Acórdão nº 026273 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Junho de 2002

Magistrado ResponsávelBRANDÃO DE PINHO
Data da Resolução19 de Junho de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA: Vem o presente recurso jurisdicional, interposto por oposição de acórdãos, por A... e mulher do aresto do TCA, proferido em 19/Dez/00 que negou provimento ao recurso que os mesmos haviam interposto da sentença que, por sua vez, julgou improcedente a impugnação judicial por eles deduzida contra a liquidação de IRS de 1996.

Os recorrentes formularam as seguintes conclusões: "I. - Na solução do caso dos autos haverá de ter-se em conta que se está perante normas (arts. 25°/3 e 80°/6 do CIRS e 44° do EBF) sujeitas ao princípio constitucional da legalidade tributária de reserva de lei formal, o que implica que nesta matéria a competência para a definição dos pressupostos dos benefícios fiscais cabe à Assembleia da República ou ao Governo mediante a respectiva autorização legislativa - arts. 106°/2, 168°/1,i e 2 da CRP, sendo que, por isso, todo o critério de decisão tem, necessariamente, de constar da lei fiscal, não sendo admissível que seja a Administração a definir quaisquer dos seus elementos caracterizantes, sob pena de inconstitucionalidade material; II. - A própria Administração Fiscal (AF) nunca questionou a competência da autoridade de saúde que emitiu o atestado apresentado pelos recorrentes, tendo sido ela própria a estabelecer quem tinha competência para o efeito, através da circular nº 28/90, de 22.06, da DGCI, tal como não apontou ao atestado apresentado qualquer vício formal ou substancial susceptível de afectar a sua força probatória ou sequer questionou que o atestado não respeitasse a lei vigente à data da respectiva avaliação, ou seja, Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo DL. 341/93, de 30.09; III. - A AF apenas entendeu que o atestado emitido foi-o supostamente segundo determinado critério de avaliação, não coincidente com o critério que ela própria entendeu que deveria ter sido seguido pela autoridade de saúde; IV. - Na ausência de lei específica para a avaliação de incapacidade para efeitos de acesso aos benefícios fiscais, a solução seguida, que jamais alguém questionou, foi o recurso â TNI aprovada pelo DL. 341/93, de 30.09, muito embora tivesse sido criada para efeitos do cálculo de incapacidades e reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, sendo que é a própria unidade do sistema jurídico que reclama o recurso à mesma, perante a omissão das normas da lei tributária quanto ao critério de definição concreta da deficiência fiscalmente relevante para o fim em vista; V. - Face ao comportamento descrito nas conclusões anteriores, a AF não podia deixar de ter por verificado o pressuposto de que depende o reconhecimento do benefício fiscal em causa, sendo obrigada, por isso, a actuar em conformidade com esse facto, e estando impedida, consequentemente, de exigir novo atestado médico, como o fez; VI. - Actuando como actuou, a AF agiu como se lhe coubesse, a ela própria, definir o critério legal de verificação de incapacidade, impondo-o à própria autoridade de saúde competente, extravasando, manifestamente, dos poderes e competência que tem; VII. - A entrada em vigor do DL. 202/96, de 23.10 em nada alterou este estado de coisas; VIII. - Este diploma é inovador e não meramente interpretativo, entrou em vigor em 30 de Novembro de 1996 e o próprio legislador logo tratou de deixar o âmbito e grau da sua retroactividade no seu art. 7°, pelo que, tudo quanto vá para além desse grau - aplicação aos processos de avaliação de capacidade (e não quaisquer outros) pendentes -, é ilegal, por violação manifesta do princípio geral do tempus regit actum consagrado no art° 12° do C. Civil; IX. - Tal diploma não anulou as avaliações feitas anteriormente à sua vigência nem veio consagrar qualquer obrigatoriedade da sua confirmação, como seria de esperar se a intenção do legislador fosse a de que o diploma deveria abranger as avaliações anteriormente feitas; X. - Os recorrentes já tinham feito a prova da sua incapacidade permanente superior a 60% perante a AF, não tendo, por isso, que fazer nova prova da sua incapacidade; XI. - À data em que entrou em vigor o DL. nº 202/96, já havia nascido na esfera jurídica dos recorrentes o direito ao benefício fiscal em causa nos autos, porque já se encontrava comprovada a factualidade descrita na hipótese legal (a incapacidade permanente igual ou superior a 60%) pelo atestado médico respectivo, passado pela entidade competente, no domínio da lei vigente e de acordo com esta; XII. - A aplicação dos critérios do DL. 202/96 ao caso dos autos implicaria, pois, a aplicação retroactiva do mesmo, como tal, de forma ilegal; XIII. - A exigência de novos atestados médicos resultaria na revogação ou anulação de um direito já adquirido pelos recorrentes; XIV. - Como vem