Acórdão nº 533/09.3 JAAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução01 de Junho de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1.

OF...

, já com os demais sinais nos autos, foi submetido a julgamento, sob a aludida forma de processo comum colectivo, porquanto acusado pelo Ministério Público da prática de factualidade [fls. 408/413] que, eventualmente, o instituiria na prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de roubo previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal; de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido através das disposições conjugadas dos artigos 22.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 23.º, n.ºs 1 e 2, 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 223.º, n.º 1, todos do mesmo diploma substantivo; e, por fim, de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo citado artigo 210.º, mas seus n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), ainda desse conjunto de normas, bem como ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 19 de Março.

Realizado o contraditório, além do mais por ora irrelevante, decidiu-se: - Absolver tal arguido da prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 [factos descritos em I)] e de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 23.º, n.ºs 1 e 2, 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 223.º, n.º 1, todos já citados [factos descritos em II)].

- Condenar o mesmo arguido, como autor material de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), do mesmo Código, e ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 19 de Março, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa por igual período.

Suspensão, porém, acompanhada de regime de prova, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social [artigo 53.º, n.º 2 do Código Penal], ficando o arguido obrigado a responder a todas as convocatórias que para o efeito lhe vierem a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social [seu artigo 54.º, n.º 2, alínea a)], bem como, a cumprir o plano de reinserção social que vier a ser traçado.

1.2. Desavindo tão-somente com o segmento da decisão que decretou a absolvição do arguido pela prática tentada do ilícito de extorsão, recorre o Ministério Público, extraindo do correspectivo requerimento a seguinte ordem de conclusões: 1.2.1. Existiu erro de julgamento quando se deram como não provados os seguintes factos: “c) - Que tenha sido o arguido o indivíduo que praticou os factos descritos em II) – 1. a 4.

  1. - Que o arguido tenha, em diversos dias anteriores vigiado as rotinas diárias da ofendida BC... e que tenha sido ele a redigir o documento mencionado em II) – 2.

  2. - Que o indivíduo mencionado em II) – 1. e 2., após colocar o manuscrito por baixo da porta, tenha feito sinal à ofendida para que lesse aquele escrito e que, depois, se tenha afastado da porta, ficando a observá-la sem ser por ela visto.

    ” 1.2.2. Isto porquanto não se conforma o recorrente com a forma como foi apreciado o depoimento da ofendida BC...; com a valoração da prova constante do documento de fls. 616 e do relatório pericial de fls. 741 e seguintes, nem, ainda, com a valoração da restante prova junta aos autos, nomeadamente do reconhecimento pessoal do arguido feito pela ofendida.

    1.2.3. Em audiência, a ofendida BC... prestou um depoimento claro e objectivo, referindo, sem qualquer margem para dúvidas, ter sido o arguido quem praticou a extorsão tentada descrita na acusação e reconheceu o escrito de fls. 616 como sendo o usado pelo arguido.

    1.2.4. A única nota do seu depoimento que pode ter feito incorrer o Tribunal em erro de julgamento é o facto desta se apresentar a depor muito amedrontada, de tal modo que pediu para ser ouvida na ausência do arguido e referiu ainda que já fora ameaçada quer pelo arguido, quer por familiares, pessoal e telefonicamente e, por causa disso, até andava a receber apoio psicológico e havia mudado de local de trabalho.

    1.2.5. Mas, questionada pelo recorrente, ela foi clara no sentido de afirmar que nunca teve quaisquer dúvidas no reconhecimento pessoal do arguido, que fizera em fase de inquérito, bem como não tem qualquer dúvida ter sido ele quem lhe apareceu à porta da loja dos CTT, exibindo-lhe o tal escrito de fls. 616.

    Apenas referiu que tinha muito medo em afirmar isso, por causa de eventuais retaliações, mas dúvidas quanto a ser o arguido o autor dos factos, nenhumas.

    1.2.6. O escrito de fls. 616 foi sujeito a exame pericial, cujo relatório consta de fls. 741 e seguintes e os peritos concluem que é provável que a letra de tal escrito seja da autoria do arguido, o que em termos percentuais equivale a um grau de certeza de 50 a 70%.

    Tal grau de probabilidade não atinge um grau de certeza tal que permita concluir, sem margem para dúvida alguma, de que foi o recorrido o autor material de tal escrita, como se exarou no aresto recorrido.

    1.2.7. Sucede, contudo, mostrar-se irrelevante precisar se foi ou não o recorrido o seu efectivo redactor, uma vez que a ofendida declarou não ter qualquer dúvida em ter sido tal escrito o exibido pelo arguido.

    Nesta perspectiva, pouco releva ter sido ele ou não o autor da escrita.

    Mas ainda assim, a probabilidade de ser o arguido o autor de tal escrita, passa a ter outra dimensão quando se faz uma apreciação conjunta e interligada de todos os elementos da prova produzida em julgamento.

