Acórdão nº 07375/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução30 de Junho de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou no T.A.C. de Lisboa um processo especial urgente (com o nº 998/10) (Lei n.º 4/83 de 2 de Abril, alterada pela Lei 28/83 e pela Lei 25/95; Lei 27/96 de 1.8; e arts. 99º-2-3, 144º, 146º e 147º CPTA) contra GRAÇA ……………., Vogal do Conselho Directivo da UMIC – Agência para a Sociedade do Conhecimento, I.P., com domicílio profissional em Taguspark, Av. Prof. Doutor Cavaco Silva, Edifício Qualidade B2-3ª, Porto Salvo, pedindo que seja declarada a demissão da demandada do cargo de vogal do Conselho Directivo da UMIC – Agência para a Sociedade do Conhecimento, I.P.

Após a contestação e as alegações escritas, por decisão do T.A.C. citado foi a referida acção julgada improcedente.

Inconformado, o autor deduziu o presente recurso de apelação, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1. Certamente por lapso, olvidou a decisão a quo a inclusão nos "Factos Assentes" do termo de posse da Ré - documento autêntico - datado de 5 de Maio de 2007, com efeitos reportados a 1 de Maio de 2007, documento n. 1, junto com a petição inicial.

  1. Tal documento autêntico - e os factos plenamente provados com o mesmo - deverá(ão), contudo, ser incluído(s) entre os factos assentes na decisão em crise, nos termos do art. 712°, 1, alínea a) do Código de Processo Civil.

  2. Salvo tal questão, o presente recurso é restrito à matéria de Direito, considerando-se assentes os factos provados na decisão a quo, baseados em exclusivo na prova documental junta pelas partes.

  3. A vogal demandada, membro do conselho directivo da UMIC - Agência para a Sociedade Conhecimento, I P, apesar de pessoalmente notificada pelo Tribunal Constitucional para entregar a declaração do seu património e rendimentos, com a advertência das consequências resultantes do seu incumprimento, não a entregou nesse prazo, nem invocou factos justificativos, devidamente comprovados e concretizados, ou qualquer outra causa de exclusão da culpa, de forma a impedir a sua sujeição à sanção de demissão.

  4. Com efeito, os motivos invocados na telecópia que a Demandada dirigiu ao Ministério público junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, apenas no dia em que foi proposta a acção de demissão (transcrita na Alínea H), dos Factos Assentes), não estão minimamente provados e documentados, não devendo por tal facto ser atendidos, como foram pelo tribunal.

  5. Outrossim, a alegação do "exercício zeloso das funções" ou de "questões familiares e de saúde", sem a mínima concretização de factos, é meramente conclusiva, não devendo pois ser considerada pelo tribunal - vide António Santos Abrantes Geraldes, "Temas da Reforma Processo Civil", II volume, pág. 148, 3a edição revista e actualizada, Almedina.

  6. Contrariamente ao defendido na decisão ora sindicada, a remessa posterior da declaração não "sana" o não envio atempado; é que, visando-se o controle da riqueza dos titulares de cargos desde o início do mandato até ao seu final, tal desiderato apenas se alcança com o conhecimento, nessas fases, dessa riqueza.

  7. Tal obrigação legal tem um prazo de 60 dias para ser cumprida, contado da data do inicio do exercício das respectivas funções, acrescido de um prazo de 30 dias, após notificação expressa efectuada para o efeito e com a advertência das consequências resultantes do seu incumprimento, o que constitui, aliás, um elemento do tipo do ilícito em causa.

  8. Assim, o incumprimento culposo inserto na letra da lei refere-se à (não) apresentação atempada da declaração.

  9. Se assim não fosse, nem se perceberia a necessidade de estabelecer prazos, nem a obrigatoriedade da notificação, bastando referir-se que a declaração teria de ser apresentada no decurso do mandato e até ao final deste; 11. Tendo em conta os princípios interpretativos previstos no artigo 9° do Código Civil, maxime, a necessidade de ponderar a "ratio legis" e as condições específicas do tempo em que a lei é aplicada, não basta a mera apresentação da declaração, mas antes se impõe a sua apresentação dentro dos prazos legais, sob pena de demissão, sanção legalmente exigível e proporcional à falta cometida, se, culposamente, não respeitar os referidos prazos.

