Acórdão nº 0268/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução28 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

Relatório 1.1 Recurso da sentença final B…, LDA., por não se conformar com a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou improcedente a acção administrativa comum, sob a forma ordinária, por si intentada contra o Estado Português, para efectivação de responsabilidade civil extra-contratual pela “prática de actos administrativos ilícitos”, recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: A - DA OFENSA DO CASO JULGADO DO AC. STA, DE 1993.11.18 1ª O douto Acórdão deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo, de 1993.11.18, decidiu com trânsito em julgado anular o despacho do SEALOT, de 1990.05.11, com fundamento em erro nos pressupostos de direito, reconhecendo a sua manifesta ilegalidade – cfr.

texto nºs. 1 a 5; 2ª A douta sentença recorrida, ao decidir que o referido aresto não é "suficiente para se nele fundar um juízo de ilicitude", desrespeitou frontalmente o decidido com trânsito em julgado (v. arts. 671º e segs. do CPC), tanto mais que o erro nos pressupostos de direito consubstancia vício de violação de lei - ilegalidade de natureza material, reportada à própria substância, conteúdo, pressupostos ou objecto do acto administrativo - e não mero vício de forma (v. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, p.p. 383 e Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. l, p.p. 501 e segs.; cfr.. entre outros, Ac. STA de 2010.12.16, Proc. 0396/10, www.dgsi.pt)- cfr. texto nºs.1 a 5; B – DO ÂMBITO MATERIAL DOS DIREITOS DA ORA RECORRENTE 3ª. A ora recorrente era - e é - titular do Alvará de Licença n.º 3380, emitido pela Câmara Municipal de Cascais, em 1989.10.19, que licenciou a construção de "um prédio com 8 fogos sito na Galiza lote n.º 2 “ (v. al. 5 dos FA) - cfr.

texto nºs. 6 a 10; 4ª. O referido acto administrativo assume claramente natureza constitutiva de direitos (v. art. 266° da CRP; cfr. art. 3° do CPA), sendo a ora recorrente titular de direitos adquiridos e interesses legalmente protegidos relativamente à construção do prédio em causa (v. art. 13° do DL 166/70, de 15 de Abril, art. 29°/3 do DL 448/91, de 29 de Novembro e arts. 18° e segs. e 77° do DL 555/99, de 16 de Dezembro) – cfr.

texto nºs. 6 a 10; 5ª. O Estado Português violou frontalmente os direitos de propriedade e de iniciativa económica da ora recorrente, maxime o seu direito de construir o prédio em causa, titulado pelo Alvará de Licença n.º 3380 (v. arts. 20°, 61º e 62° da CRP) – cfr.

texto nºs. 6 a 10; C – DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL 6ª. Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, a ora recorrente tem direito a ser ressarcida pelos danos emergentes e lucros cessantes resultantes das actuações ilícitas do Estado Português, no âmbito do instituto da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, cujos pressupostos se encontram previstos no art. 22° da CRP, no DL 48051/67 e nos arts. 483° e segs. e 562º e segs. do Código Civil (cfr. Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro) - cfr.

texto nºs. 11 e 12; 7º. No caso sub judice verificam-se os pressupostos da responsabilidade extracontratual do ora recorrido - facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade - cfr.

texto nº s . 11 e 12; CA – Da ilicitude 8º. O douto Acórdão deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo, de 1993.05.18, transitado em julgado, que reconheceu a ilegalidade do despacho do SEALOT, de 1990.05.11, com fundamento em erro nos pressupostos de direito, "é suficiente para se nele fundar um juízo de ilicitude", pois "a ilicitude do acto administrativo coincide com a sua ilegalidade" (v. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, p.p. 398 e segs.) – cfr.

texto nºs. 13 a 15; 9º. Os actos proferidos no procedimento administrativo que culminou com a ordem de embargo e demolição sub judice violaram frontalmente os direitos fundamentais da ora recorrente, maxime os seus direitos de propriedade e de iniciativa económica concretizados pelo Alvará de Licença n.º 3380, que lhe conferiu o poder de construir o prédio em causa (v. n.º 5 dos FA) – cfr.

texto nº 16; 10º. É manifesto que se verificam in casu os pressupostos da indemnização por violação dos princípios da confiança e da boa-fé, pois: - É manifesta a existência de uma situação de confiança, gerada pelo licenciamento do prédio da ora recorrente; - É inquestionável, em face da matéria dos autos, a justificação da situação de confiança na qual a ora recorrente se encontrava investida; - Todas as acções respeitantes à construção do edifício configuram um investimento de confiança; - A situação de confiança fundada e o investimento respectivo são imputáveis à actuação das entidades públicas que intervieram na aprovação e licenciamento do edifício da ora recorrente – cfr.

texto nºs. 17 e 18; 11º. As ordens de embargo e demolição da construção da ora recorrente são assim claramente ilícitas, tendo a douta sentença recorrida violado frontalmente o disposto no art. 22° da CRP, nos art. 483º e segs. e 562° e segs. do C. Civil e no art. 2° do DL 48051, de 1967.11.21 (v. Ac. STA de 2006.03.14, Proc. 1794/02) - cfr.

