Acórdão nº 916/03.2TBCSC.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelFARINHA ALVES
Data da Resolução14 de Abril de 2011
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


“A” BANK, com sede em n.º …, …, …, …, Seul, na Coreia do Sul, intentou contra “B”, residente na Rua ..., n.º … em Cascais, a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário, pedindo que o réu fosse condenado a pagar-lhe a quantia um milhão de euros (€ 1.000.000,00), acrescida de juros de mora desde a citação até pagamento.

Alegou para tanto, em síntese: O A. é uma instituição de crédito de direito coreano, que se dedica à actividade bancária.

No exercício da sua actividade, o A. adquiriu à sociedade “C” ., LTD. o crédito que esta detinha sobre a sociedade “C” (PORTUGAL) , S.A., ora 2.2 R. (doravante designada "“CC”"), sociedade que se dedicava ao fabrico e comercialização de produtos eléctricos e electromecânicos em Portugal, Crédito esse até ao valor de USD 14.622.554,77, o qual deriva da venda de matérias-primas e de outros produtos, bem como da prestação de serviços, por parte daquela sociedade à “CC”.

As facturas em dívida, integradas no crédito cedido ascendem no seu conjunto a um total de USD 10.949.805,44.

A que acrescem juros desde a data de vencimento de cada uma das facturas até integral e efectivo pagamento, liquidados em €2.422.352,00 até à data de interposição do procedimento de arresto que precedeu a presente acção.

No entanto, e sem prescindir do remanescente do seu crédito, o A. limita o seu pedido a 1.000.000,00 de euros, atenta a limitação dos bens do R.

O R. foi director financeiro da “CC”; E fez parte do Conselho de Administração daquela empresa desde 1998 até 15 de Setembro de 2000, data em que foi destituído.

Chefiava a tesouraria e a contabilidade da “CC”, reportando funcionalmente e devendo obter autorizações prévias por parte do Presidente do Conselho de Administração daquela sociedade, em tudo o que se relacionasse com transferências bancárias e outras transacções financeiras.

Enquanto Director Financeiro e Chefe da Contabilidade cabia-lhe a responsabilidade pelos fechos de contas, demonstrações de resultados, balanços e demais documentos contabilísticos.

O R. era ainda procurador da “CC” desde 1994.

Procedendo à revelia da “CC” e dos demais Directores, e extravasando manifestamente o objecto social e os poderes de administração que possuía, o R. utilizou as contas bancárias daquela sociedade, dizendo agir em seu nome, para realizar operações de futuros cambiais.

Aliás, resulta directamente da acta junta como doc. n.º 135 aos autos de arresto que o R. confessou expressamente que "(...) havia começado a fazer alguns fowards em 1997(…). As coisas teriam corrido mal, tendo estes contratos de futuros gerado perdas em 1997. Em 1998 voltou a realizar várias operações deste mesmo tipo (...). Em 1999 houve perdas significativas nestas operações. Em Janeiro de 2000, dadas as quantias envolvidas e as perdas verificadas investiu muito pelo facto de o Euro/Dólar estar no seu mais baixo de sempre. Resolveu investir forte para recuperar tudo de uma vez (…)” Tal informação apanhou totalmente de surpresa a administração da “C” (PORTUGAL) , S.A. (“CC”), aliás, o próprio R. refere na sobredita acta por si assinada que "nenhum administrador tomou conhecimento destes factos"...

Ademais, o R. admite claramente na mesma acta que o próprio era o "único contacto" da “CC” "com os bancos".

Pois, foi o R. quem, munido da supra citada procuração, contratou os diversos forwards e respectivos roll-overs com os Bancos, Tendo celebrado com o BANIF, com o Chemical (actualmente CAIXA BI), com o Credit Lyonnais (actualmente BBVA), com o BES, com o BPA, com o Banco Mello, com o BCP (que actualmente congrega o Banco Mello e o BPA) e com o TOTTA variadíssimos contratos de futuros cambiais e respectivos roll-overs, os quais geraram perdas de cerca de 60 milhões de euros, pondo em sério risco a subsistência da “CC”, no tecido empresarial nacional.

Para ocultar a sua actuação, o R. falseou os dados contabilísticos da sociedade relativos aos exercícios de 1997, 1998 e 1999.

O R., no fecho de contas do ano de 1999, numa altura em que as perdas relacionadas com as diferenças cambiais negativas já ascendiam a 14 milhões de dólares (!) procedeu da seguinte maneira, por forma a consegui-las ocultar na contabilidade: Cerca de 3 milhões e quinhentos mil dólares de perdas foram escondidos pelo R. mediante a intencional não inscrição contabilística de recebimentos de Dezembro de 1999 por facturas da emissão da “CC”, sendo essa situação corrigida só no início de 1999 (seria 2000), altura em que a contabilidade voltou a reflectir as perdas existentes.

Outros 4 milhões e quinhentos mil dólares de perdas foram ocultados pelo R. através de um adiantamento efectuado em 29 de Dezembro de 1999 pela empresa “D” (actualmente “DD”), no âmbito de um contrato de factoring celebrado entre esta e a “CC”, cuja adequada entrada contabilística só foi levada a cabo pelo R. em 2 de Janeiro de 2000.

