Acórdão nº 851/04. 7BBGC.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução31 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça AA e BBo intentaram acção, com processo ordinário, contra CC, sua mulher DD e “... – Companhia de Seguros, S.A”.

Pediram que sejam declaradas habilitadas como únicas e universais herdeiras da herança ilíquida e indivisa de seus pais EE e FF, com legitimidade para exercerem em Tribunal todos os direitos relativos à herança, ainda indivisa e ilíquida, daqueles; a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhes a quantia de 341.680,00 euros, acrescida de juros legais desde a citação.

Nuclearmente, alegaram que seus pais faleceram intestados, sendo que do acervo da herança faz parte um edifício (n.ºs 21/31 da Rua dos Combatentes da Grande Guerra) em Bragança; que, em 11 de Abril de 2003, ocorreu um incêndio no edifício contíguo pertença dos Réus CC e DD; que o Réu mantinha aí um depósito de dezenas de botijas de gás de consumo doméstico, para revenda, actividade ilegal por exercida em bairro residencial e em zona histórica; que o incidente resultou de anomalia numa botija que o Réu substituía e cujo aquecedor acendeu, não obstante a fuga revelada pelo intenso cheiro a gás; seguiram-se, pelo menos, cinco explosões que provocaram a ruína da parede divisória dos edifícios e incêndio no pertencente às Autoras; que este ficou totalmente destruído ao nível dos 1.º e 2.º andares e das águas furtadas, não só pelas chamas como pela água utilizada pelos bombeiros no combate ao incêndio; que, de igual modo, ficou destruído o recheio; a reconstrução do prédio importa em, pelo menos, 25.000,00 euros; que as Autoras despenderam 2.500,00 euros por terem de se hospedar numa residencial durante um (1) mês; que deixaram de auferir rendas dos seus inquilinos, no valor anual de 4.968,00 euros; despenderam 10.000,00 euros em obras noutra casa para habitarem e 2000,00 euros em deslocações e telefones; que tiveram profundo desgosto acentuado pelas suas idades avançadas; que têm dois seguros na 3.ª Ré, um relativo ao edifício e outro ao recheio.

A seguradora contestou alegando, em síntese, que os seguros são pessoais, que não de responsabilidade civil extra-contratual, sendo os capitais, respectivamente, de 24.938,89 e 8.045,11 euros; que o que exceder o capital seguro é suportado pelas seguradas; os danos foram, por si, avaliados em 2.011,27, quanto ao recheio, e 9.975,55 euros, quanto ao imóvel, quantias já postas à disposição das Autoras; que, de todo o modo, o seguro não cobriria a perda de rendas.

Os Réus CC e DD contestaram dizendo, além do mais, que o prédio das Autoras, antes do incêndio e por estar onerado com arrendamentos, não valia mais de 75.000,00 euros e, porque ficou devoluto, passou a valer 150.000,00 euros; que, logo em Outubro de 2003, comunicaram às Autoras a disponibilidade para levantarem o telhado e repararem as paredes de suporte (águas furtadas), removerem os escombros e reconstruírem a ligação do 2.º andar ao sótão, o que estas recusaram; que, por isso, o prédio ficou sem cobertura o que agravou os danos; que a conduta das Autoras traduz-se em abuso de direito.

Requereram a intervenção principal da “... – Companhia de Seguros, SA”, com quem celebraram um contrato de seguro, pelo recheio e sua casa, incluindo a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros até ao limite de 16.728,64 (habitação) e de 5522,86 euros (recheio).

Na réplica, e alterando a causa de pedir, as Autoras requereram a intervenção principal provocada da “Shell Portuguesa, SA” juntando nova petição onde alegam, além do mais, que as botijas comercializadas pelo Réu eram “Shell Butagaz” e que a chamada permitiu o seu armazenamento no local.

Na nova conclusão pedem, para além do 1.º pedido antes formulado, a condenação dos Réus CC, DD e Shell a, solidariamente, pagarem-lhes a quantia de 341.680,00 euros, com juros, e a seguradora todo o capital e juros relativos aos dois contratos de seguro.

Oportunamente, os Réus CC e mulher desistiram do pedido de intervenção da seguradora por já ser parte no processo.

A chamada “Shell Portuguesa, SA”, alegando ter a designação de “Repsol Combustíveis, SA”, requereu a intervenção principal provocada de “Shell Gás, SA”, que foi admitida e que, dizendo ser agora designada “Repsol Butano Portugal RB, SA”, fez sua contestação da “Repsol Combustíveis, SA”.

As Autoras e a Ré “... – Companhia de Seguros, SA” vieram (fls. 663) transigir parcialmente a transacção homologada a fls. 799/800 tendo a instância sido julgada extinta nessa parte.

Depois, as Autoras, deduziram o incidente de intervenção principal provocada de “R...e P..., Limitada” que foi indeferido (despacho de fls. 1358/9) do qual foi interposto recurso de agravo.

A final foi proferida sentença nos seguintes termos: “

  1. Declaro que as Autoras são as únicas e universais herdeiras de seus pais EE e FF e como tal têm legitimidade para exercerem todos os direitos relativos às heranças, ilíquidas e indivisas, abertas por óbito dos mesmos.

