Acórdão nº 125/08.4TTMAI.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução13 de Abril de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I – 1.

AA, com os sinais dos Autos, instaurou, em 12.3.2008, no Tribunal do Trabalho da Maia, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum emergente de contrato individual de trabalho, contra «BB, UNIPESSOAL, Ld.ª», pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 101 286,00, acrescida de juros, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho, a que procedeu, por lhe advir prejuízo sério com a mudança de local de trabalho operada pela ré.

  1. A Ré contestou invocando que não se verifica justa causa para a resolução do contrato por parte da autora.

    A A. apresentou resposta.

    Teve lugar a realização de Audiência preliminar, proferindo-se despacho saneador, na sequência, com selecção da matéria de facto assente e elaboração da Base Instrutória, que não vieram a sofrer reclamação.

    Procedeu-se a julgamento, tendo-se respondido à matéria de facto, sem reclamação.

  2. Proferida sentença, foi a acção julgada totalmente improcedente e a R. absolvida do pedido.

    Inconformada com esta decisão, dela recorreu a A. para o Tribunal da Relação do Porto, que decidiu conceder provimento à Apelação, revogou a sentença recorrida e condenou a R. a pagar à A., a título de indemnização de antiguidade, a quantia de € 58.573,50, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até pagamento.

  3. É contra esta decisão que se insurge ora a R., através deste recurso de Revista, cuja motivação remata com a formulação destas conclusões: A. Mostra-se inconstitucional a aplicação do disposto na al. a) do n.º 1, e n.º 4 do art. 712.º, e no n.º 3 do art. 684.º, do CPC, interpretados no sentido de permitirem que a Relação proceda oficiosamente à alteração da matéria de facto, com fundamento em deficiência, obscuridade ou contradição, quando constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, sem que a recorrente os tenha posto em causa nas suas conclusões de recurso; B.

    É inconstitucional a aplicação do disposto no n.º 3 do art. 3.º e a alínea a) do n.º 1 e o n.º 4 do art. 712.º do CPC, interpretados no sentido de permitirem que a Relação proceda oficiosamente à alteração da matéria de facto, com fundamento em deficiência, obscuridade ou contradição, sem prévia audição das partes.

    C. Verificada a omissão da apelante no cumprimento do ónus previsto no art. 685.º-A. do CPC., deveria o recurso de apelação ter sido liminarmente rejeitado, estando a Relação impedida de sobre ele se pronunciar.

    D. Atendendo ao conteúdo das conclusões do recurso da apelante, assim como ao disposto no art. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, o acórdão recorrido incorre em vício de nulidade, por excesso de pronúncia, visto que se pronuncia sobre questões de que não devia tomar conhecimento.

    E. O julgamento da matéria de facto concretizado pela Relação é deficiente, obscuro e contraditório.

    F. A supressão da matéria de facto concretizada pela Relação não pretendeu eliminar contradições, mas apenas e só vincar ou dar ênfase à verificação do conceito de prejuízo sério, eliminando todos os factos instrumentais, provados, que demonstravam exactamente o contrário.

    G. A Relação do Porto, ao alterar, arbitrariamente, como alterou, na prática integralmente, todo o julgamento da matéria de facto que era desfavorável à apelante, no acórdão sub judice, violou os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.

    H. No acórdão sub judice, em especial relativamente à decisão de considerar como não provada (por contradição) a matéria de facto constante dos pontos 80 – quesito 86.º da base instrutória e art. 60.º da contestação; 81 - quesito 87.º da base instrutória e art. 61.º da contestação; a 2.ª parte do ponto 61 – quesito 66.º da base instrutória e art. 40.º da contestação; de suprimir a expressão "belíssimo" do ponto 68 – quesito 73.º da base instrutória e art. 47.º da contestação; e ponto 74 – quesito 80.º da base instrutória a art. 54.º da contestação, ocorre completa e arbitrária ausência de fundamentação, em evidente violação do disposto no art. 653.º, n.º 2, do CPC, tornando obscura e contraditória a decisão proferida no acórdão de que ora se recorre, violando a Relação o disposto no art. 659.º, incorrendo na nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, alínea b).

    I. No acórdão sub judice é, nem mais nem menos, a Relação que, mediante a alteração que faz das respostas ao quesitos e à matéria de facto considerada provada, faz um novo julgamento, dado que substitui todas as resposta aos quesitos desfavoráveis à apelante, ignorando, praticamente por completo, o julgamento realizado em 1.ª Instância.

    J. Tendo, tanto a 1.ª como a 2.ª Instâncias, considerado provados determinados factos sem exibição de prova idónea, outra solução não restará ao Supremo Tribunal de Justiça que aplicar o disposto no artigo 646.º, n.º 4, do CPC., e considerar por não escritos esses factos, porque não estando sustentados em meio de prova idóneo, não passam de meras conclusões ou juízos de valor, sem relevância jurídica.

