Acórdão nº 475/04.9TBLLE.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução24 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – No Tribunal Judicial de Loulé, AA intentou a presente acção declarativa, em processo comum ordinário, contra: BB e CC.

Alegou, em síntese, que: Por contrato celebrado em 16.7.1958, enquanto proprietário, deu de arrendamento a DD e EE, o ... do prédio urbano com o n.º ... de polícia, sito na ..., em Loulé, com direito a passagem por um corredor para a R. ........., pela porta n.º ..., destinada ao exercício do comércio de café, refeições e outros.

Em 31-5-84, os arrendatários trespassaram para os ora réus o referido estabelecimento comercial, tendo ele, autor, a partir daquela data, passado a receber destes as rendas, actualmente de 253 € mensais.

Em Dezembro de 2003 teve conhecimento de que os réus cederam a utilização do café/cervejaria que ali funciona a uma sociedade denominada FF, Lda.

Sem lhe terem dado conhecimento a ele, autor.

Pediu, em conformidade: A condenação dos réus a despejarem de imediato o imóvel, deixando-o devoluto de pessoas e bens.

Contestaram os réus.

Na parte que agora importa, sustentaram que: O A. teve conhecimento antes de 18-2-03 da constituição da sociedade FF, Lda., do seu objecto social e, desde pelo menos finais de 1985, de que a mesma explorava referido café.

Não manifestou qualquer oposição e vem recebendo as rendas desta.

Não teve lugar qualquer cessão ou mudança de exploração, tendo eles, réus, explorado sempre em conjunto o estabelecimento (entre 31-5-84 e 30-12-85, sob a forma de sociedade irregular, formalizando o negócio por escritura pública a partir daquela data).

Ganham a sua vida explorando o mesmo estabelecimento desde 1984, ali investindo todas as suas economias e realizando melhoramentos, pelo que a cessação do arrendamento lhes causaria prejuízos pessoais enormes e colocá-los-ia e aos seus agregados familiares em situação de graves dificuldades financeiras.

Ao mover esta acção, o autor age em abuso do direito, sendo certo que não tem qualquer prejuízo.

E, em reconvenção, pediram a condenação do A. a pagar-lhes o montante que terão gasto com as obras feitas no imóvel arrendado, em valor superior a € 21.000, a liquidar no decurso do processo.

Respondeu o autor, dizendo que só em Dezembro de 2003, por mero acaso, é que teve conhecimento de que o "C..........." era explorado pela sociedade FF, Lda., sempre tendo tratado dos assuntos relativos ao imóvel arrendado com os réus como pessoas singulares, emitindo os recibos de renda em nome destes, desconhecendo a existência anterior da referida sociedade e de que era esta que explorava o mencionado estabelecimento e consequentemente a respectiva cedência.

Relativamente ao pedido reconvencional afirma desconhecer a realização de obras no estabelecimento pelos réus que, a terem acontecido, não foram por si autorizadas, nem eles teriam direito ao seu reembolso, atento o teor do art. 7° do contrato de arrendamento.

II – Na altura oportuna foi proferida sentença, em que: Se julgou a acção improcedente e se absolveram os réus do pedido.

Se julgou extinta a instância reconvencional por inutilidade superveniente da lide.

Entendeu o Sr. Juiz, em resumo, que: Não estamos perante uma cessão de exploração de estabelecimento comercial, quer por falta de transmissão do estabelecimento – já que os réus continuaram a trabalhar lá –, quer por falência do requisito da onerosidade; Do mesmo modo não teve lugar trespasse; O que teve lugar foi um contrato de sociedade irregular; Em qualquer caso, a ter havido cessão de exploração ou trespasse, estes seriam nulos por falta de forma; E ainda que ao autor assistisse o direito de que se arroga, estaria a agir em abuso do direito, já que são as mesmas pessoas que exploraram o estabelecimento, “sem alteração de substância ou prejuízo” para ele.

III – Apelou o autor e o Tribunal da Relação de Évora, julgando procedente a apelação: Declarou resolvido o contrato de arrendamento; Absolveu o autor do pedido reconvencional.

Entenderam, no essencial, os Sr.s Desembargadores que: Independentemente da classificação do negócio celebrado entre os réus e a sociedade, aqueles cederam o gozo e fruição do locado a esta, sem autorização do senhorio, preenchendo, assim, a estatuição da alínea f) do n.º1 do artigo 64.º do RAU; A titularidade do crédito relativo às obras assiste a ela e não a eles.

IV – Pedem revista os réus.

Concluem as alegações do seguinte modo: 1 . O negócio entre os Recorrentes e a sociedade que ambos constituíram teve por efeito simplesmente a atribuição à sociedade da exploração do estabelecimento que funciona no arrendado, sem afectar o contrato de arrendamento, onde continuaram como arrendatários, até hoje, os Recorrentes.

  1. Não está apurado que tipo de negócio foi esse, mas sabe-se que o seu objecto foi, não directamente a coisa arrendada, mas o estabelecimento que lá funciona, e que apenas pode ter sido um comodato ou uma locação do estabelecimento, pois trespasse não foi.

  2. Tanto o comodato quanto a locação do estabelecimento não dependem de autorização do senhorio.

  3. Do mesmo modo, não dependem também de comunicação ao senhorio, pois não se lhes aplica a regra do Art. 1.038°, g) do Cód. Civil, combinada com a alínea f) do mesmo artigo.

  4. A inaplicabilidade desta regra resulta principalmente do facto de não estarmos diante de um negócio cujo objecto seja a coisa arrendada (mas sim o estabelecimento que lá funciona), e de não fazer sentido que o senhorio intervenha na gestão do estabelecimento, como seria se as alterações à gestão tivessem que lhe ser comunicadas.

  5. De todo o modo, neste caso, os Recorrentes sempre exploraram o arrendado em sociedade, primeiro irregular e depois constituindo-a por escritura pública, pelo que esse acto de regularização não pode nunca ser considerado uma alteração relevante na exploração do arrendado.

  6. Ainda que se entenda que a comunicação era necessária, a divisão existente entre os tratadistas, e nos próprios tribunais, acerca desta questão, sempre autorizaria os Recorrentes a entender que, legitimamente, não tinham que fazer a comunicação ao senhorio.

  7. Também se deve ter em conta, como uma circunstância relevantíssima deste caso particular, que o acto que supostamente deveria ter sido comunicado não representa nenhuma alteração de facto da exploração, mas tão-somente de direito.

  8. De ambas estas circunstâncias decorre que o eventual incumprimento que adviria da falta da comunicação, nunca poderia ser considerado culposo, não sendo, portanto, relevante para aquilatar do incumprimento do contrato e do correspectivo direito...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT