Acórdão nº 025774 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Junho de 2002

Magistrado ResponsávelFONSECA LIMÃO
Data da Resolução19 de Junho de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A..., inconformado com o acórdão da Secção deste S.T.A., de 9/5/01, a fls. 140 e seguintes, que concedeu provimento ao recurso da F. P., revogou a sentença da 1ª. Instância e manteve erecta a liquidação impugnada, daquele interpôs recurso para este Pleno, alegando encontrar-se o mesmo em oposição com o acórdão, também daquela Secção, de 8/11/00, a fls. 147 e seguintes.

O Exmo. Magistrado do Mº. Pº., junto deste S.T.A., foi de parecer que se verificava a alegada oposição de acórdãos.

Por despacho do relator, a fls. 162, consideraram-se verificados os pressupostos previstos no artº. 30°., al. b) do E.T.A.F., e ordenou-se o prosseguimento do recurso.

Alegou, então, o recorrente, concluindo como segue: 1ª.

As liquidações impugnadas e objecto de ambos os recursos - recorrido e fundamento - respeitam ao ano de 1997 e foram efectuadas pelos Serviços Fiscais por terem sido recusados os atestados de incapacidade oportunamente exibidos pelos impugnantes, emitidos em data anterior à publicação do Dec. Lei n° 202/96, de 23 de Outubro 2ª.

O MD acórdão recorrido negou provimento ao recurso reconhecendo competência à Administração Fiscal para exigir novos atestados ao abrigo do D.L. n° 202/96, citado, enquanto que o MD acórdão fundamento concedeu provimento ao recurso exactamente com base na não aplicabilidade do mesmo normativo legal.

  1. A ser de aplicar o disposto no D.L. n° 202/96 à Liquidação impugnada (IRS de 1997) tal implicaria que a Administração Fiscal notificasse o recorrente para se sujeitar a nova avaliação da sua incapacidade. O que não se verificou.

  2. Na falta de argumentos expressos para afastar a aplicabilidade da doutrina que dimana do MD acórdão fundamento, o MD acórdão recorrido faz, implicitamente, uma errada interpretação do disposto no n° 7 do artº. 14°. do CIRS, bem como do disposto no artº 11°. do E.B.F..

  3. Nessa interpretação, o MD acórdão recorrido terá considerado que a condição de cidadão contribuinte integra a situação pessoal e familiar a que se refere o citado nº.7 do artº. 14°., para daí se poder concluir ser lícito à Administração Fiscal a exigência de novo atestado de incapacidade reportado a 31 de Dezembro de cada ano.

  4. Só que, a condição de deficiente constitui um pressuposto para efeitos de um beneficio fiscal e não integra, nem pode integrar o conceito de situação pessoal e familiar, que, de acordo com o próprio artº. 14°. do CIRS, se reporta aos elementos de conexão em matéria de incidência pessoal, susceptíveis de variação no tempo, tendo o legislador tido necessidade de fixar o momento em que tais elementos relevam para efeitos de tributação.

  5. Reporta-se a lei a elementos tais como: o estado civil dos contribuintes, a condição de maior ou menor idade, a sujeição a tutela, a condição de estudante, a incapacidade para angariacão de meios de subsistência, etc. mas não à condição de deficiente.

  6. Desde logo porque a condição de deficiente não se contém minimamente no contexto da citada norma legal- cfr. artº. 9/n° 2 do C. Civil.

  7. E, porque, recorrendo às regras da hermenêutica jurídica, do ponto de vista lógico e sistemático, os elementos da situação pessoal e familiar integram-se nas regras de incidência pessoal ou subjectiva, enquanto que a condição de deficiente corresponde a pressuposto de exclusão da tributação, absolutamente oposto à ratio do citado artº. 14°. e que tem outra sede legal, o artº. 44°. do EBF e outras normas de exclusão tributária contidas no CIRS, como por exemplo o artº. 25°./n° 3 e 80°./n°. 6 do CIRS - cfr. artº. 9/nº 1 do C. Civil 10ª.

    Por conseguinte, matérias teleologicamente distintas.

