Acórdão nº 01064/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução07 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO B…, SA e C… e outro, com os sinais dos autos, vieram interpor recurso para este STA da sentença do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida a fls. 695 e segs dos autos, que julgou parcialmente procedente a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, emergente de acidente de viação, e condenou a Ré B… a pagar aos AA a indemnização global de € 212.040,00, sendo € 142.040,00, a título de danos patrimoniais e € 70.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos pelos AA, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal, desde a citação até efectivo pagamento.

Recurso da Ré B..: A recorrente B… terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. Nos autos a aqui Ré reclamou da Base Instrutória, entendendo que a matéria constante dos artigos 9º a 19º, 25º a 29º e 31º da sua contestação de fls…, era essencial, fundamental e determinante para a descoberta da verdade e porque era controvertida deveria ser levada à Base Instrutória.

  1. Se tal matéria fosse quesitada e objecto de prova, necessariamente outra seria a decisão do Tribunal.

  2. Aliás, a Ré, no seu requerimento de prova de folhas, requereu PROVA PERICIAL “às condições da estrada, drenagem e valetas para prova do alegado nos artº 11º a 14º da contestação e para a hipótese de ser atendida a reclamação que a Ré irá efectuar da B.I”.

  3. Tal prova pericial, conduziria necessariamente à conclusão de que no local do acidente e na hemi-faixa da esquerda, não se poderia formar lençol de água, atenta a inclinação da estrada.

  4. E por outro lado, caso tivesse sido quesitada a matéria dos artigos 14º, 15º e 16º da contestação, necessariamente a resposta era positiva e não apenas se responderia “não provado” à matéria dos artº23º a 27º da Base Instrutória.

  5. Como igualmente se provaria que na altura do acidente “chovia torrencialmente” e foi nessas circunstâncias de intempérie que o condutor ultrapassou o veículo pesado.

  6. Assim se haveria de responder afirmativamente à matéria dos artº17º, 18º e 19º da contestação, o que até se alcança da motivação das respostas à matéria de facto, referindo as testemunhas, a tal propósito, “a chuva intensa”, “água projectada pelas rodas do camião”, “ intensa chuva”.

  7. Assim, o despacho de fls…., que indeferiu a reclamação sobre a Base Instrutória viola, entre outros, os artigos 3ºA, 511º, 512º, 513º, 515º, 568º, entre outros, todos do CPC, o que influiu decisivamente na sorte da acção.

  8. Das respostas às alíneas J), L) e M) da Base Instrutória, resulta que o infeliz condutor do … perdeu o controlo do veículo quando transitando na faixa da esquerda, em ultrapassagem ao pesado de mercadorias e depois da ultrapassagem entrou no lençol de água, mantendo-se na faixa esquerda, quando afinal na resposta à alínea R), isso parece ser na hemi-faixa da rodagem direita. As respostas são assim ambíguas e contraditórias.

  9. O acidente é da única e exclusiva responsabilidade do condutor do … que ultrapassava o veículo pesado, de grandes dimensões, circulando entre um separador de betão e tal pesado, com chuva intensa, com os seus vários rodados a levantar água, fumo e chuva, circulando portanto assim emparedado a velocidade superior a 90 km/hora como resulta do seu tacógrafo junto aos autos.

  10. E é sabido, é cientificamente demonstrado que para se ultrapassar um veículo a 90km/hora, num espaço de cerca de 100 a 200 metros a velocidade tem necessariamente de se aproximar ou ser superior a 120/130km/hora.

  11. O infeliz condutor tinha sinalização que lhe indicava a existência de um “ entroncamento”, “ fim de auto-estrada”, “ limite de velocidade 80”, entre outros e tudo ignorou sendo que o artº24º do Código da Estrada à data vigente estabelecia que “O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições atmosféricas,…” e no artº25º também do Código da Estrada que “deve ser especialmente moderada (alínea f) “nos entroncamentos” e sobretudo na alínea h) “Nos troços de via em mau estado, molhados, enlameados ou que ofereçam precárias condições de aderência ou visibilidade”. Tudo isto o infeliz condutor ignorou e daí foi o único e exclusivo responsável pelo acidente.

  12. Entendimento este também perfilhado pelo Exmo. Magistrado do MP e por igualmente a vítima circular em excesso de velocidade à luz das regras dos artº24º, nº1 e 25º, nº1 h) do Código da Estrada e em violação da regra de proibição de ultrapassagem que, no caso concreto, se lhe impunha por força da norma do artº41º,nº1, f) do mesmo Código.

  13. Os AA alegaram que o … transitava a uma velocidade moderada, cerca de 80/90km/hora. Tal matéria não foi provada, embora se saiba que seguia a uma velocidade superior.

