Acórdão nº 018487 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Maio de 2002
Magistrado Responsável | J SIMÕES DE OLIVEIRA |
Data da Resolução | 02 de Maio de 2002 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, 3ª Subsecção: - I - A... recorre contenciosamente da Resolução do Conselho de Ministros nº 309/79, de 12.10, constante do D. R. I série, de 26.10.79, pela qual se autorizou o aumento de capital social da B..., S.A.R.L., se aprovaram as alterações aos seus estatutos e se determinou a cessação da intervenção do Estado na empresa na data da realização da assembleia geral extraordinária a efectivar após a celebração do contrato de viabilidade.
Como fundamento do recurso contencioso, a recorrente invocou a violação, pelo acto recorrido, do disposto nos arts. 62º e 18º da Constituição da República.
Respondeu o 1º Ministro e contestou o C..., E. P., que para o efeito foi citado.
A recorrente alegou, com dois complementos em consequência da junção de documentos aos autos, tendo contra-alegado o recorrido C..., E.P..
Nas suas primeiras alegações, em que se reservou o direito de as completar quando fossem apresentados os necessários documentos pela entidade recorrida, concluiu nos seguintes termos: - "A resolução recorrida desapropriou a recorrente e demais accionistas privados da B..., S.A.R.L. do controle da mesma sociedade e afastou vários outros direitos inerentes ao direito de propriedade da recorrente e demais accionistas privados sobre as respectivas acções.
- Por motivos que o próprio Governo considerou a posteriori "de discutível razoabilidade, até porque entende não se justificar na produção e concretização de vinhos a existência de um sector empresarial do Estado.
- E sem qualquer indemnização.
- Violou assim o disposto no nº 1 do artº. 62 da Constituição, porque lesara o direito fundamental - de propriedade privada - por ele garantido, sem razões de interesse publico relevantes, sendo certo que, por força do artº. 17, o artigo 18 nº 1 da Constituição vinculava a entidade recorrida ao respeito do mesmo artigo 62 nº 1.
- Violou ainda o disposto no nº 2 do artigo 62 da Constituição, porque não respeitou a exigência de pagamento de uma justa indemnização, contida nessa disposição sem que se verificasse qualquer dos casos por ela revelados.
- Com efeito, as disposições legais invocadas pela entidade recorrida - artigos 20 e 23 do Dec. Lei 422/76 - não podem reconduzir-se à ressalva constante do nº 2 do artigo 62 sem ser por intermédio de outra disposição constitucional aplicável, que no caso dos autos não existe.
- Na verdade, nem o nº 2 do artigo 82, nem o nº 3 do artigo 85 da Constituição, referidos pela entidade recorrida podiam levar directamente à exclusão da indemnização, dependente, em ambos os casos, de uma lei da Assembleia da República - nos termos da alínea g) do artº 167 da Constituição - que, no caso vertente, não existia.
- A interpretação das disposições legais referidas feita pela entidade recorrida é, assim, inconstitucional, na medida em que admite poderem levar à revogação do principio constante do nº 2 do artigo 62 da Constituição, sem uma Lei da Assembleia da República que, nos termos da alínea g) do artigo 167, seria indispensável para, no âmbito dos artigos 82 nº 2 e 85 nº 3, fazer funcionar a ressalva prevista no nº 2 do artigo 62º".
Nas suas alegações complementares, a recorrente continua a ressalvar novas alegações por desconhecer o processo instrutor, mantém as suas anteriores conclusões por ter havido a «apropriação para o sector público empresarial de uma sociedade privada», como afirma o Ministro do Comércio e Turismo, o que é verdadeiro e deve ser anulado porque desrespeitou os direitos da recorrente e demais accionistas, garantida pela Constituição.
Após a junção aos autos do processo instrutor, com alegações complementares, a recorrente concluiu: «Veio assim, através do processo instrutor a confirmar-se o desvio de poder que o Governo já admitira no documento junto a fl. 53 do processo de recurso e que agora se invoca, em reforço do já alegado, para pedir, subsidiariamente, a anulação do acto recorrido por desvio de poder, na medida em que o processo de intervenção visou a apropriação para o sector público do controlo da B..., S. A. R. L., que se consumou pela resolução recorrida, contra os fins para os quais a faculdade de intervenção foi legalmente conferida, como resulta expressamente do Decreto-Lei n.º 660/74, de 25 de Novembro, do Decreto-Lei n.º 422/76, de 29 de Maio - onde se estabelece que "a intervenção do Estado nas empresas privadas [...] não pode transformar-se, na prática, num processo indirecto de nacionalizações" - e, ainda, do Decreto-Lei n.º 907/76, de 31 de Dezembro, onde igualmente se afirma que as intervenções do Estado não devem "transformar-se em processos indirectos de nacionalização"».
