Acórdão nº 65/11.0JAFUN-A.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BLASCO
Data da Resolução10 de Maio de 2011
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I.

1- No âmbito do processo acima referenciado, foi proferido em 07/03/2011 despacho judicial que indeferiu o pedido formulado pelo Ministério Público para autorização de determinada intercepção telefónica, com fundamento na falta de elementos que permitissem concluir que o suspeito nos presentes autos se dedicava à actividade de tráfico de estupefacientes e que o telemóvel indicado estivesse a ser utilizado pelo mesmo. 2- O Ministério Público veio recorrer deste despacho apresentando as seguintes conclusões à sua motivação de recurso que se transcrevem: (…) 1) A Exma. Juiz de instrução, na sua decisão, pôs em causa, implicitamente, a falta de indícios da actividade de tráfico e indeferiu as escutas com base na falta de elementos que permitissem concluir que o suspeito A… se dedicava à actividade de tráfico e que o telemóvel indicado estivesse a ser usado pelo mesmo.

2) Salvo entendimento diverso, dos elementos recolhidos pela Polícia Judiciária resultam indícios de que o suspeito A… se dedica à actividade de tráfico de estupefacientes em colaboração com outros indivíduos, ora transportando droga de B… para o C… a fim de a mesma ser aqui comercializada, ora utilizando outras pessoas para esse efeito.

3) Nada impede que o processo criminal em que se autoriza o recurso às escutas tenha por base denúncias anónimas, desde que elas contenham factos determinados que conduzam à formação da convicção judicativa exigida pelo art. 187.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9 de Maio de 2001, disponível em www.dgsi.pt; e André Lamas Leite, in Separata da Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano I, 2004).

4) Uma vez que o fundamento do indeferimento foi o da incerteza de que aquele número de telefone estivesse a ser usado pelo suspeito, urge perguntar qual a necessidade no presente caso de efectuar outras diligências, cujo resultados seriam certamente infrutíferos já que é sabido que raramente os traficantes fornecem a sua identificação aquando da aquisição de um número de telemóvel, quando é o próprio suspeito a fornecer à TAP/Ground Force um contacto telefónico pessoal para o caso de o necessitarem contactar.

5) O pedido de intercepção e gravação das conversas telefónicas do suspeito cumpre os requisitos materiais e processuais exigíveis, sendo, deste modo, inteiramente válidas e eficazes como diligência de investigação e meio de prova, devendo ser ordenada a intercepção do telemóvel do suspeito.

6) A referida intercepção revela-se de indispensável realização para que se prossiga com as investigações, estando esgotadas as diligências possíveis “no terreno”.

7) É inequívoco que a presente investigação não dispõe de outros meios que lhe permitam alcançar a verdade material e investigar os factos denunciados que não através das escutas aos números de telefone utilizado pelo suspeito, tanto mais que este reside em B….

8) Como é sabido, a investigação deste tipo de ilícito criminal revela-se de alguma complexidade, sendo certo que os agentes operam, normalmente, como parece ser o caso, de forma altamente organizada, com recurso a diversos meios materiais e humanos, por vezes com recurso a métodos sofisticados ou difíceis de descortinar através das meras vigilâncias externas, dificultando assim a investigação criminal e a obtenção de elementos probatórios que permitam descobrir a verdade material dos factos.

9) Estão reunidos os requisitos mínimos legalmente exigíveis para ser autorizada a escuta telefónica solicitada, pois estamos perante a denúncia de um crime de tráfico de estupefacientes, que requer cuidados especiais sob pena de se perturbar a investigação.

10) A douta decisão recorrida violou os artigos 187º a 190º, do Código de Processo Penal.

Termos em que se conclui no sentido supra exposto, julgando-se o presente recurso procedente e proferindo-se douto acórdão que revogue a douta decisão sindicada, devendo a mesma ser substituída por outra que ordene à operadora a intercepção requerida (…).

3- O recurso foi devidamente admitido e fixado o efeito legal.