  8. Por outro lado, tal interpretação, a persistir, seria inconstitucional, por colidir com o disposto no nº.2 do artº. 266°. da CRP e artº. 5º./n°. 2 do C.P.A., já que postergaria o princípio da proporcionalidade que deve presidir à actuação da Administração Pública.

  9. Assim seria, se, ao abrigo de tal interpretação, a Administração Fiscal pudesse exigir dos contribuintes um atestado de incapacidade, com a sujeição a nova junta médica, todos os anos, relativamente a 31 de Dezembro do ano anterior .

  10. Tal exigência seria de tal forma onerosa e implicaria para os contribuintes um sacrifício desmesurado e desproporcional, atendendo a que, uma vez avaliada a incapacidade, fique ou não sujeita a nova avaliação por decisão da Junta Médica, nasce, ope lege o direito aos benefícios fiscais dele emergentes, por se tratarem de benefícios automáticos, no termos do disposto no nº.1 do artº. 4°. do EBF - cfr. Nuno Sá Gomes - Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, pág. 313.

  11. No que concerne ao disposto no artº. 11º. do EBF é preciso ter presente que o sob a epígrafe "Constituição do direito aos benefícios fiscais " estabelece que " o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela Administração Fiscal ... salvo quando a Lei disser o contrário".

  12. Os pressupostos constam do artº. 44°. do E.B.F. e correspondem à natureza permanente da deficiência, que a mesma seja de grau superior a 60% e que seja devidamente comprovada pela entidade competente.

  13. No caso dos autos, o direito ao beneficio constitui-se para o recorrente na data da emissão do seu atestado de incapacidade, ou seja, em 11 de Dezembro de 1995, por ser esse o momento a partir do qual se encontram verificados todos os requisitos exigidos pela lei para se poder aproveitar os benefícios emergentes desse atestado.

  14. Não exige a lei, como pressuposto, que a avaliação da incapacidade obedeça a este ou àquele critério técnico-científico, mas, tão só, que a incapacidade se mostre comprovada pelo modo devido, isto é por atestado médico ou outro meio de prova permitido.

  15. Os critérios técnico-científicos estabelecidos na lei para o arbitramento de uma incapacidade têm natureza de comandos destinados aos médicos que compõem a respectiva Junta Médica de avaliação e não ao aplicador da lei fiscal, seja a Administração Fiscal, seja o Tribunal.

  16. Os critérios técnico-científicos a que deve presidir uma avaliação de incapacidade integram matéria insindicável, por estarmos no âmbito da designada discricionariedade técnica. Se uma Junta Médica atesta uma incapacidade, à luz dos critérios vigentes nesse momento, tal avaliação consolida-se na esfera jurídica do avaliando impondo-se erga omnes, em homenagem ao princípio da unicidade da Administração Pública cujas decisões, embora provenientes de unidades orgânicas diferentes, integram a expressão da vontade da mesma personalidade jurídica em conjugação com o princípio tempus regit actum.

  17. Também não se poderá considerar entre os pressupostos a que se refere o artº. 11°. do EBF a obtenção de rendimentos por parte de quem se encontre em condições de beneficiar do disposto na norma contida no artº. 44°. do mesmo diploma legal, entre outras previstas no CIRS.

  18. Desde logo porque a obtenção de rendimentos não figura do citado artº. 44 º. do E.B.F ., nem dos demais normativos aplicáveis previstos no CIRS.

  19. A obtenção de rendimento constitui pressuposto de incidência e não pressuposto de não sujeição ou isenção.

  20. Se assim não for entendido, estaremos a misturar conceitos que inevitavelmente conduzirão a uma errada interpretação da lei aplicável, com os mesmos efeitos e consequências acima apontados a propósito da interpretação do nº.7 do artº. 14°. do CIRS, ao nível da violação do princípio da proporcionalidade consagrado no nº.2 do artº. 266°. da C.R.P ..

    Contra-alegou a F .P ., tendo-se batido pela manutenção do julgado.

    O Exmo. Magistrado do Mº.Pº., junto deste S.T.A., foi de parecer que o recurso não merece provimento.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir .

    O acórdão recorrido regista a seguinte matéria de facto: 1. O impugnante apresentou tempestivamente a sua declaração de rendimentos para efeitos de liquidação do IRS de 1997, dizendo-se nela portador(a) de invalidez...

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