  14. Por outro lado, ignora-se, porque igualmente não foi alegado, se o condutor do … o conduzia com atenção e cuidado, no fundo não se sabe qual a sua prática de condução.

  15. Importa, sobretudo, pesar também (declarações da testemunha especialista na matéria, Engº. D…, que isso referiu) que a simples acumulação de água no pavimento proveniente da chuva com aquela intensidade (chuva intensa) deixam um coeficiente de atrito estático quase nulo para uma velocidade superior a 90 km/hora.

  16. Não é lícito concluir, como se decidiu na resposta à matéria da alínea U) da Base Instrutória, que outros acidentes ocorridos no mesmo dia e no dia seguinte, foi coincidência directa do lençol de água referido nos autos.

  17. Aliás tal quesito, tal resposta deve ser considerada não escrita, por conclusiva e logo porque não houve contraditório sobre a causa desses acidentes, sendo temerário e ilegal afirmar-se que foram “consequência directa” do lençol de água, violando a sentença assim também o disposto no artº3º-A do CPC.

  18. O lençol de água desses outros acidentes não é o mesmo dos autos, como se vê dos documentos, participações policiais de folhas 445, 447 e 454 a 456 dos autos, em que se sustenta a fundamentação da decisão de facto dessa matéria dada como provada.

  19. Por um lado, a Ré recorrente viu-se impedida de poder provar que o estado da estrada em causa era vigiada e regularmente acompanhada pelos seus serviços e que só uma anormal e imprevisível chuvada formou aquele lençol de água onde ocorreu o acidente.

  20. E que apesar de terem sido tomadas todas as medidas para o evitar, este sempre ocorreria, como ocorreu por qualquer outra causa, no caso, o excesso de velocidade e a temerária e proibida ultrapassagem naquelas particulares circunstâncias de chuva intensa e de fraca visibilidade.

  21. Os elementos factuais acima referidos, só por si, não nos permitem concluir que foi o lençol de água que motivou o acidente dos autos. Aliás, é evidente e notório que muitas foram as viaturas que ali circulavam sem se despistarem.

  22. Da matéria provada não se alcança qual era a prática do condutor do veículo, mormente, a que velocidade conduzia o veículo, se ia com atenção ao trânsito, à chuva intensa, aos obstáculos, à sinalização existente, etc… 24. Não é indiferente à averiguação da culpa no acidente dos autos a viatura circular a 120 km/hora ou a 90 km/hora, distraída, sem atenção, tanto mais que chovia, havia água no pavimento e a visibilidade era fraca.

  23. É sabido que da acumulação de água da chuva no pavimento pode resultar um coeficiente de atrito estático quase nulo.

  24. A presunção de culpa não se repercute sobre o ónus da prova do nexo de causalidade (Pleno- Acord. De 27.04.99 e de 29.04.98, nos recursos 41712 e 36463).

  25. Não se pode presumir o nexo causal, porque isso não tem suporte legal.

  26. Como vem sendo decidido pelo STA, não há o dever de indemnizar por ausência de nexo causal entre o facto ilícito e o dano, quando se não possa concluir - como aconteceu no caso presente – em face da prova coligida, que o acidente não teria ocorrido se não fosse aquele lençol de água.

  27. Na verdade, ponderando os elementos probatórios dos autos constantes, sempre seria tão legítimo admitir que foi o alegado lençol de água – o que não se aceita, mas se está a admitir por hipótese de raciocínio – que constitui causa adequada do acidente, como a imperícia do infeliz condutor do veículo em causa, a velocidade, a ultrapassagem, etc., naquela estrada de pouca visibilidade, com forte chuva, circulando a mais de 90 km/hora (o que perante tal falta de visibilidade é exageradíssimo), que afinal constituíram aquela ligação positiva entre a lesão e o dano verificado.

  28. Ou seja, não se demonstrou, como seria mister que fosse feito, para os Autores da acção lograrem êxito, que nas descritas circunstâncias, foi aquele facto, aquele lençol de água que deu causa à produção do acidente.

  29. Como afinal se não comprovou a verificação do pressuposto de responsabilidade civil extracontratual, nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano ocorrido, haverá que concluir-se que não existe o dever de indemnizar da Ré.

  30. A presunção de culpa não se repercute sobre o ónus da prova do nexo de causalidade, entendido como relação de causa/efeito, de ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a lesão (cfr. artº 563º do CC).

  31. Ainda que assim se não entendesse, o que apenas por dever de patrocínio se concede, e na esteira do defendido pelo Ilustre Magistrado do MP, sempre, pelo menos, haveria de se dar cumprimento ao disposto no artº570º do CC, segundo o qual quando um facto culposo do lesado tiver concorrido com a produção dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade de ambas as culpas e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

  32. Tendo em conta que a conduta do infeliz condutor também contribuiu para a produção dos danos e considerando que a gravidade da...

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