4- Subiram os autos a este Tribunal onde no Parecer a que se refere o art. 416º do Código de Processo Penal (CPP), o Exmo. Procurador - Geral Adjunto entendeu que o recurso merece provimento.

5- Efectuado exame preliminar foram os autos remetidos para conferência.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.

1- O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição): (…) Requereu o MP fosse determinada a intercepção das conversações realizadas através do telemóvel que indica e que seja solicitada informação relativa a facturação detalhada e localização de tal telefone.

Compulsados os autos verifica-se que a investigação se iniciou com base na denúncia anónima efectuada por um indivíduo que dava conta que A…, um indivíduo com idade compreendida entre 40/45 anos, natural da D… mas radicado em Portugal e com residência na zona da E… se dedica ao tráfico de estupefacientes e que este, no final do mês de Fevereiro se deslocou à F… "com o intuito de aqui fazer chegar quantidade significativa de produto estupefaciente (cocaína/heroína), transportando ele próprio e/ou acompanhando controlando "correios" de droga. O denunciante informou ainda que o dito indivíduo "tem contactos privilegiados com outros que são da sua confiança, providenciado para que o produto estupefaciente que faz chegar a esta F… lhes seja entregue, a fim destes procederem ao seu escoamento (...) e é o denunciado que toma a iniciativa de contactar com as pessoas de confiança que se encontram nesta F... para desenvolver a sua actividade ilícita." Nessa sequência foi verificado que dia 28.02.2011, pelas 21h30, no voo … (….. viajou para a F… um passageiro com o nome A…, tendo utilizado o Bilhete com o nº …. sendo que o seu regresso a B… estava agendado para o dia 15.03.2011 pelas13H20,voo …, com o Bilhete ….

Apurou-se também que o referido indivíduo efectuou a reserva de tal viagem através de uma agência de viagens com sede nas G…, fornecendo um número de telefone inexistente.

Tal indivíduo foi localizado no Hotel …, no C…, onde permaneceu, regressando a B… no dia 3 de Março de 2011, tendo indicado, aquando da aquisição desta viagem, o número de telefone cuja intercepção se pretende.

Tais elementos não são aptos a justificar a intercepção de conversações requerida.

Com efeito, não obstante o indivíduo em causa ter permanecido na F… após a sua identificação, durante dois dias, não há qualquer informação sobre locais que terá frequentado ou pessoas que tenha contactado.

Não obstante constar da denúncia anónima que tal indivíduo já se teria deslocado à F… anteriormente, nada foi averiguado.

Em suma, para além da convicção policial, os elementos probatórios que podem ser atendidos dão conta que um indivíduo natural da D…e com antecedentes pela prática de crime de tráfico se deslocou à F… entre os dias 28 de Fevereiro e 3 de Março, permaneceu numa unidade hoteleira no C.l e antecipou o seu regresso a B….

Ora, as intercepções telefónicas têm carácter excepcional e colidem gravemente com direitos fundamentais, apenas se justificando quando existam já indícios da prática de um dos crimes a que se refere o art.187.° do Código de Processo Penal e quando se conclua que a diligência é indispensável para o apuramento da verdade e a obtenção da prova.

Assim, sem que previamente se confirmem os demais elementos, designadamente os relativos a viagens anteriores, períodos de estadia, eventual ausência de ligação do suspeito à F… e ate a titularidade pelo mesmo telefone identificado, não é possível afirmar que estão preenchidos os requisitos legais para o deferimento do requerido.

Deste modo, e por ora, não autorizo a intercepção de comunicações requerida.

(…) 2- É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

O objecto do presente recurso cinge-se à apreciação do despacho judicial que indeferiu, por falta de requisitos legais, o pedido formulado pelo Ministério Público em que solicitava autorização judicial para que fosse efectuada determinada intercepção das conversações realizadas através do telemóvel que indicou e que fosse solicitada informação relativa a facturação detalhada e localização de tal telefone utilizado por um indivíduo em relação ao qual existem...

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