Os remanescentes 6 milhões de dólares de perdas cambiais foram intencionalmente escondidos pelo R. de forma semelhante, ou seja, mediante um registo contabilístico tardio (em Janeiro de 2000) de um reembolso de IVA nesse mesmo montante ocorrido em Dezembro de 1999.

O R., fazendo uso destes estratagemas, logrou descaracterizar de tal forma a contabilidade da “CC” que as perdas já avultadas de 1999 não foram descobertas.

Ainda com o intuito de ocultar as suas acções, o R. chegou mesmo a extraviar e destruir diversos documentos, designadamente, extractos de contas, documentos referentes a operações cambiais e confirmações de operações cambiais.

Mascarou as contas da “CC”, o que permitiu que operações de milhões de Euros fossem sendo realizadas à margem da contabilidade da sociedade.

Nos livros da “CC” não se encontra um único lançamento relativo a contratos de forward.

Ademais, a actual administração da “CC” não tem dúvidas de que a procuração utilizada junto das instituições financeiras acima referidas foi elaborada pelo próprio R.

Os contratos de futuros cambiais sucessivamente renovados pelo R., num processo designado de roll-over, nada tinham que ver com a actividade comercial perseguida pela “CC”, a qual consistia no fabrico e comercialização de produtos eléctricos e electromecânicos.

Tais contratos eram independentes de qualquer transacção real, visando apenas intentos especulativos, ou seja, apostar na valorização cambial de uma moeda contra outra para ganhar dinheiro e, numa fase mais tardia, para recuperar as perdas comportando, pela fortíssima componente de aleatoriedade, um risco financeiro muito elevado.

Em suma, o R. entrou numa "espiral" especulativa, sem qualquer conexão com a realidade e os riscos normais inerentes à actividade comercial da sociedade, para "ocultar" os prejuízos que o seu "jogo" causou.

Com a sua conduta, contrária ao objecto e ao interesse social da “CC”, o R. gerou um prejuízo patrimonial de cerca de 118 milhões de euros, deixando-a totalmente insolvente.

A mesma cessou os contratos de trabalho com os cerca de 1000 funcionários que detinha, Tendo igualmente cessado toda e qualquer actividade produtiva ou comercial.

Apresentar-se-á brevemente à falência com a certeza de que o seu património actual - fábrica e respectivos terrenos, avaliados em Euros 13.182.180,94 não chegará para pagar 1/5 das responsabilidades que lhe são imputadas pela generalidade da banca Portuguesa.

Tendo-se frustrado o processo de recuperação de empresa que começou por requerer.

Tendo em consideração os factos supra alegados, o R. violou repetidamente os seus deveres de administrador e de procurador, designadamente os deveres de diligência, prudência, informação e obediência (Cfr. artigos 21.º, n.º 1, al. c) e 64.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais, artigos 238.º e 239.º do Código Comercial e artigo 1161.º do Código Civil).

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º do CSC, o 1.2 R. é responsável para com os credores sociais, designadamente o ora A., pois que, pela inobservância culposa de disposições legais e contratuais destinadas à protecção daqueles, o património da “CC” (única garantia dos credores sociais) tornou-se manifestamente insuficiente para a satisfação dos respectivos débitos.

Citado o R. apresentou contestação onde, para além de requerer a intervenção principal dos demais administradores da “CC”, e de arguir a ilegitimidade do A., opôs, em síntese: O R. exercia funções de director financeiro e de administrador, funções que exerceu até apresentar a sua demissão.

O R. era ainda mandatário da “CC” através de instrumento público de procuração.

Essa procuração não foi elaborada pelo próprio R.

E dela resulta a existência de poderes para a realização de operações financeiras, onde se incluem as operações cambiais referidas.

É falso que o R. reportasse funcionalmente e devesse obter autorizações prévias por parte do Presidente do Conselho de Administração para as operações ora em causa.

A “CC” efectuou desde sempre todas as suas transacções – compra e venda, importação e exportação de mercadorias – em dólares, tendo, para o efeito, contratado operações de cobertura cambial, designadas “Forward", com diversos bancos.

O Forward, consiste em acordar uma determinada taxa de conversão entre duas moedas para um determinado vencimento, tendo como objectivo garantir que o preço (em dólares) fixado para as mercadorias encomendadas pelos clientes, cujo fornecimento, vencimento e correspondente pagamento se prevê para determinada data posterior, tenha uma paridade previamente determinada com o correspondente valor em escudos ou em euros.

De acordo com a expectativa de vendas para determinado ano, reflectidas no orçamento aprovado, e por forma a garantir o câmbio dos montantes que viessem a ser recebidos pelas vendas que efectivamente viessem a realizar-se, eram acordadas operações de forward que assegurassem o câmbio desses montantes em escudos ou em euros, pelo montante global da referida expectativa de vendas, sendo esses montantes ajustados ao longo do tempo em função das vendas...

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