Acórdão nº 427/08.0TBCHV.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelTELES DE MENEZES
Data da Resolução02 de Junho de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação n.º 427/08.0TBCHV.P1 (11.04.2011) – 3.ª Teles de Menezes e Melo – n.º 1232 Des. Mário Fernandes Des. Leonel Serôdio Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

B… e C…, D… e mulher E…, F… e mulher G…, H… e mulher I…, J… e mulher K…, L… e mulher M…, N… e mulher O…, P…, Q… e mulher S…, intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra T… e mulher U…, pedindo que os RR. sejam condenados a cessar, de imediato, o uso ilícito que vêm dando à fracção “A”, do Bloco ., do Edifício …, abstendo-se de exercer nesse local a actividade de restauração ou de a cederem, por qualquer título, para o mesmo fim, e a pagarem uma indemnização aos AA., no montante de € 10.000,00, por danos morais por estes sofridos em consequência do ruído provocado pelos réus na sua fracção.

Alegaram ser proprietários e moradores em fracções autónomas do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, em causa, sendo os RR. proprietários da fracção “A”, do Bloco ., correspondente à loja nº ., do mesmo prédio urbano, onde instalaram um restaurante/pizzaria; a fracção dos RR. destina-se a “loja”, de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal, o que equivale a dizer ao comércio, pelo que os mesmos a aplicaram a fim diverso do convencionado em tal título; tal facto causa graves incómodos aos AA., nomeadamente, os ruídos provocados; na fracção onde habitam os AA. B… e C… ouvem-se as vozes das pessoas no restaurante, as cadeiras e as mesas a arrastar, o ruído da maquinaria, o barulho do amassar das pizzas; esses barulhos fazem-nos acordar, dificultando o seu descanso; tais ruídos ultrapassam a normalidade, incomodando todos os que residem no prédio, principalmente os AA. B… e C….

Os RR. contestaram, dizendo que embora sejam os donos da fracção, a mesma foi dada de arrendamento no 1.º semestre de 2005 à sociedade comercial V…, Lda, que é quem explora o restaurante pisaria nela instalado, negando terem destinado a fracção a fim não permitido pelo título constitutivo da propriedade horizontal, invocando que os condóminos do edifício nunca colocaram em causa a abertura do restaurante, apenas tendo feito algumas exigências que foram por eles satisfeitas nos termos pretendidos, pelo que, ao quererem, agora, o encerramento do mesmo, actuam em abuso do direito; impugnam que se verifique o ruído invocado pelos AA..

E deduziram reconvenção, pedindo a condenação dos AA. numa indemnização a seu favor, no montante de € 7.500,00.

Suscitaram, ainda, o incidente de intervenção provocada do Município …, por ter licenciado a abertura do restaurante, nele aludindo à incompetência material do tribunal comum e à competência do tribunal administrativo.

Os AA. pediram que fosse indeferido o incidente de intervenção acessória provocada deduzido pelos RR.; e replicaram, pronunciando-se pela improcedência das excepções de abuso do direito e de incompetência material do Tribunal, e pela inadmissibilidade da reconvenção.

Os RR. treplicaram.

Foi julgada improcedente a excepção de incompetência material do Tribunal, indeferido o incidente de intervenção provocada e considerada inadmissível a reconvenção.

Houve recurso deste despacho, que subiu em separado e veio a ser confirmado por acórdão desta Relação (cfr. apenso).

Teve lugar a audiência preliminar, elaborou-se o despacho saneador, e seleccionou-se a matéria de facto.

Realizou-se o julgamento, e veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR. do pedido.

II.

Recorreram os AA., concluindo: 1. Os Autores, na qualidade de proprietários e habitantes de fracções autónomas de um prédio, constituído em propriedade horizontal, denominado Edifício …, vieram intentar a presente acção, pedindo a condenação dos Réus a absterem-se de exercer a actividade de restauração que exercem numa determinada fracção autónoma do mesmo prédio ou de cederem tal fracção, por qualquer título, para o mesmo fim, e ainda, a pagarem-lhes um indemnização por danos morais, invocando: a) – a utilização da fracção para fim desconforme ao que consta do título constitutivo da propriedade horizontal; b) - a violação de direitos de personalidade, v.g. do direito ao repouso, por força dos barulhos e vibrações provenientes do funcionamento do estabelecimento.

  1. A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, da qual ora se recorre, julgou a acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu os Réus dos pedidos.

  2. Ora, os recorrentes, com todo o devido respeito, não se podem conformar com tal douta sentença.

  3. A Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” não fez uma correcta apreciação da prova documental junta aos autos nem da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, nem interpretou e aplicou a Lei aos factos. Daí que o presente recurso verse sobre matéria de facto e matéria de direito.

  4. Diz-se, em bem, nessa douta decisão, que a questão a decidir nos presentes autos tendo, em conta a forma como foi abordada pelos aqui recorrentes deve ser abordada sob duas perspectivas diferentes: - o uso ilícito que os Réus vêm dando à fracção e a violação do direito ao repouso e descanso dos recorrentes.

