Acórdão nº 734/06.6TBA de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Junho de 2011
Magistrado Responsável | SERRA BAPTISTA |
Data da Resolução | 30 de Junho de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB, pedindo a sua condenação a: a) ver declarado o seu (dele) incumprimento do contrato de arrendamento celebrado com a autora; b) proceder à restituição do montante de € 4 400, correspondente às rendas que a autora suportou; c) pagar à autora o valor de € 57 787 correspondente às obras por ela suportadas e que se integram na fracção do réu, bem como, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, o montante de € 5 000; d) pagar juros, à taxa legal supletiva para dívidas comerciais, sobre as quantias em dívida, desde a citação até integral liquidação.
Alegando, para tanto, e em suma: Celebrou, em 25/2/2005, com o réu, um contrato de arrendamento para comércio, pela renda mensal de € 550, de uma loja, num prédio submetido ao regime da propriedade horizontal, destinada ao exercício da actividade de restauração.
Tendo em vista a instalação do seu estabelecimento de restauração, realizou obras no locado, à sua conta, com consentimento do réu, tendo despendido nelas valor não inferior a € 57 787.
Iniciada a exploração do seu estabelecimento, em 9 de Maio de 2005, logo surgiram diversos problemas junto dos demais condóminos do edifício, relacionados com os cheiros das gorduras e fumos da exaustão da cozinha, já que a dita loja não havia sido concebida para o ramo da restauração.
Alertado o réu, para solucionar o problema, nada fez.
Pelo que a autora, em Outubro de 2005, viu-se obrigada a encerrar o estabelecimento.
Do que deu conhecimento ao réu.
Tendo de se instalar em novo local, suportando renda mensal superior (€ 800).
A situação criada e que melhor descreve na sua p. i., gerada pela deficiência do sistema de exaustão, as queixas dos condóminos, a suspensão de refeições que, por vezes, era obrigada a efectuar e a mudança de instalações, deixou a autora bastante consternada, desgostosa e com crises de ansiedade.
Ao não ter assegurado à autora o gozo do locado, deve o réu restituir-lhe o montante das rendas pagas.
Citado o réu, veio contestar e reconvir, alegando, também em síntese: À data do arrendamento, a fracção jamais havia sido utilizada para qualquer fim, tendo sido acordado com a autora que ela realizaria todas as obras necessárias à instalação do seu estabelecimento de restauração, só podendo alterar a estrutura do prédio, com o consentimento expresso do réu.
A autora realizou as obras como bem quis, sem solicitar qualquer licenciamento municipal.
O que originou que, contra ela, em 29/3/2005, fosse elaborado um auto de notícia.
Apresentou, então, a autora processo para execução de obras, continuando a realizar estas sem qualquer decisão a propósito.
Tendo aberto o estabelecimento, em 9/5/2005, sem licença municipal.
Alertado pela autora quanto aos problemas surgidos com os demais condóminos, contactou o réu com a empresa construtora/vendedora do imóvel, que o informou não existir qualquer deficiência na conduta de exaustão, não tendo a autora efectuado as obras necessárias à instalação do equipamento devido.
Tendo o réu disso dado conhecimento à autora, ficou convicto que o problema estaria resolvido.
A autora encerrou o estabelecimento porque se desinteressou do arrendado, sem que o réu tivesse, por qualquer modo, incumprido o contrato.
A autora não paga rendas desde 13/9/2005, tendo-lhe o réu movido o processo que corre termos sob o nº 816/06.4TBALB.
A autora mantém-se na posse do arrendado.
Pedindo, em reconvenção, a condenação da autora a pagar-lhe: a) a quantia de € 9 900 referente às rendas vencidas de Novembro de 2005 a Outubro de 2006, no valor de € 6 600, acrescido de 50% pela mora. Reduzindo este pedido para € 6 600 caso o efectuado no processo nº 816/06.4TBALB seja procedente; b) as rendas vincendas; c) a quantia de € 22 500, a título de prejuízos causados pelas obras realizadas na fracção, para as quais a autora não tinha licenciamento nem consentimento do réu/reconvinte, que alteraram a estrutura do mesmo.
Mais requerendo a intervenção provocada acessória de CC, Lda e de DD.
Já que, a haver defeito na fracção, o mesmo é da responsabilidade dos intervenientes, tendo o réu direito de regresso quanto a eles caso fique vencido nesta acção.
Replicou a autora, mantendo, no fundo, a sua versão dos factos.
Há litispendência, cuja excepção arguiu, face à repetição desta causa em face do aludido processo nº 816/06.4TBALB.
Foi admitida a intervenção requerida.
Respondeu o réu, à excepção da litispendência pela autora arguida.
Os intervenientes apresentaram articulado autónomo, negando qualquer defeito da fracção projectada para comércio, que necessitava, para o exercício do ramo da restauração, de obras licenciadas e de instalação de equipamento apropriado.
Respondeu-lhes a autora.
O mesmo tendo feito o réu.
Foi determinada a apensação aos autos do aludido processo nº 816/06.4TBALB.
