Acórdão nº 0339/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução21 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

1.1. A…, interpôs no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa dois recursos contenciosos de anulação de dois despachos do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais, ambos de 7-02-2003, proferidos no processo de demolição n.º 98/00.

O primeiro recurso respeita a despacho sobre requerimento de 6.8.2002, despacho em que, no essencial, não se defere pedido de arquivamento do processo de demolição; o segundo recurso respeita ao despacho que ordenou a demolição.

1.2. O segundo recurso foi apensado ao primeiro.

1.3. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra negou provimento aos recursos.

1.4. Inconformada, A… vem recorrer jurisdicionalmente, concluindo nas suas alegações: «I. Desde logo, é de realçar que praticamente todas as questões conhecidas pelo Tribunal a quo foram apreciadas e decididas praticamente em remissão para a posição da Entidade Recorrida, sendo em alguns (poucos) casos por transcrição de arestos desse Supremo Tribunal, com a fundamentação de “não se vislumbra” ou “não se vislumbrando”, o que não é a forma mais adequada de dar cumprimento ao dever de fundamentação das sentenças, consagrado, designadamente, no art. 205º da Lei Fundamental, e nos arts. 158º (neste caso específico, determinando o seu n° 2 que “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição”), e 659º, ambos do CPC.

ii. A decisão sobre a matéria de facto enferma de imprecisões, nuns casos, e de ilegalidade, noutros casos.

iii. É ilegal - à luz do disposto nas normas conjugadas dos arts. 511º, n° 1, e 659º, n° 2, ambos do CPC e aqui aplicáveis mutatis mutandis -, a sentença na parte que respeita à decisão sobre a matéria de facto, na medida em que não deu como provados os factos alegados pela Recorrente acima referidos no n° 5, documentalmente demonstrados alguns e nenhum deles impugnado pela Entidade Recorrida, por serem relevantes para a decisão da questão controvertida.

iv. A sentença, sob o título “Vícios do Acto: Violação dos Princípios da Boa Fé e da Imparcialidade”, faz-se uma apreciação da argumentação da A. e da Entidade Demandada, restringindo claramente a apreciação ao Princípio da Boa Fé, não se pronunciando, de todo, sobre a questão da violação do princípio da Imparcialidade.

v. Nessa conformidade, a sentença recorrida enferma de nulidade, por força do disposto no art. 668º, n° 1, al. d), do CPC, devendo, pois, ser declarada nula.

vi. Acresce aos vícios da sentença a errada aplicação do Direito ao caso concreto.

vii. Atenta a data dos factos, o regime jurídico aplicável é o constante do DL n° 445/91, de 20NOV (c/redacção dada pelo DL n° 250/94, de 15OUT), e não o do DL n° 555/99, de 16DEZ.

viii. Não obstante a Recorrente ter indicado, minuciosamente, as razões de facto e direito que estiveram subjacentes à montagem do pavilhão prefabricado e que, segundo crê, tornam ilegal qualquer actuação camarária que vá no sentido da demolição e/ou exigibilidade de licenciamento, o Recorrido limita-se a meras conclusões não fundamentadas, não fazendo uma só referência às disposições — legais ou regulamentares, designadamente do PDM -, que, segundo a autoridade recorrida, impedirão que se evite a demolição.

ix. A sentença recorrida manteve integralmente o acto recorrido, decidindo contra os vícios imputados pela Recorrente, um por um, pela adesão quase sempre sem reservas às teses da Entidade Recorrida.

x. Por esta razão, a sentença recorrida viola cada uma das disposições invocadas pela Recorrente na medida em que mantém o acto cujos vícios, crê a Recorrente, se encontram devidamente elencados e arguida a sua ilegalidade.

xi. Os princípios da Boa Fé e da Imparcialidade são princípios constitucionais reguladores da actividade administrativa e da actuação dos órgãos da Administração, consagrados nos arts. 2º e 266º, no 2, da CRP, assim como nos arts. 6º e 6°-A, do CPA.

xii. A Administração não ponderou os factos trazidos ao processo e os interesses em causa posto que se limitou a concluir, sem apreciar a argumentação expendida pela Recorrente.

xiii. O acto recorrido não contém qualquer exame crítico dos argumentos explanados pela Recorrente, limitando-se a estribar-se em “frases feitas”.

xiv. O acto recorrido é ilegal por violação dos princípios da boa fé e da imparcialidade, consagrados designadamente no art. 266º da Lei Fundamental e nos arts. 6º (imparcialidade) e 6°-A (boa fé), os quais foram também violados na sentença recorrida.

xv. A fundamentação expendida pelo Tribunal é um “nada jurídico” em termos de fundamentação de sentença quando está em causa a apreciação da suscitada questão da violação dos princípios da boa fé e da imparcialidade, quer dizer coisa absolutamente nenhuma.

xvi. A interpretação dos arts. 6° e 6°-A do CPA com o sentido de permitir que a Entidade Recorrida não tenha que apreciar criticamente os argumentos trazidos ao processo pelo particular enferma de inconstitucionalidade por violação do art. 266°, n° 2, da CRP.

