Acórdão nº 047093 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Junho de 2002

Magistrado ResponsávelANGELINA DOMINGUES
Data da Resolução19 de Junho de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.1 - A... e outros (id. a fls 2) interpuseram neste Tribunal recurso contencioso de anulação "do Despacho Conjunto de 17.7.00, do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças".

1.2 - Concluíram a petição pedindo a anulação do acto recorrido, nos seguintes termos: "Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente e, por via disso, anulado o recorrido despacho conjunto de Suas Excelências o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e o Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, relativamente à matéria do presente recurso: a) na parte em que fixou a indemnização devida aos recorrentes respeitante aos prejuízos sofridos pela privação temporária do uso e fruição de solos afectos à cultura de regadio nas Herdades da ... e do ..., em montante inferior ao legalmente determinado, como se de terrenos de sequeiro se tratasse, por enfermar o acto recorrido, nessa parte, do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.

  1. Na parte em que fixou a indemnização devida aos recorrentes pelos prejuízos sofridos pela privação temporária de uso e fruição de 430 hectares na Herdade da ..., com base num contrato de arrendamento que existiria à data da intervenção e não, por enfermar o acto recorrido, nessa parte, do vício de violação de lei por erro nos pressupostos.

  2. Ou, ainda que se entenda ter existido, à data da intervenção, um verdadeiro contrato de arrendamento, o que não se concede, por não terem as autoridades recorridas procedido, nesta parte do cálculo indemnizatório, à devida actualização do valor das rendas - também e ainda por nessa hipótese padecer o acto recorrido, em tal parte, do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.

  3. Na parte em que fixou. a indemnização devida aos recorrentes pelos prejuízos sofridos pela privação temporária do uso e fruição do montado de sobro, no que respeita ao produto da venda não pago anteriormente e agora incluído no montante da indemnização definitiva, por padecer o acto recorrido, em tal parte, do vício de violação de lei".

    1.3 - A entidade recorrida apresentou a resposta de fls 110 e segs, na qual suscitou como questão prévia "a falta de alegação oportuna no respectivo procedimento administrativo dos vícios só agora invocados", pois não apresentaram reclamação da proposta de decisão, sendo para tal notificados, o que, no entender daquela entidade, deveria conduzir à rejeição do recurso.

    Para a hipótese de não ser aquele o entendimento do Tribunal, sustentou a legalidade do acto recorrido, com o consequente improvimento do recurso.

    1.4 - Ouvidos os Recorrentes sobre a questão prévia suscitada na Resposta da entidade recorrida, pronunciaram-se, nos termos constantes de fls. 128 a 132 inclusive, pela respectiva improcedência.

    1.5 - O Mº. Público emitiu o parecer de fls. 134 e 134 vº, que se dá como reproduzido, concluindo pela improcedência da aludida questão prévia.

    1.6 - A fls 139 e segs, foram apresentadas as alegações dos recorrentes, formulando-se as conclusões seguintes: "

    1. Em ordem a observar o direito à tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados - artigo 268.º n.º 4 da CRP - a excepção levantada pela Autoridade Recorrida deve ser considerada improcedente, não se considerando que o "direito de reclamação ou recurso" precludiu; B) Isto porque, a conduta dos ora recorrentes não poderia valer como aceitação do acto; C) O referido preceito legal regula naquele procedimento especial o direito de audiência que por regra desempenha uma função garantistica de salvaguarda dos interesses do particular; D) Logo, atenta a sua verdadeira natureza, tal reclamação ou recurso nunca poderia constituir um ónus cujo incumprimento precludisse o direito de os destinatários dos actos administrativos conclusivos de tais procedimentos deles recorrerem contenciosamente; E) A interpretação dos preceitos legais referidos que fundamentam o direito a indemnização por parte dos ora recorrentes deve-se conformar com o disposto na CRP, concretamente com o princípio da igualdade - artigo 13.º - e com o princípio da "justa indemnização" - artigo 62.º, n.º 2; F) O facto de se aceitar que, no âmbito da Reforma Agrária, o legislador está constitucionalmente autorizado a reduzir o âmbito indemnizatório para aquém do conceito de justa indemnização aplicável à generalidade das expropriações, não implica que tal autorização se estenda à Administração no plano da aplicação de tal legislação, e designadamente nas operações de interpretação e integração de lacunas.

    2. Assim como não poderá a Administração furtar-se à sujeição aos demais pertinentes direitos e princípios constitucionais e legais, como é o caso do princípio da igualdade, não deixando estes de funcionar, em caso de lacunas e de ambiguidades normativas, como princípios integradores.

    3. Sobretudo quando as próprias normas que integram o bloco legal aplicável - rectius, os seus autores - invocam explicitamente, e se conformam, com tais princípios.

    4. No cálculo da indemnização devem ser considerados como cultura arvense de regadio - "outros regadios" - 1173,7750 hectares na Herdade da ... e 71,7250 hectares na Herdade do ....

    5. O invocado "contrato de arrendamento rural" é um contrato atípico configurando um contrato promessa de campanha ou, quando muito, um contrato de campanha para o ano de 1973 e uma promessa de contrato de campanha para os cinco anos seguintes.

    6. Pelo que os recorrentes devem ser indemnizados como exploradores directos e não como senhorios.

    7. Caso assim se não entenda, o valor das rendas deve ser actualizado para valores de 1994/1995 ou por aplicação dos valores de rendas máximas fixados em Portarias.

    8. Quanto ao cálculo de indemnização relativa a produtos florestais, os recorrentes, na Petição Inicial de Recurso, contestaram explicitamente a conduta omissiva da Entidade recorrida e invocaram expressamente o vício de violação da lei, consubstanciado na não actualização do rendimento líquido florestal indemnizável.

    9. O valor do rendimento líquido florestal deve ser actualizado para valores médios de 1994/1995, pois só assim se respeitam os princípios de igualdade e justa compensação.

    10. Deve ainda realçar-se que as normas legais que regulam estas indemnizações são normas restritivas/concretizadoras de um direito, liberdade e garantia de natureza análoga, como é o direito de propriedade tal qual está definido no art.º 62.º da CRP.

    11. Beneficiando dessa qualidade elas são consideradas como normas imediatamente exequíveis, devendo a Administração, se necessário e para conferir exequibilidade à referida legislação, proceder à aplicação por analogia ou à interpretação extensiva, de outras normas legais e/ou regulamentares que regulem casos semelhantes.

    12. Os juros a que se refere a Lei 80/77, de 26/10, são remuneratórios e não visam qualquer actualização monetária.

    13. O Tribunal não pode abster-se de fixar um critério de actualização do rendimento líquido florestal e de um critério de actualização das rendas, dentro dos princípios legais da Lei Especial que regula as indemnizações no âmbito da Reforma Agrária.

    14. Por tudo quanto antecede, o Despacho recorrido enferma de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, em virtude de incorrecta interpretação e aplicação do disposto na alínea c) do nº 1 do art. 3º, nos nºs 1 e 2 do art. 5º e nos nºs 1 e 2 do art. 7º, todos do Decreto-Lei 199/88, de 31/05, na redacção do Decreto-Lei 38/95, de 14/02, e do disposto nos pontos 1, 3 e 4 do nº 2º da Portaria 197-A/95, de 17/03".

    1.7 - A entidade recorrida contra-alegou pela forma constante de fls 164 e segs, concluindo do seguinte modo: "

  4. O momento próprio para o recorrente reclamar da proposta de indemnização é o fixado no n° 8-1 da Portaria n° 197-A/95, de 17.03.

  5. Aceite, expressamente, como acontece no caso dos autos, toda a fundamentação da proposta que serviu de único fundamento ao despacho recorrido, deste despacho só pode ser interposto recurso contencioso com base noutros fundamentos diferentes dos constantes da proposta expressamente aceite .

  6. Tal entendimento não faz precludir o direito do recorrente a recorrer do despacho de concordância, mas tão somente de dele recorrer com base em fundamentos já expressamente aceites.

  7. Uma parte do grupo de herdades denominado Malhada Velha, pertencente aos recorrentes, e em causa neste processo, era explorado em regime de arrendamento rural e não em regime de campanha, conforme decorre dos dispositivos daquele contrato, nomeadamente quanto à sua duração (seis anos), questão aliás já definitivamente resolvida, para efeitos deste processo, pelo despacho de 22.03.99, exarado sobre a informação n° 62/99, e não contenciosamente impugnado.

  8. Assim sendo, os recorrentes, relativamente à área abrangida pelo aludido contrato de arrendamento devem ser considerados como senhorios e como tais indemnizados pela perda de fruição que sofram, e que se consubstancia nas rendas não recebidas.

  9. O critério escolhido pelo legislador para fixar a justa indemnização aos proprietários de prédios ocupados ou expropriados no âmbito da reforma agrária e que se encontravam arrendados à data da ocupação e entretanto foram devolvidos é o previsto no n° 4 do artº 14° do DL n° 199/88, de 31.05 na sua actual versão, ou seja, é o correspondente ao valor das rendas que não receberiam durante este período, pois esse valor é o que os proprietários recebiam pela sua fruição, se não tivesse ocorrido a ocupação.

  10. O valor encontrado é igual ao produto da renda praticada à data da ocupação pelo número de anos que perdurou a perda da fruição, ou seja, até à efectiva devolução.

  11. Este valor, que é o que foi fixado pelo despacho recorrido, serve de base ao cálculo da justa indemnização a pagar aos recorrentes e é actualizado até ao efectivo pagamento, por força de...

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