ao funcionamento dos hospitais (cfr. art.º 3.º n.º 3 do Dec.-Lei n.º 19/88, de 21.01.); 20) Competindo-lhe também concordar com as conclusões do relatório do processo disciplinar, onde o instrutor poderá indicar as importâncias que, porventura, haja a repor (cfr. artºs 66.º n.º 1 e 91.º n.º 1 do E.D., aprovado pelo Dec.-Lei n.º 24/84); 21) Parte das verbas geridas pelos hospitais têm origem no Orçamento de Estado e não perdem a natureza de dinheiros públicos após a transferência, pelo que a sua gestão está sujeita ao controlo externo a efectuar pelos órgãos competentes do Estado, através de auditorias e inspecções, a efectuar, nomeadamente, pela Inspecção-Geral da Saúde, como foi o caso da que originou o Processo de Inquérito n.º 117/98-I, junto aos autos.

22) A deliberação do Conselho de Administração do Hospital do Lorvão, datada de 20.02.97, que determinou que os membros desse órgão passassem a auferir subsídio de viagem pelas deslocações entre os respectivos domicílios e o hospital, não constitui um acto administrativo constitutivo de direitos, nem mesmo um simples acto administrativo, dado que não visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta; 23) Essa deliberação pretendeu, de forma ilegal, regulamentar, a partir dessa data, a atribuição do referido subsídio no âmbito das deslocações nela mencionadas e independentemente das pessoas que, em cada momento, fossem os titulares do órgão, enquadrando-se, assim, na figura do regulamento administrativo; 24) Os actos de processamento do pagamento do subsídio de viagem aos membros do conselho de administração, não são igualmente actos administrativos constitutivos de direitos, mas sim meros actos de execução da deliberação anteriormente tomada; 25) Não se verifica, deste modo, a pretendida sanação da deliberação em causa, nem de parte dos actos de processamento, pelo facto de, uma e outros, não haverem sido revogados no prazo para a...

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