Foi proferido despacho saneador, que considerou, alem do mais, prejudicado o conhecimento da arguida excepção da litispendência, face à apensação ordenada.
Foram fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.
Realizado o julgamento, decidiu-se a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls 677 a 693 consta.
Foi proferida a sentença, na qual se decidiu: I – processo ordinário nº 734/06.6TBALB.
a) julgar a acção improcedente, por não provada, absolvendo-se o réu do pedido; b) julgar a reconvenção parcialmente procedente, condenando-se a autora no pagamento ao réu das rendas mensais vencidas desde Março de 2006 a Outubro de 2006, à razão mensal de € 550, no montante de € 4 400, acrescido do montante de 50%, o que perfaz o valor total de € 6 000 e no pagamento das rendas vencidas desde Novembro de 2006, inclusive, e vincendas, à razão de € 550 por mês.
II – acção especial apensa nº 734/06.6TBALB-A Julgar a acção procedente, por provada, condenando-se a aí ré AA a pagar ao autor as rendas mensais vencidas desde Novembro de 2005 a Fevereiro de 2006, à razão mensal de € 550, no valor global de € 2 200, acrescido da indemnização de 50%, no valor total de € 3 300.
Inconformada, veio a autora e ré na acção especial, cuja apensação foi oportunamente ordenada, interpor recurso per saltum para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - As condições essenciais do contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e o Réu BB, são as constantes do documento de fls. dos Autos, datado de 25/02/2005, nomeadamente as que constam das suas cláusulas Primeira, Segunda, Terceira e Quinta, condições estas que, aliás, foram levadas aos factos provados (1) e (2) ... Ou seja, que "A loja objecto do arrendamento destinava-se a ser afecta ao comércio, sendo que a Autora apenas a poderia utilizar para o comércio de restauração, sendo este o fim do contrato", 2ª – Sobre o locador impendem duas obrigações principais: em primeiro lugar, a de entregar ao locatário a coisa; segundo, o locador tem por obrigação assegurar ao locatário o gozo da coisa locada, tendo em conta o fim a que ela se destina (art. 1031 ° do C. C. ) ... A obrigação de entrega da coisa locada está associada com o dever de assegurar o gozo da coisa (art. 1031.°, al. b) do CC). Destas obrigações que impendem sobre o locador advêm, em especial, três deveres principais... Primeiro, sobre o locador recai o dever de entregar o bem sem vícios de direito nem defeitos que obstem à realização cabal do fim a que a coisa se destina. À imagem do que ocorre em sede de compra e venda (arts 905° e ss., 913° e ss. do C.C.), há uma equiparação entre os regimes dos vícios de direito e dos defeitos da coisa ... Segundo, o locador deverá abster-se de actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa ... Terceiro, o locador está adstrito a realizar as reparações necessárias e pagar as despesas imprescindíveis à boa conservação da coisa.
3ª - A coisa entregue (locado) não pode ter vícios de direito (art. 1034° do CC), por exemplo, direitos de terceiro que impeçam o seu normal uso, nem defeitos (art. 1032° do CC) que obstem à realização do fim a que se destina... Nestes últimos se incluindo a falta de qualidades asseguradas (art. 1034° n°. 1 al. c) do CC).
4ª - A isenção de vícios de direito e defeitos da coisa deve verificar-se tanto à data da celebração do contrato, como no momento em que a coisa é entregue... Para além disto, esta regra prevista nos arts. 1032° e 1034° do CC vale ainda relativamente aos vícios de direito e defeitos da coisa supervenientes. Dito de outro modo, torna-se necessário que a coisa não padeça de vícios de direito nem de defeitos no momento em que é celebrado o contrato, bem como no momento em que a coisa é entregue... Por outro lado, se na vigência do contrato, supervenientemente, surgirem vícios de direito ou defeitos da coisa, tais situações podem também estar abrangidas no regime dos arts. 1032° e 1034° do CC.
5ª - Quando o direito do locador não possui os atributos que assegurou ao locatário, o art. 1034° do CC manda aplicar o art. 1032° ... Uma vez que a Autora fica privada do estabelecimento (nº 2 do art. 1034°), não ocorrendo, como não ocorreu na nossa hipótese, as excepções do art. 1033°, o contrato considera-se como não cumprido por parte do locador, o que acarreta, face ao disposto no art. 798° do CC, responsabilidade pelos prejuízos sofridos pelo locatário, a fixar em dinheiro, nos termos do art. 566°, todos do CC (cf. neste sentido Ac. RP de 21/01/1999: CJ 1999, l° - 195; Ac. STJ de 7/12/1989: BMJ, 392° - 453; Ac. STJ de 06/05/1982: BMJ, 317° - 239).
6ª - O regime previsto nos arts. 1032º e 1034º do C. C. enquadra-se na figura geral do cumprimento defeituoso das obrigações... Assim sendo, em tais casos vale a presunção de culpa, nos termos do art. 799° n°. 1 do C. C.; presume-se que o locador tem culpa sempre que a coisa locada apresente vícios de direito ou defeitos ... Se a coisa apresentar vício ou defeito, o...
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