  5. A apreciação dessas duas questões e, consequentemente, a decisão final proferida, mostram-se totalmente incorrectas e injustas, uma vez que existem nos autos, quer ao nível da prova testemunhal (objecto de gravação), quer ao nível da prova documental, elementos mais do que suficientes para ter sido proferida decisão totalmente diferente da ora recorrida.

  6. No que concerne à impugnação da matéria de facto, na douta sentença foram dados como provados os seguintes factos, com os quais os aqui recorrentes não podem concordar: - Que na sequência da preocupação manifestada por alguns condóminos com o ruído que o funcionamento do restaurante pudesse vir a causar, a Câmara Municipal … convocou-os para uma reunião, em 13 de Fevereiro de 2006, pelas 15h00, na qual compareceu também o Réu, realizada no ….

    - Que os Réus, na sua qualidade de únicos sócios da sociedade comercial “V…, Lda.”instalaram na dita fracção um restaurante/Pizzaria de nominado “W…”.

    - Que a sociedade “V…, Lda” explora o Restaurante/Pizzaria instalado na fracção dos Réus.

    - Que na construção do Edifício foi instalada uma chaminé ou conduta de extracção de fumos, desde a loja dos Réus até ao telhado do edifício de sete pisos em que a mesma se integra.

    - Que os condóminos nunca colocaram em causa a abertura do restaurante, levantando unicamente reticências relativamente a três aspectos: colocação do reclame luminoso, colocação do aparelho de ar condicionado e o ruído que o funcionamento do ar condicionado pudesse vir a provocar.

    - Que as exigências feitas pelos condóminos foram integralmente satisfeitas pelos Réus, tendo sido cumpridas as condições impostas.

    - Que foi realizada a inspecção/medição acústica à estrutura da loja e aos aparelhos e máquinas que lá forma instalados.

    - Tendo os resultados revelado que o funcionamento do W… respeitava as exigências legais e regulamentares aplicáveis e que não afectava o sossego, bem estar e descanso dos condóminos do edifício.

    - Os recorrentes consideram, ainda, que o facto de se ter dado como provado que nas imediações do Edifício se encontravam em construção edifícios de habitação colectiva e comércio, obras essas que produzem ruído de alguma monta é, também, completamente irrelevante para a presente acção, na medida em que tais obras, produzem o que se chama de ruído temporário, pois são actividades que apesar de provocarem, de facto, algum ruído, tem carácter não permanente.

    - Que os Condóminos respeitaram e acataram os resultados da inspecção acústica por si encomendada, nenhuma exigência suplementar tendo sido efectuada posteriormente.

  7. Ora, a Testemunha X… (cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento realizada no dia 7 de Maio de 2010, das 16:03:31 às 16:44:59, e que se encontra gravado no sistema áudio de gravação digital) foi, sem dúvida, a pessoa que revelou, em sede de audiência de julgamento, ter mais conhecimentos acerca dos factos em causa nos presentes autos, na medida em que é administrador do Edifício do qual fazem parte as fracções autónomas dos Réus e dos Autores, e, em consequência, acompanhou o desenrolar de todo o processo, desde a aquisição das fracções por parte dos Autores e dos Réus até à data em que os Autores intentaram a presente acção. Aliás, como o próprio adiantou (minuto 06:14) desloca-se com bastante frequência ao edifício. Prestou um depoimento coerente, seguro e isento, sendo a testemunha, que a nosso ver, mais colaborou para a descoberta da verdade, depoimento, esse, que, diga-se, foi totalmente desvalorizado pelo Tribunal a quo.

  8. Em resumo, esta testemunha disse que não conhece nem nunca ouviu falar da empresa V…, Lda. (minuto 02:49), que o W… pertence aos Réus (minuto 02.10), que são estes que o exploram e que o mesmo só passou a funcionar já todos os condóminos habitavam as respectivas fracções (minuto 04:25). Caracterizou (minuto 05:00) a zona em que se encontra o edifício …, como sendo uma zona residencial, em que só existem dois edifícios em propriedade horizontal. No que diz respeito às queixas apresentadas pelos condóminos em relação aos cheiros e ruídos provenientes da laboração do restaurante disse (minuto 06:41) que as mesmas só começaram quando o restaurante abriu ao público mas que e relação à abertura do referido estabelecimento comercial começaram muito antes, quando os Autores se aperceberam que os Réus colocaram uma conduta extracção de fumos pelo exterior do edifício. (ao minuto 06:51 ao 07:08). Disse (10:03) que quando os Réus iniciaram as obras dentro da fracção, os condóminos do edifício lhe colocaram, de imediato, o problema de na loja não poder ser instalado um restaurante e que, inclusive, falou pessoalmente com o Réu T…, alertando-o para a situação e aconselhando-o a “desfazer” o negócio com a firma construtora. Relatou, pormenorizadamente, as assembleias de...

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