  10. A interpretação efectuada pelo tribunal a quo não ponderou a "ratio legis", isto é, a finalidade da lei, nem as condições específicas do tempo em que é aplicada, conforme preceitua o artigo 9° do Código Civil.

  11. Com efeito, está na ordem do dia e é premente a necessidade de controlo da riqueza dos titulares de cargos políticos e equiparados, com vista à prevenção e repressão de criminalidade que lhes é específica, designadamente, a corrupção. (Vide o "pacote anti-corrupção" publicado em Diário da República, a 2 e 3 de Setembro de 2010, incluindo, por exemplo, a 5ª alteração à lei de controle público de riqueza dos titulares de cargos políticos; cf. o sítio dgpj.mj.pt e, v.g., a Lei n. 34/87, de 16/07, alterada pela Lei n. 41/10, de 3/09; ver "Petição Pública" para a incriminação do enriquecimento ilícito, no jornal "Correio da Manhã", de 02/01/11, etc...).

  12. Este sentir profundo da sociedade portuguesa, com evidente reflexo político e legislativo, não poderia deixar de ser sopesado na decisão em análise.

  13. Diversamente do sustentado na decisão em crise, a apresentação da "Declaração de rendimentos e Património" depois de findo o prazo fixado pelo Tribunal Constitucional e depois da instauração da acção de perda de mandato, posto que no dia seguinte à sua propositura, mas só depois de ter tido conhecimento de que a mesma ia ser instaurada, configura culpa grave que importa a demissão da Ré.

  14. Desta feita, ao decidir que a demandada agiu apenas com culpa leve ao entregar a declaração em apreço já depois da propositura da acção de demissão - rejeitando concomitantemente a aplicação desta sanção, numa interpretação restritiva que olvida a ratio legis, sem cuidar do tempo de aplicação da lei - violou o tribunal a quo o artigo 3° da Lei n. 4/83, na redacção da Lei n. 25/95, de 18/08, em termos que deixam seriamente comprometida ou esvaziada a sua eficácia.

  15. Ao declarar improcedente a acção, com a referida fundamentação, violou a decisão recorrida, designadamente, o art. 3° n. 1, art. 2 n. 3, ambos da Lei n. 4/83, na redacção da Lei n. 25/95, e o art. 9° do Código Civil.

  16. Destarte, deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que determine a demissão da demandada, vogal da UMIC - Agência para a Sociedade do Conhecimento, I.P.

    A ré apresentou contra-alegações, AMPLIANDO O OBJECTO DO RECURSO e CONCLUINDO ASSIM: 1. A Recorrida Graça ………, nos presentes autos, alegou, na sua contestação, a existência de uma excepção de inutilidade superveniente da lide, para conhecer da questão trazida ao conhecimento do tribunal a quo pelo ora Recorrente.

  17. O Tribunal Central Administrativo Sul proferiu despacho, nos termos do qual e em síntese, decidiu não conhecer do objecto do Recurso, considerando que a decisão interlocutória posta em crise não decidiu o mérito da causa e, nesse sentido, não integrava a previsão da norma constante do artigo 691.º, n.º 2 al. h) do CPC, devendo, portanto, subir a final.

  18. As presentes alegações de Recurso são o primeiro momento processual em que a ora Recorrida encontra legitimidade para recorrer do referido despacho.

  19. Neste sentido, o Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 22 Nov. 2006, Processo 06S1542, onde claramente é afirmada a possibilidade do Recorrido, como parte vencedora, ampliar o âmbito do recurso: " Decorre deste último normativo que a parte vencedora não tem legitimidade para recorrer. E tal entendimento abrange igualmente o caso de a parte ter saído vencedora quanto à decisão, mas vencida em algum ou alguns dos fundamentos da acção ou da defesa, na medida em que neste último caso ela - a parte - não perde a qualidade de vencedora. Ora, para estes casos, em que a parte vencedora não viu acolhidos todos os fundamentos, e na impossibilidade de recorrer, o artigo 684. º-A do CPC veio permitir que ela, a título subsidiário, "provoque" nova discussão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT