Acórdão nº 047525 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Janeiro de 2002

Magistrado ResponsávelJOÃO BELCHIOR
Data da Resolução29 de Janeiro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I.

RELATÓRIO A..., com os sinais dos autos, recorre do acórdão proferido no Tribunal Central Administrativo (TCA) que negou provimento ao recurso contencioso para ali interposto do despacho de 21/JAN/96 (A.C.I.) do Ministro da Administração Interna (E.R.) que determinou a sua dispensa de serviço.

Na sua alegação de recurso os recorrentes formularam as seguintes CONCLUSÕES: 1. O douto despacho recorrido fundamentou a dispensa de serviço do Recorrente nas normas do n° 4 do art.º 94 do DL 231/93 de 26/6 e do n° 3 do art.º 75 do DL 265/93 de 31/7.

  1. Tais diplomas estão feridos de inconstitucionalidade orgânica, em virtude de o Governo ter legislado com competência legislativa originária e não ter sido autorizado a fazê-lo pela Assembleia da República, em matéria de sua reserva relativa de competência legislativa. (alíneas b), d) e v) do n° I do art.º 168° da CRP).

  2. O Recorrente é um agente militarizado integrado na força de segurança G.N.R..

  3. Só com a recentíssima publicação da notável Lei 145/99 de 1 de Setembro passou o Recorrente a estar sujeito a um regulamento disciplinar constante de diploma próprio, tal como já anteriormente acontecia para os militares, para os funcionário públicos e para os agentes militarizados da força de segurança P.S.P ..

  4. A medida sancionatória que resultar de um processo disciplinar ou do processo próprio de dispensa de serviço é, pela sua própria natureza, sempre uma sanção de natureza estatutária, e porque em ambos os casos é afectada a carreira profissional e a situação funcional do militar, modificando-a em prejuízo do agente.

  5. O processo próprio de dispensa de serviço, por visar a aplicação de uma sanção estatutária, tem a natureza de um processo sancionatório tal como o processo disciplinar, por visar a aplicação de uma pena, tem também a natureza de um processo sancionatório.

  6. O facto da sanção de dispensa de serviço prevista no n° 2 do art.º 94 do DL 231/93 de 26 de Junho (LOGNR) ter a natureza de sanção estatutária não lhe retira o carácter de pena disciplinar e isto porque a sanção estatutária denominada "dispensa de serviço" constitui, tal como a pena disciplinar expulsiva, uma sanção estatutária expulsiva, não constituindo, enquanto tal, um género próprio, autónomo e distinto da pena disciplinar .

  7. Os referidos DL 231/93 (LOGNR) e 265/93 (EMGNR) são alegadamente resultado do exercício da função legislativa do Governo nos termos da alínea a) do n° 1 do art.º 201° da CRP ("Fazer decretos-lei em matéria não reservada à Assembleia da República), como deles expressamente consta.

  8. E de ambos estes diplomas consta inegavelmente abundante matéria respeitante a direitos e garantias, ao regime estatutário geral e regime disciplinar dos agentes militarizados da GNR (vg., alíneas a), b) e c) do n° 7 e n° 8 do art. 39°, e artºs 92°,93° e 94°, todos da LOGNR - e artºs 2°, 5°, 6°, 7°, 8°, 9°, 10°, 11°, 14°, 15°, 19°,22° e 75° do EMGNR).

  9. Tais normativos (direitos, liberdades e garantias, regime disciplinar e regime da função pública) constituem matéria de reserva relativa de competência da Assembleia da República, como tal consignadas nas alíneas b ), d) e v) do n° 1 do art.º 168° da CRP.

  10. A reserva de competência legislativa da Assembleia da República nesta matéria vale não apenas para as restrições mas também para toda a intervenção legislativa no âmbito dos direitos, liberdades e garantias (vd. artºs do Título II da parte I, n.º 8 (actual 19 do art.º 32.º da CRP, e - Vital Moreira - CRP anotada, 3.ª Edição - pág. 672).

  11. Igualmente, implicando a sanção de "dispensa de serviço" o termo da manutenção funcional, o "despedimento" do Recorrente, atinge irremediavelmente o seu direito à segurança no emprego consagrado no art.º 53.º da CRP.

  12. Por outro lado, no respeitante às alíneas d) e v) do art.º 168.º da C.R.P. cabe à Assembleia da República definir a natureza do ilícito e os tipos de sanções e as regras gerais do processo disciplinar relativos a todos os ordenamentos sectoriais públicos ou de carácter público, em cujo âmbito, no mínimo, se inclui a força de segurança GNR ( cf. n° 4 do art.º 272.° - Título IX - Administração Pública, da C.R.P .).

  13. Assim, o acto impugnado, ao ter fundamentado a "dispensa de serviço" aplicada ao Recorrente nos artºs 75° do EMGNR e 94° -1, 2 e 4 da LOGNR, fundamentou-se em normas formal e organicamente inconstitucionais, por as mesmas respeitarem a direitos e garantias fundamentais, ao regime geral de punição de infracções disciplinares e bases do regime e âmbito da função pública, matérias de reserva relativa da Assembleia da República - alíneas b ), d) e v) do art.º 168° da C.RP. (3.ª Revisão) - o que inquina o acto recorrido de vício de violação de lei.

  14. O Governo legislador do EMGNR e da LOGNR quis prever um processo sancionatório e uma medida sancionatória com CARACTERÍSTICAS INOVADORAS, fazendo-o de uma forma subreptícia e ilegal ao redifinir a natureza do ilícito, definir o tipo de sanção e as regras gerais de outro tipo de processo - o processo próprio de dispensa de serviço.

  15. Mesmo que erroneamente se entendesse que de mera repetição e transcrição se tratara, sempre importaria saber se os diplomas, onde tal matéria tinha sido já anteriormente regulada e que em 1993 teriam sido "copiados", tinham sido proferidos pelas entidades com competência legislativa para os proferir, pois, o vício no caso inverso de incompetência originária contaminaria os diplomas que posteriormente os tenham vindo a acolher.

  16. O Governo não só inovou legislativamente em relação às normas constantes dos DL 333/83, 465/77 e 142/77, como também estes primeiros dois diplomas ora referidos foram decretados sem a indispensável autorização da Assembleia da República nos termos da CRP então vigente (1982).

  17. Hoje em dia, no fundamental, não existe nenhuma diferença significativa, nem quanto à sua missão nem quanto à sua tutela, entre a força de segurança GNR e a força de segurança PSP ( estas sim, distintas na missão - vd. art.º 275° da CRP - e na tutela, das Forças Armadas).

  18. E o que se constata, é que tanto para o comum trabalhador privado, como para o funcionário público em geral, como ainda também para o agente militarizado membro da força de segurança PSP, a ruptura do vínculo de emprego, fundada em justa causa, sempre se decide após a verificação e comprovação desta ser invariável e imperativamente apurada em sede de processo disciplinar integralmente assegurador das garantias de defesa do arguido.

  19. No entender do Recorrente não existe uma só razão distinta ou argumento plausível que justifique e legitime poder ter sido, como foi, decidida a ruptura do vínculo de emprego através da originalíssima dispensa de serviço, processo inexistente, ao invés do processo disciplinar, nos restantes casos supra indicados.

  20. A indevida sujeição dos membros da GNR à medida estatutária de dispensa de serviço constitui notória violação daquele requisito e dos princípios constitucionais da proibição do excesso e da salvaguarda do núcleo...

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