    K. A prova produzida na 1.ª Instância não impunha decisão diversa, inexistindo fundamento para a Relação proceder à pretendida alteração da matéria de facto provada, contrariando a convicção formada pelo julgador em 1.ª Instância.

    L. A apelante apenas pretendeu, sem qualquer fundamento, fazer substituir pela sua, a convicção formada pelos julgadores, pretensão que, obviamente, deveria estar votada ao insucesso, pois era manifesta a improcedência do recurso, não sendo possível à Relação modificar como fez, a resposta aos quesitos enunciados supra, dada pela 1.ª Instância, visto não ocorrer qualquer das hipóteses do art. 712.º do CPC.

    M. A Relação do Porto incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, tendo deixado de apreciar determinadas matérias e apreciando outras com base em critérios que iam para além das possibilidades legais da sua modificabilidade, visto que no que se refere à livre apreciação da prova, encontrava-se essa Relação, objectiva e subjectivamente limitada pelas regras da experiência comum, na acepção de que não pode o tribunal dar como provado determinados factos que, notoriamente, não corresponde ao normal desenrolar dos comportamentos humanos e/ou realidades físicas e sociais, contrariando as regras da experiência comum alcançadas de harmonia com o conjunto da matéria de facto provada, no pressuposto de que um certo facto provado não pode inviabilizar, logicamente, a coexistência de um outro.

    N. Verifica-se, mesmo mercê das alterações conduzidas pela Relação à matéria de facto assente, que se não verifica para a ora recorrida prejuízo sério, mas sim meros incómodos, aos quais se sujeitam diariamente os habitantes de qualquer área metropolitana de maior dimensão e densidade, que não merecem da Lei a protecção por ela pretendida.

    O. Os prejuízos invocados pela trabalhadora – ora recorrida – não constituem mais do que incómodos ou transtornos suportáveis que não assumem gravidade relevante na estabilidade da sua vida, ou determinam uma alteração substancial do plano da mesma, aos quais se sujeitam diariamente a maioria dos habitantes das grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

    Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o Acórdão proferido no Tribunal da Relação do Porto, assim se fazendo serena, sã e objectiva Justiça.

    A recorrida contra-alegou, concluindo pela improcedência da revista, com a manutenção do julgado. Já neste Supremo Tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de que não assiste razão à A./recorrida no que tange às duas questões prévias que suscitou (impossibilidade de o S.T.J. sindicar a alteração da prova levada a cabo pelo Tribunal da Relação, e incumprimento das exigências de forma do art. 77.º do C.P.T. relativamente à arguição de nulidades do Acórdão recorrido).

    Quanto à questão de fundo, propendeu-se para o entendimento de que, com a mudança do seu local de trabalho, não resultaria para a A., nas descritas circunstâncias, um prejuízo sério que lhe permitisse rescindir o contrato de trabalho com ‘justa causa’, tal como exige o art. 315.º/1 do Código do Trabalho.

    A A. veio responder ao Parecer do Ministério Público, concluindo, como nas contra-alegações oferecidas, pela não concessão da revista.

    Cumpre decidir.

    II – Fundamentação A) - Dos Factos.

    Na 1.ª Instância consideraram-se provados os seguintes factos: 1. A Ré dedica-se à actividade de transitário de transportes internacionais de mercadorias de longo curso.

  4. No desenvolvimento dessa sua actividade, mediante contrato de trabalho verbal, admitiu a Autora ao seu serviço em 01.Janeiro. 1991.

  5. Para esta desempenhar, mediante retribuição, funções administrativas nos escritórios da Ré, sitos em Santa Maria de Avioso, na Maia, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, inerentes à categoria profissional de “oficial de 1ª”.

  6. À data da cessação do contrato de trabalho a Autora auferia um vencimento mensal de € 2.297,00.

  7. A que acrescia subsídio de refeição diário de € 5,37, por dia útil de trabalho.

  8. Tinha atribuído em permanência, para sua utilização na vida profissional e pessoal, um veículo automóvel utilitário ligeiro, da Ré, com todas as despesas, de combustível, seguros, reparação e manutenção ao mesmo inerentes por esta suportadas.

  9. A Ré, sob invocação de mudança total do seu estabelecimento, comunicou à Autora, o dia 10.Maio.2007,que iria mudar as suas instalações e local de trabalho para Avanca.

  10. Tendo em seguida enviado à Autora uma carta, datada de 17.Maio.2007, junto dada por reproduzida para os legais efeitos, em que lhe confirmava essa mudança total do seu estabelecimento e local de trabalho da Autora para a localidade de Avanca, concelho de Estarreja, a ocorrer nos dias 14 e...

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