Acórdão nº 1705/08.3TBGDM.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução30 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA, L.da instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 61.741,46 €, acrescida de juros vencidos e vincendos, ascendendo os juros vencidos, à data da petição inicial, a 1.129,21 €.

A autora alegou, em síntese, que a ré contratou consigo a compra de uma máquina de corte e embalagem de produtos de panificação, da marca PS MAKO, tendo sido necessário recorrer a mão-de-obra especializada, para a colocação, montagem e instalação da máquina nas instalações da ré, a qual não pagou à autora as verbas de 239,58 €, a título de deslocação para colocação da máquina, de 179,08 €, a título de mão-de-obra para a montagem da mesma máquina, e de 61.322,80 €, a título do preço da máquina.

Contestando, concluiu a ré que a acção devia improceder, por não provada, devendo, por isso, ser absolvida do pedido, alegando, em síntese, que, em Novembro de 2007, a autora procedeu à montagem, nas instalações da ré, de uma máquina de corte e embalagem de produtos de panificação, muito embora a ré não tivesse encomendado tal máquina à autora, nem com ela tivesse contratado a sua aquisição, sabendo a autora, quando deixou a máquina nas instalações da ré, que esta a não queria comprar. Com efeito, a autora emprestou a máquina à ré e fê-lo, na sequência do não funcionamento de uma outra máquina de corte e embalagem de produtos de panificação que a ré adquirira, em Maio de 2007, por intermédio da autora, à empresa alemã PS MAKO GMBH, pelo preço de 176.593,50 €, sendo a autora representante daquela marca, em Portugal.

Logo após a instalação, a primeira máquina não cortava, conforme contratado, o pão com as características do pão que a ré produz, desfazendo-o, pelo que a ré reclamou junto da autora e da empresa alemã.

Entretanto e porque a ré ficou impossibilitada de utilizar a primeira máquina, a autora cedeu-lhe, enquanto resolvia a situação com a PS MAKO GMBH, a máquina objecto dos presentes autos, a qual é de modelo distinto da primeira máquina, tendo a autora ainda dito à ré que, caso a segunda máquina não estragasse o pão, poderia substituir a primeira máquina, com a inerente redução do preço.

A autora, reconhecendo que a ré não lhe encomendou nem contratou a segunda máquina, já lhe comunicou, por carta de 7/02/2008, que, caso a ré não pretendesse adquiri-la ou fazê-la adquirir por terceiros, para indicar a data em que a autora a poderia levantar. A ré não se recusou a entregar a máquina à autora, mas fez depender a sua entrega da resolução do problema com a primeira máquina, o qual se mantém.

Posteriormente, a ré já autorizou a autora a levantar a máquina, o que esta não fez.

Na réplica, a autora reduziu o pedido de juros na verba de 239,58 € e no mais concluiu como na petição inicial, alegando, na parte desse articulado que veio a ser admitida, que, após a propositura da acção, a ré pagou a verba de 239,58 €, a qual vinha enunciada numa das três facturas invocadas na petição inicial, verba essa que deve ser reduzida aos juros reclamados.

No despacho saneador, não se admitiram as alegações da réplica na parte em que excediam a alegação de recebimento da verba de 239,58 €, declarando-se a extinção parcial da instância na parte correspondente a esses 239,58 €, por inutilidade da lide.

A decisão de não se admitir as alegações da autora que contrariam as circunstâncias de excepção enunciadas pela ré na contestação e o facto de as próprias circunstâncias de excepção enunciadas pela ré não terem sido levadas à base instrutória não foi objecto de recurso por qualquer uma das partes.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de 179,08 €, acrescida de juros de mora, contados à taxa supletiva dos juros comerciais, desde 2/12/2007 até integral reembolso. Julgou-se a acção improcedente na parte restante.

Inconformada, apelou a autora para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 8/07/2010, julgou procedente a apelação, revogando a sentença na parte em que absolveu a ré e declarou a acção totalmente procedente, condenando a ré a pagar à autora a quantia de 61.501,88 €, a que acrescem juros: a) – Sobre a parcela de 179,08 €, os juros são calculados, desde 2/12/2007 até 31/12/2007, à taxa anual de 11,07%; desde 1/01/2008 até 30/06/2008, à taxa anual de 11,20%; desde 1/07/2008 até 31/12/2008, à taxa anual de 11,07%; desde 1/01/2009 até 30/06/2009, à taxa anual de 9,50% e desde 1/07/2009 até integral pagamento, à taxa anual que resulta do disposto no ponto 1º da Portaria 597/2005 de 19 de Julho.

