Acórdão nº 493/08.8TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelBELMIRO ANDRADE
Data da Resolução12 de Abril de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I.

Depois de realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida a sentença, na qual o tribunal decidiu:

  1. Absolver a arguida da prática do contra-ordenação p. e p. pelos arts. 25 n.s 1 al. c) e d) e n.º 2, conjugado com o art.º 101º 1, 2, 3 e 5 do Cód. Estrada.

  2. Condenar a arguida MR... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensas à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148º, nº 1 do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à razão diária de €:12,00 (doze euros), o que perfaz o montante de €:720,00 e fixando a prisão subsidiária em 40 dias.

  3. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível formulado pela demandante civil SF… contra a W...-Companhia de Seguros, S A e, em consequência, condenar a demandada a pagar à demandante o montante de €:30660,25 a título de indemnização pelos danos patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora contados desde a data da notificação da demandada para contestar e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal prevista para os juros civis pelas Portarias que os regulam e que sucessivamente forem entrando em vigor e ainda o montante de €:5000,00, a título de danos patrimoniais sofridos.

  4. Absolver a demandada do pedido em tudo quanto excede a presente condenação.

    * Inconformados com a sentença, dela recorrem: a demandada civil e a arguida.

    A assistente, por sua vez, interpôs recurso subordinado.

    * A demandada civil formula as seguintes CONCLUSÕES: 1. A Douta Sentença enferma de um erro notório na apreciação da prova, conforme o disposto no nº 2, alínea c) do artigo 410° do Código de Processo Penal e viola o disposto nos artigos 562°,563°,564°, n.º2 e 566°, n.º 2 todos do Código Civil; 2. O Relatório Pericial de fls. 159 e ss, bem como os respectivos esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos Médicos, consubstancia um parecer de especialistas; 3. Esse parecer especializado, no confronto com o depoimento de duas testemunhas familiares directos e próximos da Demandante sobre a mesma matéria, tem naturalmente um valor probatório superior; 4. Sem prejuízo do princípio da livre apreciação da prova, o Relatório Pericial de fls. 159 e ss. Impunha ao MM.o Juiz do Tribunal "a quo" decisão diferente sobre o Ponto 26 do elenco dos Factos Provados; 5. Face à prova pericial produzida nos autos, o MM.o Juiz do Tribunal "a quo" não poderia ter considerado provado que a Demandante irá necessitar de uma empregada doméstica até ao fim da vida; 6. A Demandante não se encontra numa situação de necessidade de ajuda de terceira pessoa; 7. O MM.o Juiz do Tribunal "a quo" apenas poderia ter considerado provado que a Demandante pode desempenhar a sua actividade doméstica, embora tal desempenho implique a realização de esforços acrescidos; 8. Uma das principais conclusões do Relatório Pericial é a de que a incapacidade permanente geral atribuída à Demandante é compatível com o desempenho da sua actividade doméstica, embora implique a realização de esforços acrescidos; 9. A Demandante não está impossibilitada de exercer as actividades que exercia antes da verificação do acidente dos presentes autos; 10. A Demandante não ficou afectada na sua capacidade de ganho; 11. A valoração dos esforços acrescidos, ainda para mais traduzindo-se em dores lombares, apenas pode ser efectuada no plano dos danos de natureza não patrimonial; 12. A condenação da Apelante a pagar à Demandante uma empregada doméstica até ao fim da vida desta representa um dano não ressarcível perante o quadro fáctico apurado e a sua atribuição consubstancia um verdadeiro enriquecimento sem causa; 13. Não foi realizada qualquer prova acerca do nexo de causalidade entre a contratação da empregada doméstica e o acidente dos autos; 14. O MM.o Juiz do Tribunal "a quo" atribuiu as indemnizações pela ajuda de terceira pessoa até ao fim da vida e pela perda de rendimento futuro por inteiro, não introduzindo qualquerfactor de correcção.

    Nestes termos deve ser concedido provimento ao recurso, alterando-se, em conformidade, a sentença recorrida.

    * Por sua vez a arguida formula como CONCLUSÕES: 1 - O Tribunal a quo ao decidir a proceder à leitura de sentença para além do prazo de 30 dias, violou o disposto no artigo 328º, n.º 6 do C.P.P.

    2 – Tal violação implica a ineficácia de toda a prova testemunhal produzida durante a audiência de discussão e julgamento.

    3 - Desta feita, devera ser anulada a douta sentença a quo, pois que esta viola o princípio da continuidade e consequentemente o princípio da i mediação.

    4 - Colocando-se assim em causa toda a prova produzida, por ineficácia desta.

    3 - Ao agendar a leitura da sentença para o dia 15 de Setembro de 2010, quando a última e diligência agendada tinha tido lugar no dia 10 de Setembro de 2010.

    6 - Decorreram assim 36 dias entre as duas datas, logo foi ultrapassado o prazo de 30 dias imposto pela lei.