    1.2.8. Afirmando a ofendida que esse foi o escrito exibido pelo arguido; verificando-se bastante probabilidade de ele até ter sido o seu autor; porque a ofendida sempre reconheceu o recorrido como o autor material da tentativa de extorsão, continuando a não ter dúvidas, quando depôs em julgamento, pese embora recear bastante por temer represálias, não podia o Tribunal ter ficado num estado de dúvida sobre a circunstância de o arguido ser o agente da tentativa de extorsão.

    1.2.9. Devendo ser condenado pela prática também deste crime em pena adequada, e, em subsequente cúmulo jurídico numa pena de prisão efectiva, porque só por este modo se alcançam as finalidades da punição e se têm em devida conta tanto a culpa do agente, bem como as exigências da prevenção, e tudo em obediência ao estatuído nos artigos 70.º e 71.º, n.º 1, ambos do Código Penal.

    1.2.10. Decidindo pela forma em que o fez, o acórdão recorrido violou o estatuído pelos artigos 127.º; 374.º, n.º 2; 410.º, n.º 2 e 412.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal.

    Terminou pedindo a revogação parcial do sentenciado, substituindo-se o acórdão absolutório por outro que, no que concerne, condene o arguido enquanto autor, sob a forma tentada, do assacado crime de extorsão, em pena de prisão que cumulada com a demais já imposta se decrete como efectiva.

    1.3. Cumprido o disposto pelo artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, seguiu-se resposta do arguido pugnando pela manutenção do decidido e, logo, pelo improvimento do recurso.

    1.4. Proferido despacho admitindo-o, foram os autos remetidos a esta instância.

    1.5. Aqui, com vista respectiva, nos termos do artigo 416.º, do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente à parcial procedência do recurso, pois que anuindo à condenação do arguido pelo ilícito em causa, concedeu que lhe fosse imposta pena unitária não superior a cinco anos de prisão, suspensa na sua execução, mediante submissão a regime de prova.

    Deu-se cumprimento ao estatuído no n.º 2 do subsequente artigo 417.º.

    1.6. Por sua vez, no exame preliminar a que alude o n.º 6 deste mesmo inciso, consignou-se não ocorrerem pressupostos determinantes à apreciação sumária do recurso, além de nada obstar ao seu conhecimento de meritis.

    Daí que fosse ordenado o respectivo prosseguimento, com recolha de vistos e submissão à presente conferência.

    Urge, pois, ponderar e decidir.

    * II – Fundamentação de facto.

    2.1. A decisão recorrida teve por provada a seguinte matéria de facto: I) 1. No dia 23 de Outubro de 2009, cerca das 19 horas e 10 minutos, indivíduo cuja identidade não se apurou, dirigiu-se ao posto de abastecimento de combustíveis do supermercado …, explorado pela sociedade HH…, Limitada, situado em …, Estarreja, com o intuito de o assaltar e assim se apropriar de dinheiro ali existente, mediante ameaças dirigidas à pessoa que ali o atendesse.

    1. Em execução de tal propósito, abeirou-se da cabine de pagamento daquele posto, mantendo-se sempre no interior do veículo automóvel por si conduzido, vestindo luvas e tendo sobre o colo um objecto de características não concretamente apuradas, objecto este que manteve sempre visível para a sua interlocutora.

    2. Depois, o mesmo indivíduo, dirigindo-se à ofendida PR..., funcionária daquele posto e que ali exercia a função de operadora de caixa, disse-lhe: “dá-me o dinheiro ou morres; não mexas em nada; não faças nada.” 4. Perante tal conduta e vendo aquele objecto, a ofendida PR... ficou a temer pela sua vida e integridade física, razão pela qual entregou ao mencionado indivíduo a quantia de € 89,82 (oitenta e nove euros e oitenta e dois cêntimos), composta por várias notas de € 5,00 e de € 10,00 e por algumas moedas.

    3. Na posse de tal dinheiro, o mesmo indivíduo abandonou o local, levando-o consigo e fazendo-o seu.

      II) 1. No dia 30 de Outubro de 2009, cerca das 19 horas, indivíduo cuja identidade não se apurou, dirigiu-se à estação dos correios de …, Ovar, de propriedade da sociedade CTT – Correios de Portugal, S. A., com o intuito de a assaltar, não obstante aquele estabelecimento se encontrar já encerrado, estando no seu interior a funcionária e ofendida BC... .

    4. Levava consigo um manuscrito, que colocou por baixo da porta da estação, no qual se encontrava escrito, em suma, que aquela tinha que lhe entregar em dois minutos o dinheiro ali existente, caso contrário atearia fogo ao carro da mesma (que mostrava conhecer e saber onde estava estacionado), mais lhe dando a entender saber onde a mesma mora e quem é o seu namorado, bem como ir...

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