Acórdão nº 048104 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Maio de 2002
Magistrado Responsável | PAIS BORGES |
Data da Resolução | 16 de Maio de 2002 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: (Relatório) I. "A..., S.A.", "B..., S.A.
", "C..., S.A.
", "D..., S.A.
", "E..., S.A.
", "F..., S.A.
", "G..., S.A.
", "H..., S.A.
", "I..., S.A.
", "J..., S.A.
", e "K..., S.A.
", todas ids. nos autos, interpuseram neste STA, nos termos do art. 2º, nº 1 do DL nº 134/98, de 15 de Maio, recurso contencioso de anulação dos despachos de Suas Excelências o Secretário de Estado das Obras Públicas e o Ministro das Finanças, de 20 de Agosto e de 6 de Setembro, respectivamente, reportado ao concurso público internacional no âmbito da União Europeia, para a Concessão de Lanços de Auto Estrada e Conjuntos Viários na Zona Norte do Distrito de Lisboa, designado por Concessão Lisboa Norte, na parte em que aprovam a selecção do concorrente nº 4 - Agrupamento de empresas denominado «... - Auto-Estradas Norte de Lisboa» para passagem à fase de negociação, imputando aos actos recorridos vícios de violação de lei, por ofensa do art. 82º do Tratado CE e por violação do Programa do Concurso.
II. Na sua resposta (fls. 531 e segs.), o Secretário de Estado das Obras Públicas, para além de sustentar a legalidade dos actos recorridos, por inverificação dos vícios invocados, começa por suscitar as seguintes questões prévias: Inaplicabilidade do DL nº 134/98, de 15 de Maio, atendendo a que este diploma, que procedeu à (correcta) transposição da Directiva nº 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro, respeita a "procedimentos a adoptar em matéria de recursos no âmbito da celebração de contratos de direito público de obras, de prestação de serviços e de fornecimento de bens" (Preâmbulo), pelo que nele estão abrangidos apenas os três tipos de contratos enumerados no art. 1º do mencionado diploma: contratos de empreitadas de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens, encontrando-se excluídos do seu âmbito de aplicação quaisquer outros actos relativos à formação de outros contratos, designadamente o de concessão de obras públicas e de concessão de serviços públicos.
Intempestividade do recurso, na hipótese da aplicabilidade do DL nº 134/98, por o mesmo ter dado entrada no tribunal depois de esgotado o prazo legal de 15 dias, referido no seu art. 3º, nº 2.
Erro na identificação do acto recorrido, com violação do art. 36º, nº 1 da LPTA, uma vez que aquilo que as recorrentes (através de toda a sua argumentação) pretendem é a exclusão do concorrente ...
do concurso, a qual só seria possível através de recurso do acto de admissão, apresentado durante o acto público, findo o qual a mesma se consolidou na ordem jurídica.
Assim, o acto que pretendem efectivamente impugnar é o acto de admissão dos concorrentes, praticado pela Comissão em 22.03.2002.
Ilegitimidade activa das recorrentes, por manifesta falta de interesse pessoal, directo e legítimo na anulação dos actos (art. 46º, nº 1 do RSTA), atendendo a que a eventual anulação deste teria como efeito único, para além da exclusão da ...
, a selecção do 3º classificado no concurso para, com as recorrentes, iniciar a fase de negociações, ou seja, o benefício resultante da anulação aproveitaria a outrém e não a elas próprias.
III. Contestaram (fls. 575 e segs.) as recorridas particulares "..., SA", "..., SA,"..., SA", "..., SA", e "..., SA", sustentando a legalidade dos actos recorridos, por inverificação dos vícios invocados, e suscitando as questões prévias da Inaplicabilidade do DL nº 134/98, de 15 de Maio, e da Ilegitimidade activa das recorrentes (com os mesmos fundamentos apontados pelo Secretário de Estado das Obras Públicas), e ainda a da Irrecorribilidade dos actos impugnados, por, em seu entender, os mesmos não serem dotados de lesividade directa para as recorrentes, porquanto se limitam a seleccionar a sua passagem (juntamente com as recorrentes) à fase de negociação, para a qual, nos termos do programa do concurso, são seleccionados os dois concorrentes primeiros classificados.
Assim, da eventual anulação dos actos, adviria apenas a sua substituição por outro dos concorrentes, que passaria com as recorrentes à fase de negociação, nada mais lhe garantindo.
IV. Na sua alegação, formulam as recorrentes as seguintes CONCLUSÕES: 1. O presente recurso contencioso deve ser processado de acordo com o regime previsto no Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio; 2. A Directiva n.º 89/665/CEE, que o Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio visou transpor delimita o respectivo âmbito de aplicação por remissão para o âmbito de aplicação das Directivas n.º 71/305/CEE, de 26 de Julho - aplicável aos contratos de direito público de obras - e n.º 77/62/CEE, de 21 de Dezembro - aplicável aos contratos de prestação de serviços e fornecimento de bens.