    7 – “Nos termos do artigo 328º, nº 6, do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação" (Ac. do STJ n.º 11/2008, Diário da República, 1ª série, nº 239, de 11 de Dezembro de 2008, pag. 8706).

    8 - O Tribunal a quo como decidiu violou o disposto no artigo 410°, nº 2, alínea c) do CPP, por erro notório na apreciação da prova.

    9 – Assim, não foi devidamente atendida a contradição e dúvidas dos depoimentos prestados e ainda a contradição desses depoimentos com as fotografias existentes nos autos.

    10 - Na pena aplicada existe a violação da ponderação dos pressupostos estabelecidos no artigo 71º do Código Penal, pois que não foram devidamente ponderadas todas as atenuantes que supra se referem.

    11 - “Quanto ao concurso de circunstâncias modificativas atenuantes deve continuar-se a seguir o sistema de acumulação, tradicional no nosso direito, somando-se o efeito atenuante até onde este for consentido pelos limites das penas" 11 - Tanto mais que estamos perante uma situação de negligência, logo com uma ponderação de culpa bem diversa do dolo.

    13 - A arguida não tem antecedentes criminais.

    14 - A arguida encontra-se social, profissional e familiarmente inserida.

    15 - E ainda porque dos relatos dos factos, feitos pelas testemunhas XZ... e FM..., sempre há que não esquecer que são familiares muito próximos da queixosa.

    1. Pelo que os seus depoimentos estão condicionados por factores emocionais que têm também que ser atendidos e não foram.

    2. Perante a prova produzida só pode aceitar-se que o tribunal a quo aplicasse uma pena substancialmente menor, dado que a aplicada resulta em metade da moldura penal.

    3. Estamos perante uma situação de negligência.

    4. Devem assim: a) Anular-se o acórdão recorrido, por violação do disposto no artigo 328º, n.º6 do CPP; Caso assim não se entenda e sem prescindir: b) Deve o acórdão recorrido ser revogado, revogando-se a pana aplicada, substituindo-a por outra substancialmente mais reduzida.

      * Por último, a assistente, recorrente subordinada, formula as seguintes CONCLUSÕES: I - Em conformidade com o disposto no art°. 496° do Código Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito.

      II - Atentos os factos dados como provados, supra mencionados, a recorrente subordinada sofreu e sofrerá dores até ao fim da sua vida biológica o que, tomando em consideração a sua idade e a idade média de mortalidade das mulheres, permite concluir que o valor arbitrado de 5.000,00 € é manifestamente insuficiente para compensar a recorrente desse dano material.

      III - A compensação devida à recorrente não se limita ao seu padecimento; por causa do acidente a recorrente ficou definitivamente portadora de uma incapacidade de três pontos, carecendo a execução de qualquer actividade de esforços acrescidos, facto que a obriga à contratação de uma empregada doméstica (vulgo "mulher-a-dias") e a ter deixado de prestar as actividades de limpeza num apartamento.

      IV - As sequelas descritas e suas consequências conferem um handicap, um desvalor à recorrente, uma desvalorização da sua integridade física que certamente se repercutem na sua sensibilidade e estima, traduzindo-se numa diminuição somáticopsíquica, com degradação do padrão e qualidade de vida da recorrente subordinada.

      V - Deverá, assim, fixar-se a quantia de 20.000,OO€ a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, a contar da prolação da sentença recorrida.

      VI - Decidindo como decidiu violou o Tribunal a quo o comando do art°. 496° do Código Civil.

      Termos em que, Deve ser concedido provimento ao recurso.

      * A assistente/demandante respondeu ao recurso interposto pela W..., Seguros sustentando a sua improcedência.

      Respondeu o MºPº ao recurso interposto pela arguida, sustentando a sua total improcedência.

      Corridos vistos, cumpre decidir.

      *** II.

    5. Sem prejuízo dos casos em que resulte da lei o dever de conhecimento oficioso de determinadas questões, o âmbito do recurso é definido pelas respectivas conclusões – cfr., designadamente, Germano Marques as Silva, Curso de processo Penal, 2ª ed., III, 335; Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74; Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196. Conclusões que têm como finalidade sintetizar com rigor, a pretensão do recorrente e as razões em que repousa, assim, habilitar o tribunal de recurso a apreciá-las com exactidão.

      Além da questão da perda de eficácia da prova suscitada pela arguida, os recursos interpostos envolvem matéria de facto e de direito.

      Na apreciação começa-se pela questão prévia, conhecendo-se das restantes questões depois de vista a decisão do tribunal recorrido em matéria de facto.

    6. Questão prévia / perda de eficácia da prova - questão suscitada no recurso da arguida: Alega a recorrente que, procedendo o tribunal recorrido à leitura de sentença para além do prazo de 30 dias sobre o termo da produção da prova, violou o...

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