xvii. A não ponderação das razões de facto e de direito aduzidas pela Recorrente nas suas várias intervenções processuais, mormente no requerimento n° 7.090, implica o desrespeito do Princípio da Participação, constitucionalmente consagrado no art. 267º, densificado nos arts. 8°, 100° e 105° do CPA.

xviii. O exercício do direito de audiência prévia origina na esfera da Administração a obrigação de ponderar aquilo que de novo o interessado trouxe para o processo — principalmente em sede de esclarecimentos complementares solicitados pela própria Administração, sob pena de, também aqui, a audiência prévia se tornar numa formalidade sem qualquer sentido útil, assim esvaziando o conteúdo essencial de um direito fundamental.

xix. Ao não revelar qualquer ponderação dos argumentos trazidos pela Recorrente, a decisão foi tomada sem a ponderação de todos os interesses relevantes no contexto.

xx. A Recorrente interveio várias no processo mas para pedir que lhe fosse permitido explicitar as suas razões e, quando tal lhe foi permitido, as mesmas não foram tidas minimamente em consideração.

xxi. E, pior que isso, foi proferida a decisão sem lhe ser permitido, em audiência prévia, pronunciar-se sobre o projecto de decisão, pois que, a verificar-se, certamente seria suscitada a questão de a fundamentação carecer dos elementos necessários.

xxii.

O acto é inválido, por violação do Princípio da Participação, consagrado no art. 267° da CRP, e nos arts. 8°, 100º e 105° do CPA, e a sentença recorrida, na medida em que confirmou o acto, também o é, por violação daqueles preceitos normativos.

xxiii. A interpretação dos arts. 8°, 100° e 105° do CPA com o sentido de permitir que a Entidade Recorrida não tenha que apreciar criticamente os argumentos trazidos ao processo pelo particular enferma de inconstitucionalidade por violação do art. 267° da CRP.

xxiv. Não só pelas razões já expendidas, mas também por violar o Princípio da Proporcionalidade, constitucionalmente consagrado nos arts. 2º, 18º e 266º, no 2, da CRP, assim como no art. 5º do CPA, o acto é inválido e como tal deve ser reconhecido e declarado, com as legais consequências.

xxv. No caso específico de construções erigidas sem prévio licenciamento, é jurisprudência pacífica que a Administração não pode, sem mais, ordenar a demolição, devendo outrossim avaliar da possibilidade de legalização, e só em caso de impossibilidade legal é que, depois de devidamente fundamentada tal impossibilidade, poderá ordenar-se a demolição.

xxvi. No caso vertente, sem fundamentar (de forma juridicamente aceitável), o Recorrido sustenta que “só há que proferir decisão final ordenando a demolição”, sem que antes pondere casuisticamente os valores em presença ou demonstre, sequer, as razões da “insusceptibilidade de licenciamento da construção”.

xxvii. O acto recorrido enferma do vício da violação do princípio da proporcionalidade, cominado com a sua invalidade, e a sentença recorrida, na medida em que confirma aquele, enferma igualmente da violação dos arts. 2º, 18º e 266º, n° 2, da CRP, assim como do art. 5º do CPA.

xxviii. A interpretação do art. 5° do CPA com o sentido de permitir que a Entidade Recorrida não tenha que permitir ao particular, antes de proferida decisão final, tentar legalizar a construção edificada, mesmo que este lhe solicite prazo para o efeito, enferma de inconstitucionalidade por violação dos arts. 2°, 18° e 266º, n° 2, da CRP.

xxix. Por força do disposto nos arts. 124º e 125º do CPA resulta a manifesta falta de fundamentação do acto recorrido, decorrente da insuficiente e/ou obscura argumentação expendida, na medida em que não são minimamente especificadas as razões de facto e de direito que conduzem à decisão de indeferimento.

xxx. O Tribunal, uma vez mais, na onda da Entidade Recorrida, acompanha a sua argumentação, dizendo que a Recorrente “bem conhece o entendimento e fundamentos daquela para ter decidido o que decidiu, em face do que se considera que a fundamentação aduzida se mostra suficiente para percepcionar o seu sentido, objectivo e justificação, de facto e de direito” xxxi. A Entidade Recorrida não diz porque é que aquela obra tem que ser objecto de licenciamento municipal, porque é que é insusceptível de licenciamento, em que medida viola o PDM (de facto e de Direito), porque é que a demolição não pode ser evitada.

xxxii. O acto recorrido enferma, pois, de um flagrante vício de falta de fundamentação, que, no caso vertente, é cominado com a sua anulabilidade e a sentença recorrida, na medida em que o confirma, enferma igualmente da violação dos arts. 124° e 125° do CPA.

xxxiii. A interpretação dos arts. 124° e 125° do CPA com o sentido de permitir que a Entidade Recorrida possa decidir contra a pretensão do particular com base em meras afirmações conclusivas sem especificar as razões de facto e de Direito, enferma de inconstitucionalidade por violação do art. 268°, no 3, da CRP.

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