Acórdão nº 893/09.6TAMGR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Junho de 2011
Magistrado Responsável | MOURAZ LOPES |
Data da Resolução | 15 de Junho de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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RELATÓRIO.
Nos presentes autos, após acusação do Ministério Público, o arguido CS... foi absolvido, por sentença de 26 de Janeiro de 2011 como autor de um crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução, p.p. pelo artigo 360º n.º 1 do Código Penal.
Não se conformando com a decisão o Ministério Público veio dela recorrer.
Nas suas alegações o recorrente conclui a sua motivação nos seguintes termos: 1. O Ministério Público vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que decidiu absolver o arguido CS... da prática de um crime de falsidade de testemunho, que lhe vinha imputado ao abrigo do disposto no art. 360°, n° 1, do CP.
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Da fundamentação da matéria de facto não consta como facto provado, nem como facto não provado, um dos factos descritos na acusação: que o arguido, ao prestar as aludidas declarações, sabia que faltava à verdade, contudo e apesar de saber que estava obrigado a falar com verdade e de saber que praticava um crime ao mentir, perante autoridade policial, em diligência de inquérito, o arguido não se demoveu de o fazer, o que quis e conseguiu 3. Ao não ser dado como provado, nem como não provado, o facto indicado na conclusão anterior, a sentença proferida nos autos padece da nulidade prevista no art. 379º, n° 1, ai c), do CPP, que expressamente se invoca.
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Por outro lado, não poderia o Tribunal a quo entender, em primeiro lugar, que o arguido não prestou declarações como testemunha, para, em segundo lugar, considerar que o OPC deveria, na sequência da sua inquirição nessa qualidade, constituí- lo arguido, o que, a verificar-se na decisão, configura uma contradição na fundamentação, que é insanável nos termos do art. 4100, n° 2, al. b), do CPP.
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A contradição está no ponto em que o Tribunal recorrido, num primeiro momento, considera que as declarações prestadas pelo aqui arguido não poderiam integrar o ilícito previsto no art. 360°, n° 1, do CP, para, num segundo momento, entender que essas mesmas declarações, caso tivesse sido dado cumprimento ao preceituado no art. 59°, n° 1, do CPP, não constituiriam qualquer ilícito.
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Não se impunha ao OPC — que recolheu as declarações do aqui arguido — proceder, naquele acto, à sua constituição nessa qualidade.
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Analisando o teor de fis. 88 a 190 verificamos que, somente em 26 de Janeiro de 2007 passa a existir inquérito (cfr. fis. 89), ou seja, à data das declarações prestadas pelo arguido, 10 de Janeiro de 2007 não existia o NUIPC l/07.8PDLRA.
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São as declarações do arguido de fis. 92 e as declarações de MM... de fis. 93 que constituem a “notícia do crime” e com base nas quais o OPC elabora a participação de fls.89, que dá por sua vez origem ao inquérito n° 1/07.8PDLRA.
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Por isso, não poderia o OPC, em 10 de Janeiro de 2010 quando o arguido presta declarações na PSP da Marinha Grande (fis. 92) — data em que ainda não existia, sequer, inquérito — constituí-lo e interrogá-lo como arguido.
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Os factos em causa integram o crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256°, n° 1, al. d), do CP, e não o crime de falsidade de depoimento, previsto no art. 360°, n° 1, do CP.
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Nesta conformidade, em função da prova constante dos autos e da produzida em audiência de julgamento, deveria o Tribunal a quo ter dado como provados com relevância para a decisão a proferir, entre o mais, os seguinte factos: • No dia 10 de Janeiro de 2007, o arguido CS... prestou declarações na esquadra da PSP da Marinha Grande.
• Nestas circunstâncias, o arguido declarou ter comprado a MM... duas espingardas de caça, pelo preço de 15,00 euros cada, sendo uma delas da marca Liegeois, calibre 16, n° 29692, livrete F82834.
• Mais afirmou que as não registou em seu nome e que, contrário do era verdade e que fez constar desse auto já as havia destruído totalmente, lançando-as para a fogueira, não sendo possível a sua recuperação com o que restou delas.
• No decurso da investigação no inquérito no 812/06.1GAMMV, a arma da marca Liegeois, foi em 13 de Abril de 2007 apreendida na posse de AP....
• Realizada perícia à mencionada arma, concluiu-se que a mesma se encontrava em boas condições de funcionamento.
• O arguido sabia que as declarações por si prestadas e subscritas não correspondiam totalmente à verdade uma vez que não havia destruído as armas lançando-as para a fogueira, o que fez com o intuito de alcançar um beneficio ilegítimo, que se traduziu em ficar na posse dessas armas sem que as mesmas ficassem registadas em seu nome, o que quis e conseguiu.
• O arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
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Atendendo a que os factos supra enunciados seriam susceptíveis de integrar a prática de crime diverso, o que dita a agravação da moldura penal abstracta da pena, ao abrigo do art. l ai. f), do CPP, está em causa uma alteração substancial dos factos vertidos na acusação.
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Como tal alteração não poderia ser tomada em consideração para efeitos de condenação, a não ser que se mostrassem verificados os pressupostos vertidos no art. 359°, n° 3, do CPP, impunha-se dar cumprimento ao preceituado neste artigo.
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Uma vez que tal não sucedeu, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 256°, n° 1, ai. d), do CP e, bem assim, o art. 3590, nos i e 3 do CPP.
O arguido não respondeu sendo que o Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação apenas apôs um «visto».
* II.
FUNDAMENTAÇÂO As questões que importa decidir, face às conclusões efectuadas pelo recorrente na sua motivação são identificadas nas (i) nulidade da sentença, (ii) inexistência de crime e (iii) da alteração dos factos.
* Importa antes de mais atentar na matéria de facto dada como provada pelo Tribunal: II - FUNDAMENTAÇÃO A) Factos provados: Observado o legal formalismo procedeu-se a julgamento na presença do arguido e, com relevo para a decisão da causa, provaram-se os seguintes factos: 1- No dia 10 de Janeiro de 2007 o aqui arguido prestou declarações no âmbito do processo nº 01/07.8PDLRA, na esquadra da PSP da Marinha Grande.
2- Ao lhe ser perguntado, o aqui arguido declarou ter comprado a MM... duas espingardas de caça, pelo valor de 15 euros cada, sendo uma delas de marca Liegeois, calibre 16, nº 29692, livrete nº F82834.
3- Mais afirmou que as não registou em seu nome e que já as havia destruído totalmente, lançando-as para a fogueira não sendo possível a sua recuperação com o que restou delas.
4- No decurso da investigação no inquérito 812/06.1GAMMV, a arma especificadamente referida em 2, foi apreendida em 13 de Abril de 2007 na posse de AP....
5- Inquirido no âmbito do inquérito referido em 4, MM…, esclareceu que vendeu a referida arma ao arguido, em Dezembro de 2006 pelo preço de 15 euros.
6- Realizada perícia à mencionada arma, conclui-se que aquela se encontrava em boas condições de funcionamento.
7- O arguido agiu livre deliberada e conscientemente.
Mais se provou: 8- No âmbito do processo referido em 1, o aqui arguido foi ali julgado e absolvido pelo crime de detenção de...
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