  1. - Sobre a parcela de 61.322,80 €, os juros são calculados, desde 22/02/2008 até 30/6/2008, à taxa anual de 11,20%; desde 1/07/2008 até 31/12/2008, à taxa anual de 11,07%; desde 1/01/2009 até 30/6/2009, à taxa anual de 9,50% e desde 1/07/2009 até integral pagamento à taxa anual que resulta do disposto no ponto 1 da Portaria 597/2005 de 19 de Julho.

Inconformada, recorreu a ré, formulando as seguintes conclusões: 1ª - O acervo dos factos provados é insuficiente para que se possa caracterizar a relação jurídica como venda a contento, prevista no artigo 923º do CC.

  1. - Ainda que assim se não considerasse, a recepção e utilização da máquina no processo de fabrico jamais poderiam, atentas as circunstâncias concretas do caso, designadamente o facto do director de produção ser, simultaneamente, sócio da autora, valer como declaração tácita de confirmação dos actos do director de produção.

  2. - Na concreta situação em que se encontrava, mercê do facto do representante da ré ser, simultaneamente, seu sócio, a recepção e utilização da máquina por parte da ré não podia, com toda a probabilidade, ser entendida pela autora como confirmação dos actos do representante.

  3. - Por não ter havido ratificação dos actos do seu director de produção, o alegado negócio sempre seria ineficaz relativamente à ré por força do disposto no artigo 268º n.º 1 do CC.

  4. - A guia de transporte apenas assume função contratual, na medida em que expressa as condições do contrato de transporte, não valendo como proposta negocial.

  5. - Um declaratário normalmente diligente e esclarecido não atribuiria à guia de transporte emitida pela autora a natureza de proposta contratual susceptível de definir o contrato final que vigoraria após o decurso de um mês.

  6. - Acresce que, por não conter o preço, nem o mesmo ter sido objecto de qualquer acordo entre as partes, a guia de transporte emitida pela autora sempre teria de considerar-se incompleta e imprecisa e, por conseguinte, ineficaz enquanto proposta contratual.

  7. - Ao facto de não ter declarado não aceitar a proposta nem devolvido o equipamento durante o período de experiência de um mês não pode ser atribuído o valor de declaração de aceitação previsto no n.º 2 do artigo 923º do CC.

  8. - E a utilização da máquina para além do período de um mês também não permite, com a probabilidade exigida pelo artigo 217º, n.º 2, CC, concluir pela firme intenção da ré em adquirir a máquina.

  9. - Apenas está provado que a máquina foi colocada nas instalações da ré à experiência por um mês e não, conforme assente no Acórdão recorrido, que a mesma tenha sido utilizada “pelo menos até 12/03/2008”.

  10. - Acresce que a autora permitiu a utilização da máquina à experiência, para além do prazo consignado na guia de transporte, retirando ao silêncio da ré, findo o mesmo, o efeito cominativo decorrente do nº 2 do artigo 923º CC.

  11. - A utilização da máquina por parte da ré, para além do referido período de experiência, tão-pouco pode valer como declaração tácita de aceitação, porquanto acompanhada de actos que revelam, de forma inequívoca, a intenção de não aquisição da mesma.

  12. - O teor das cartas de 4/02/2008 e de 2/02/2008 e a devolução da factura pró-forma n.º 9 e da factura n.º 96 constituem “facta concludentia” da rejeição da proposta da autora, sendo incompatíveis com a declaração tácita de aceitação da mesma.

  13. - O facto de a autora ainda questionar a ré, em Fevereiro de 2008, sobre se queria ou não adquirir a máquina, revela que a autora não quis atribuir, nem atribuiu à sua utilização até àquela data o sentido de aceitação da proposta.

  14. - Acresce que, ao declarar à ré a sua intenção de proceder ao levantamento da máquina no dia 14/03/2008, a autora manifestou a intenção de revogar a sua proposta.

  15. - Pelo que, jamais poderia o Tribunal a quo ter dado como verificada a aceitação por parte da ré e, consequentemente, perfeito o negócio.

  16. - O Tribunal a quo decidiu, com base em factos não provados, atribuindo a outros um efeito que a própria autora afastou expressamente.

  17. - Por ter sido julgado não provado que “autora e ré acordaram que as facturas referidas na alínea D) se venceriam na data da sua emissão”, não poderia o TRP ter condenado a recorrente no pagamento de juros sobre a factura n.º 96 desde o dia seguinte ao da sua emissão.

  18. - Ao decidir, como decidiu, violou o disposto nos artigos 923º, n.º 2, 217º, 218º, 224º e 232º, todos do Código Civil.

    A autora contra – alegou, formulando as seguintes conclusões: 1ª - O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto corrigiu (notoriamente bem) o facto de, em primeira instância, se ter interpretado erroneamente ou ter...

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