Contra-alegou o recorrido particular, dizendo que as medidas consignadas na resolução recorrida tem apoio factual bastante nos antecedentes processuais e se alicerçou juridicamente na legislação - Decreto-Lei n.º 660/74, de 25 de Novembro; Decreto-Lei n.º 222-B/75, de 12 de Maio; Decreto-Lei n.º 597/75, de 28 de Outubro; Decreto-Lei n.º 631/75, de 14 de Novembro; Decreto-Lei n.º 422/76, de 29 de Maio; Decreto-Lei n.º 543/76, de 11 de Junho; Decreto-Lei n.º 907/76, de 31 de Dezembro; Decreto-Lei n.º 370/77, de 5 de Setembro; Decreto-Lei n.º 68/78, de 5 de Abril, e Decreto-Lei n.º 74-B/79, de 5 de Abril.
Relativamente ao desvio de poder invocado, diz que a recorrente perdeu oportunidade de o invocar, uma vez que quando apresentou as alegações pela primeira vez já estava informada do documento de fl. 53 que ela própria juntou.
Os poderes utilizados foram-no para prosseguir o interesse público a seu cargo. Todavia, não é legítimo invocar o desvio de poder, uma vez que a autoridade recorrida agiu no uso de competência vinculada e não no exercício de poderes discricionários.
Pelo acórdão de fls. 116, a subsecção concedeu provimento ao recurso e anulou o acto recorrido, com fundamento na violação dos arts. 62º e 82º da Constituição, recusando a aplicação do art. 23º do Dec-Lei nº 422/76, de 29.5.
Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional pelo Ministério Público, e para o Pleno da Secção pelo recorrido particular C.... Ambos foram admitidos, mas considerou-se depois interrompido este último, face à interposição do primeiro.
A fls. 199 foi proferido acórdão desatendendo reclamação para a conferência de despacho do relator que havia indeferido pedido de aclaração de despacho do relator a considerar interrompido aquele recurso para o Pleno.
Através do requerimento de fls. 212, .... e outros, invocando a sua qualidade de accionistas da B..., vieram deduzir incidente de intervenção principal, ao que se opuseram a recorrente, o recorrido particular e a entidade recorrida.
No acórdão de fls. 332, decidiu-se não tomar conhecimento desse pedido.
Subindo o recurso do acórdão de fls. 116 ao Tribunal Constitucional, veio este a julgar não ser inconstitucional a norma do art. 20º, nº 1, do Dec-Lei nº 422/76, de 29.5, na redacção do Dec.-Lei nº 543/76, de 10.7, no segmento objecto da recusa de aplicação pelo tribunal recorrido, pelo que concedeu provimento ao recurso e determinou, em consequência, a reformulação da decisão impugnada em conformidade com o julgamento de não inconstitucionalidade (fls. 389, completado a fls. 458 com acórdão proferido sobre arguição de nulidades).
Pelo acórdão de fls. 480, foi decidido indeferir o pedido de intervenção deduzido pelos requerentes. Esta decisão foi depois impugnada em recurso para o Pleno da Secção, que, pelo seu acórdão de fls. 116 do volume de agravo em separado, lhe negou provimento, confirmando o acórdão da subsecção. Entretanto, porém, os autos ficaram a aguardar a decisão deste recurso.
Finalmente, pelo despacho de fls. 511, e após ter sido facultado o contraditório ao C..., recorrente jurisdicional para o Pleno do primeiro acórdão (de fls. 116), deu-se sem efeito esse recurso, porquanto, apesar de o mesmo ter sido oportunamente admitido, foi entretanto provido o recurso para o Tribunal Constitucional interposto do mesmo acórdão, que terá agora de ser reformulado de acordo com o julgamento de não inconstitucionalidade.
O Ministério Público é de parecer que o recurso não merece provimento.
O processo foi aos vistos legais, cumprindo decidir.
- II - Com relevância para a decisão a proferir, dá-se como provada a seguinte matéria de facto:
-
Dá-se como reproduzido o conteúdo da nota de 8.4.76 sobre as alterações feitas na proposta de intervenção do Governo nos .... (fls. 30 do instrutor), bem como a "proposta", da mesma data e não assinada, de Resolução do Conselho de Ministros (fls. 32) e a "proposta" de idêntica resolução, também não assinada, de dia indeterminado de Abril de 1976 .
b) Pela Resolução do Conselho de Ministros de 30.4.76, publicada no D.R., I série, nº 114, de 15.5.76 o Governo determinou a intervenção do Estado na B...
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