texto nºs. 13 a 18; CB – Da culpa 12°. A culpa dos órgãos e serviços do Estado Português resulta desde logo da ilicitude do despacho do Senhor SEALOT, de 1990.05.11, que ordenou o embargo e demolição da construção do prédio em causa, pois "na responsabilidade civil extracontratual da Administração pela prática culposa de actos ilícitos, a culpa diluí-se na ilicitude" (v. Acs. STA de 2005.11.23, Proc. 648/05, www.dgsi.pt) cfr.

texto nºs. 20 a 22; 13°. Além disso, os órgãos e serviços do Estado Português não agiram com a diligência exigível face às circunstâncias em que ocorreram as actuações ilícitas sub judice (v. art. 266° da CRP; cfr. art. 3º do CPA), pelo que a sua culpa é inquestionável: - Os referidos actos paralisaram durante oito anos a construção de um edifício que a ora recorrente estava a executar de acordo com os licenciamentos que lhe foram concedidos pelas entidades públicas competentes (v. n.º s 5 e 9 dos FA), causando-lhe os extensos prejuízos que foram invocados e provados na presente acção (v. art. 22° da CRP): - Foram desrespeitados ostensivamente os actos constitutivos de direitos de que a ora recorrente era titular, nomeadamente os actos de licenciamento da operação de loteamento e da construção e os deferimentos tácitos das consultas realizadas pela CMC à DGOT e à CCRLVT; - À data da prática do acto anulado – 1990.05.11 – já tinha sido proferida abundante jurisprudência deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo relativamente à questão da forma e condição de eficácia dos actos em causa (v., por todos, Ac. STA de 1988.04.12, Proc. 022665, www.dgsi.pt); - Pela Portaria nº. 89/97, de 5 de Fevereiro, publicada no Diário da República, I Série – B, p.p. 629, o próprio Senhor SEALOT, no exercício de competências delegadas, ratificou o Plano de Pormenor da Galiza, que fixou os parâmetros urbanísticos para o terreno da ora recorrente, permitindo-se a conclusão da construção que foi objecto de ordem de embargo e demolição – cfr.

texto nºs. 23 a 25; CC – Dos danos 14º. Em consequência das actuações ilícitas do Estado Português, verificaram-se diversos prejuízos na esfera jurídica da ora, consubstanciados em danos emergentes, bem como em lucros cessantes, decorrentes da impossibilidade de reinvestimento na sua actividade dos lucros resultantes da comercialização do seu empreendimento, em condições normais de mercado (v. art. 564° do C.Civil) – cfr.

texto n º s . 26 a 31; CD – Do nexo de causalidade 15º. Os prejuízos suportados pela ora recorrente são consequência directa e imediata das actuações ilícitas do Estado Português, existindo assim nexo de causalidade (v. arts. 562° e segs. do C. Civil) – cfr.

texto nºs. 32 a 36 .

NESTES TERMOS, Deverá ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se ou revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

Em sede de contra-alegações o R. Estado Português, representado pelo Ministério Público, sustentou a manutenção da decisão recorrida, alegando o seguinte: 1. Não existe qualquer decisão dos Tribunais Administrativos (no caso, do Supremo Tribunal Administrativo), definitiva e transitada em julgado, que tenha julgado ilegal o acto em apreciação nos autos.

  1. Falece, por esta via, a pretensão da Agravante de ver a ilegalidade do acto erigida a pressuposto assente e indiscutível em sede de decisão jurisdicional definitiva.

  2. Esse pressuposto, pura e simplesmente, não existe, pelo que bem entendeu o Tribunal a quo que havia que indagar do pressuposto da ilicitude, para efeitos de responsabilidade, no âmbito destes autos.

  3. Não se conformando a obra com o Plano de Urbanização da Costa do Sol, na data do embargo, era lícito ao Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território praticar o acto sindicado, tal como o fez, nos termos do artigo 6.° do Decreto-Lei n.º 37251, de 4 de Novembro de 1946, não tendo, por isso, sido violados os direitos de propriedade, de iniciativa económica ou de construção do prédio em causa, da Agravante.

  4. Não caracteriza facto ilícito gerador de responsabilidade civil, por não consubstanciar a violação dos princípios da boa-fé ou da protecção da confiança, a simples existência de um licenciamento construtivo, cuja obra foi posteriormente embargada por manifesta violação dos condicionalismos previstos na Zona HE do Plano de Urbanização da Costa do Sol.

  5. Desde logo, porque não existiu, por parte da Administração Central, a criação de qualquer clima potencialmente gerador de confiança e, muito menos, confiança legítima – ou seja, em conformidade com a lei - no sentido de que a Recorrente tinha direito à edificação da construção, nos termos pretendidos.

  6. O que se verificou foi um licenciamento inicial que não...

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