  2. Condeno o Réu CC a pagar às Autoras, nessa qualidade, a quantia, cujo montante será apurado em liquidação ulterior, correspondente aos danos patrimoniais referidos nos pontos 6.3.2, 6.3.3 (neste, com a redução de 1/5 aí referida), 6.4, supra; e, c) Condeno a Ré “... — Companhia de Seguros, SA” a pagar às Autoras, solidariamente com esse Réu CC, a quantia acabada de referir em b), até ao limite de 16.728,64 € (dezasseis mil setecentos e vinte e dois euros e sessenta e quatro cêntimos).

  3. Condeno o Réu CC a pagar às Autoras, nessa mesma qualidade, a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a citação e até integral pagamento.

  4. No mais, absolvo todos os Réus (chamadas incluídas).” Apelaram as Autoras e, subordinadamente, os Réus CC e mulher.

    Entretanto, as Autoras e a Ré “...” vieram juntar transacção em que acordaram fixar a quantia relegada para liquidação, referida nas als. b) e c) da precedente decisão, em 16.728,64 euros, referente ao contrato de seguro referido em AA) dos factos assentes, que a Ré se obrigou a pagar no prazo de 30 dias, considerando-se as autoras integramente ressarcidas, nada mais tendo a exigir da Ré a esse título.

    A Relação do Porto julgou o agravo improcedente, negando-lhe provimento.

    Homologou a transacção (de fls. 1809 – Autoras e Ré – Seguradora) condenando as partes “nos seus precisos termos”.

    Quanto ao mais, assim deliberou: “- Julgar parcialmente procedente a apelação das autoras e improcedente o recurso subordinado e, em consequência: 1) Revoga-se em parte a sentença recorrida, no que respeita à al. b) da decisão, condenando-se o réu CC a pagar às autoras as quantias: a) de € 80.000,00, relativa aos danos no prédio; b) de € 28.350,00, de rendas vencidas até esta data, referentes aos contratos de fis. 11, 13 e 15, acrescida das rendas vincendas até à data do pagamento da indemnização fixada para reparação do prédio das autoras, no máximo até Abril de 2013; c) Relativa a rendas dos contratos de arrendamento celebrados com GG e com a arrendatária “G...”, vencidas desde Maio de 2003 e vincendas até ao momento referido na alínea anterior, a apurar em posterior liquidação; d) Relativa aos danos patrimoniais referidos em 6.3.2, 6.3.3 (sem qualquer redução) e 6.3.4 da sentença, a apurar em liquidação ulterior; e) A estas quantias referidas nas precedentes alíneas deve ser deduzido o montante de € 16.728,64 já pago pela ré Seguradora; f) Acrescem às quantias das als. a) a c) juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a dada da citação e vincendos até efectivo pagamento; porém, em relação às rendas vencidas posteriormente a essa data e vincendas, os juros de mora apenas são devidos a partir das datas dos respectivos vencimentos.

    2) Mantém-se a sentença, quanto ao decidido em a) (reconhecimento da qualidade das autoras), em d) (condenação por danos não patrimoniais e respectivos juros de mora) e quanto a custas.” Por inconformado, o Réu CC pede revista, assim concluindo, no essencial – o que lográmos sintetizar, atenta a extensão da súmula –a sua alegação: “- O acórdão recorrido assenta em premissa falsa ou, pelo menos, não verificada: De que as autoras formularam «pedido de indemnização, em dinheiro sim, mas para satisfazerem aquele objectivo, de reconstrução da casa.

    - Em lugar algum da petição (na sua versão Inicial ou na sua versão reformulada) apresentada pelas autoras em juízo, se expressa a pretensão, ou sequer a vontade ou o desejo, de reparação do imóvel, ou seja, que as autoras pretenderam a reparação natural.

    - Tal conclusão extraída do constante no artigo 36.° da petição inicial/artigo 39.° da petição reformulada (‘a reconstrução da casa, em idêntica situação à que estava antes do acidente/incêndio orça em valor não inferior a €250.000, uma vez que tem uma área de implantação de cerca de 300m2 por andar.’) é uma mera ficção (suposição) ou criação imaginária, num domínio de relevância que a não comporta, ou seja, em que não há margem para a subjectividade (a discricionariedade).

    - As autoras não referem que para reconstruir a casa em idêntica situação à que estava antes do acidente/incêndio terão de des pender valor não inferior a €250.000.

    - As autoras dizem coisa bem distinta, designadamente que «a reconstrução da casa, em idêntica situação à que estava antes do acidente/incêndio orça em valor não inferior a €250.000 (...)».

    - A referência ínsita no artigo 36.° da petição inicial (artigo 39.° da petição reformulada) visou tão só servir de esteio à quantificação da indemnização ambicionada, pela qual, deliberadamente, as autoras optaram e não como pretensão de reconstrução, constituindo mais uma parcela de adição destinada a «engordar» o valor Indemnizatório a peticionar a final.

    - Informando ainda que já havia sido «(...) diligenciado empreiteiro que visitou o local e se disponibilizou para iniciar a sua execução (em estrutura de madeira e telha de boa qualidade) ainda no decurso do mês de Novembro de 2003».

    - Aliás, conclusão inversa à do acórdão recorrido, ou...

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