decidindo este Venerando Tribunal, ainda que o direito ao benefício fiscal. em causa tenha por fonte ou causa a lei, e não o referido acto de avaliação, este integra ainda o processo constitutivo do referido direito, pois configura uma pronúncia pericial indispensável e determinante da verificação do facto constitutivo, sem a qual o titular do direito, não fica constituído naquele e não o poderá exercer, não se tratando, assim, de um mero acto instrumental, sem valoração própria; XV. - O acto de avaliação goza de autonomia relativamente ao acto tributário de liquidação, pela distinta natureza dos elementos normativos que visa concretizar, o que não exclui uma relação de prejudicialidade, pelos efeitos modificativos que pode produzir naquele, sendo que a actividade posterior exigida ao titular do direito para que ele se tome eficaz é que já não se situa no campo da constituição do direito, mas sim no campo do seu exercício, não havendo que confundir os requisitos de constituição de um direito com os requisitos da sua eficácia; XVI. - A AF está sujeita ao princípio da legalidade, devendo inteira obediência à Constituição e à lei não podendo desconhecer e desrespeitar o valor e limites do caso decidido ou caso resolvido; pondo em causa, em qualquer momento, a estabilidade dos actos administrativos e valores fundamentais do Direito como são a Certeza e a Segurança; XVII. - O exame e atestação de uma certa incapacidade permanente concreta, em face do acto tributário subsequente praticado pela Administração Fiscal constitui um acto autónomo que, em direito tributário, é um acto prejudicial em sentido técnico; XVIII. - A AF não tem competência em matéria de saúde, não estando o atestado médico passado pela entidade competente sujeito à livre apreciação daquela; XIX. - Com o requerimento feito pelo interessado à autoridade de saúde inicia-se um procedimento administrativo, no qual tem lugar uma prova pericial e que culmina com um acto administrativo praticado pela autoridade de saúde, de posse do qual o contribuinte vai reivindicar o seu direito junto da AF; XX. - O acto da autoridade de saúde, como acto prejudicial que é, pertencendo a outra autoridade diferente da autoridade fiscal, precedendo o acto tributário, implica que quem pratica este deve conformar-se com a decisão dada pela autoridade de saúde, dado o carácter técnico das questões ou interesses em causa, devendo impugná-lo contenciosamente, no caso de entender que o mesmo padece de invalidade, por se tratar de acto susceptível de impugnação judicial directa, independente do acto prejudicado, sob pena de preclusão do respectivo conhecimento; XXI. - Se o acto prejudicial é estranho à Administração Fiscal, cabe recurso contencioso do mesmo para os Tribunais Administrativos; XXII. - No caso, nem a AF nem ninguém impugnou contenciosamente o referido acto prejudicial no prazo legal, nem ninguém o revogou ou arguiu de falso, pelo que o mesmo se firmou na ordem jurídica como um caso decidido ou caso resolvido, com valor de caso julgado, estando a AF legalmente obrigada a respeitá-lo integralmente; XXIII. - O acto da entidade de saúde, como acto administrativo que é, goza da presunção de verdade e de legalidade, sendo obrigatório, quer para os particulares, quer para a Administração, pelo que de modo algum poderia a AF, sem sindicar o acto pela via contenciosa, destruir essa presunção; XXIV. - O art° 14°/7 do CIRS não tem aplicação na situação dos autos; XXV. - O preceito em causa, ao integrar as regras de incidência do CIRS, nunca terá aplicação aos rendimentos respeitantes aos benefícios fiscais, dado que estes são rendimentos isentos nos termos do EBF, os quais, por via disso, passam à margem das regras de incidência (reais e pessoais) estabelecidas no CIRS; XXVI. - Relativamente aos rendimentos objecto de benefícios fiscais não pode legitimamente falar-se em rendimentos relevantes para efeitos de tributação, já que estamos perante uma isenção estabelecida, não pelo CIRS, mas antes por um diploma específico (o EBF); XXVII. - Não havendo no CIRS qualquer norma que subtraia os benefícios fiscais às regras de incidência, estas regras já não os podem abarcar, sob pena de passarem a ser relevantes para efeitos de tributação, passando a ser tidos em linha de conta no apuramento do IRS, o que configuraria evidente ilegalidade, sendo, assim, manifesto que o beneficio fiscal em causa passa à margem das regras de incidência do IRS e, como tal, não é relevante para efeitos de tributação.

XXVIII. - Os benefícios fiscais são desagravantes excepcionais que se traduzem em medidas derrogatórias das regras normais do sistema fiscal estabelecido no CIRS, ou seja, são excepções às regras normais de incidência; XXIX. - É através destes mecanismos que determinadas realidades, em princípio objecto de tributação, acabam por ficar total ou parcialmente...

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