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Sucede porém, que a Directiva n.º 71/305/CEE, que apenas se reportava à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, foi revogada pela Directiva n.º 93/37/CEE, de 14 de Julho, que se aplica também às concessões de obras públicas.
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Nos termos do artigo 36.º, n.º 2 da Directiva n.º 93/37/CEE "todas as remissões para a directiva revogada [e também a remissão efectuada pela Directiva n.º 89/655/CEE para a Directiva n.º 71/305/CEE] devem entender-se como sendo feitas para a presente directiva".
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O que significa que a Directiva n.º 89/665/CEE se aplica, também, aos contratos de concessão de obras públicas e respectivo processo de adjudicação.
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De resto, a Comissão Europeia adoptou uma Comunicação Interpretativa sobre as Concessões em Direito Comunitário (2000/C 121/02, in JOCE C121/2 de 29 de Abril de 2000), no âmbito da qual afirma peremptoriamente a aplicabilidade da Directiva n.º 89/665/CEE às concessões de obras públicas. Esta comunicação tem valor de interpretação oficial porquanto emana de um órgão comunitário.
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O Decreto-Lei n.º 134/98 de 15 de Maio afigura-se, assim, desconforme com a Directiva n.º 89/665/CEE, porquanto o seu âmbito de aplicação não abrange as concessões de obras públicas.
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Esta desconformidade deverá ser solucionada por recurso à aplicação do princípio do primado do Direito Comunitário, nos termos do qual as autoridades nacionais e designadamente os Tribunais devem desaplicar a norma nacional contrária (veja-se neste sentido o Acórdão do TJ Ac. Simmenthal, proc. 106/77 de 9 de Março de 1977) ou, em caso de dúvidas de carácter interpretativo, interpretar o Direito Interno em conformidade com o Direito Comunitário.
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O artigo 1.º da Directiva n.º 89/665/CEE estabelece de forma precisa, clara e incondicional a necessidade de se preverem formas de recurso céleres e eficazes das decisões tomadas em sede de procedimentos prévios à celebração de contratos públicos, designadamente os contratos públicos de obras - que, na acepção da Directiva n.º 93/37/CEE, abrangem, como já se viu, as concessões de obras públicas, pelo que é susceptível de atingir todos os sujeitos de direito comunitário, habilitando-os a invocá-las perante os tribunais nacionais sempre que nisso tenham interesse.
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Este segmento do artigo 1.º da Directiva é suficientemente claro e preciso para que os tribunais nacionais procedam a uma interpretação das normas internas com ela conforme, designadamente, da norma constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio, pelo que resulta clara a aplicabilidade do Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio ao recurso contencioso de actos praticados no seio de um procedimento tendente à formação de um contrato administrativo de concessão de obras públicas, e, concretamente, ao presente recurso contencioso.
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Por outro lado, conforme decorre designadamente do terceiro parágrafo do seu preâmbulo, o Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio, visou conferir maior exequibilidade ao artigo 268°, n.º 4 da CRP , que consagra o princípio da tutela judicial efectiva.
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A restrição operada pela norma constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio faz, portanto, dessa norma uma norma inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13° da Constituição, que, enquanto princípio norteador da função legislativa do Estado, implica a proibição de discriminações ilegítimas por via de lei e vincula o legislador, tanto quando este reconhece direitos, concede benefícios, ou confere prestações, como quando restringe direitos, impõe encargos ou comina sanções.
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Ao restringir o âmbito de aplicação do regime de recurso urgente o legislador confere aos concorrentes de concursos públicos para a celebração de contratos de empreitadas de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens, o direito de acederem a um processo urgente, e nega esse mesmo direito aos concorrentes no âmbito de concursos públicos para a celebração de contratos de concessão de obras públicas, sem que se vislumbre qualquer motivo que justifique tal diferença de tratamento.
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Ao arrepio da norma constitucional, o legislador conferiu às duas situações supra referidas um tratamento diferenciado para o qual não se vislumbra justificação minimamente razoável, o que é intolerável do ponto de vista da Constituição. Com a agravante de se estar também a violar o direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrada nos artigos 20° e 268° da Constituição, designadamente na vertente do direito à obtenção de uma decisão judicial num prazo razoável.
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O afastamento da discriminação será possível por via de uma interpretação conforme à Constituição, por recurso à aplicação analógica das normas que concedem o direito ao grupo restrito, repondo a igualdade através do recurso à analogia (vide RUI MEDEIROS, Op. Cit., pág. 519).
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As Recorrentes gozam de legitimidade activa, porquanto mantêm a sua qualidade de directas interessadas no âmbito ao procedimento pré-contratual para a selecção do co-contratante, pelo que, os efeitos da anulação do acto de selecção do concorrente n.º 4 para a fase de negociação, incidem de forma directa e pessoal na sua esfera jurídica.
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A procedência...
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