Acórdão nº 395/03.4GTSTB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2011
Magistrado Responsável | PIRES DA GRAÇA |
Data da Resolução | 23 de Fevereiro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça-Nos autos de processo comum com o nº395/03.4GTSTB.L1.S1, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial do Seixal, foi submetido a julgamento com intervenção do Tribunal Singular, o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi absolvido por sentença de 9 de Abril de 2008, da pratica de um crime de homicídio negligente, p.p. pelo art. 137.º, n.º 1, do Código Penal, e absolvida a Companhia de Seguros BB, S.A. do pedido de indemnização civil que os assistentes CC e DD, contra ela deduziram, reclamando o pagamento da quantia total de 357.103,73 €, sendo 250.000,00 € a título de indemnização pelo dano morte, 100.000,00 € a título de “pretium doloris”, e 7103,73 € a título de danos patrimoniais, acrescendo a este quantitativo juros de mora à taxa legal, contabilizados desde a citação da Demandada até integral pagamento.
- Interposto recurso da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, pelo assistente CC, veio esse tribunal por acórdão de 19 de Fevereiro de 2009, alterar a matéria de facto, revogar a sentença quanto às absolvições havidas, condenar o arguido pelo mencionado crime, e condenar a demandada Companhia de Seguros BB, S.A., a indemnizar os demandantes/assistentes, e ainda determinar a remessa dos autos à 1ª instância, “para, com base na matéria de facto agora fixada e na apreciação da responsabilidade civil e criminal que ela acarreta, se necessário depois de se reabrir a audiência, nos termos do artigo 371º do Código de Processo Penal, se determinar a pena e aplicar ao arguido e o valor das indemnizações devidas aos demandantes.”- Baixados os autos e, em cumprimento do determinado, foi reaberta audiência, vindo a ser proferida a sentença de 31 de Março de 2010, que condenou o arguido pela prática do citado crime e, julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelos referidos demandantes contra a mencionada Companhia de Seguros, “condenando esta no pagamento àqueles da quantia total de 196.933,81 € (englobando 130.000,00 € pelo dano morte, 30.000,00 € por danos morais a cada um dos assistentes demandantes, e 6.933,81 € por danos patrimoniais), devendo acrescer juros de mora à taxa legal que seja devida, contabilizados desde a citação da demandada até integral pagamento da quantia de 6.9333,81 € devida a título de danos patrimoniais.
Mais se decidiu sobre as custas devidas.
- Dessa decisão foi interposto recurso pela Companhia de Seguros BB, SA, considerando que, por recurso á equidade, a verba arbitrada pela perda do direito à vida não deveria ser, de montante superior a 50.000,00 € e, a verba arbitrada por danos morais não deveria ser de montante superior a 20.000,00 € por cada demandante.
Foi ainda interposto recurso subordinado pelos demandantes, reclamando as quantias indemnizatórias de 250.000,00 € pelo dano morte e, de 50.000,00 € a cada demandante, a título de pretium doloris, acrescidos de juros de mora contabilizados desde a data da sentença até integral pagamento à taxa sucessiva legal.
Veio então o Tribunal da Relação de Lisboa a julgar - por acórdão de 16 de Novembro de 2010 -, improcedente o recurso principal da Companhia de Seguros BB, SA e parcialmente procedente o recurso subordinado interposto pelos Demandantes/lesados CC e DD e consequentemente, condenar a seguradora “Companhia de Seguros BB, SA, no pagamento, aos Demandantes, da quantia de 230.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, e condenar a mesma seguradora no pagamento de juros de mora, relativamente a tais danos, à taxa legal devida, contabilizados desde a decisão de 1ª instância.
- De novo inconformada, recorre a Companhia de Seguros BB, Sa. para este Supremo concluindo: 1. As verbas arbitradas para perda do direito à vida e danos morais, não deveriam ser, por recurso à equidade, de montante superior a 50.000,00 € (a primeira) e 20.000,00 € por cada demandante ( a segunda).
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A condenação de cada demandada em valores superiores aos montantes referidos em 1., é muito exagerada e viola o disposto no artº 496º nº 3 do C.Civil.
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A douta decisão recorrente deve ser substituída por outra que condene a ora recorrente em valores não superiores aos referidos em 1.
- Responderam à motivação de recurso, os assistentes e demandantes cíveis CC e mulher DD, apresentando as seguintes: CONCLUSÕES 1. É entendimento pacífico que do artigo 496.º, n.ºs 2 e 3 do CC se extraem três danos não patrimoniais indemnizáveis: o dano pela perda do direito à vida; o dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte; e o dano sofrido pela vítima antes de morrer; 2. A respeito da indemnização pela perda do direito à vida, retenha-se que o dano da morte é o prejuízo supremo, i. é, a lesão de um bem superior a todos os outros; 3. Daqui decorre a necessidade de a compensação assumir um alcance significativo e não meramente simbólico; 4. Desde modo, a indemnização pelo dano morte, que é, no fundo, uma compensação, destina-se a minorar e a atenuar o mal consumado; 5. Pelo que, o dano morte, face à sua natureza não patrimonial, não é susceptível de ser medido em termos monetários, exigindo-se a atribuição ao lesado de uma soma em dinheiro que lhe permita um acréscimo de bem-estar que sirva de contraponto ao sofrimento moral provocado pela lesão; 6. Nesta decorrência, não deverá verificar-se uma padronização rígida da indemnização do dano morte nem a utilização exacerbada de casos paradigma para efeitos de determinação do quantum indemnizatório; 7. Acresce que os Tribunais Portugueses, ao contrário do acenado pela Demandada Cível no seu Recurso, têm vindo nos últimos anos a aumentar significativamente o valor da indemnização pelos danos não patrimoniais, no que mais não fazem que corresponder a um propósito do legislador, bem traduzido no regular aumento dos valores do seguro obrigatório; 8. Atenha-se que, à data da sua morte, EE era um jovem alegre e saudável; filho único amado pelos seus pais, familiares e amigos, tendo toda uma vida pela frente; amante e praticante de desporto e das artes; era uma vida que se lhe apresentava risonha, pois era um jovem com um percurso escolar de excelência, com um futuro promissor a nível acadérnico e científico, já com trabalho científico e académico de projecção internacional; estimado e reconhecido pela comunidade científica; 9. Se não tivesse sido vítima do acidente em discussão nos presentes autos EE, face ao percurso académico e cientifico que tinha com apenas 22 anos, seria actualmente um Físico de renome internacional; 10. Em síntese, a tragédia dos autos constituiu uma enorme perda da qual brotou um dano de enorme gravidade; 11. Logo, atendendo-se às referências legais, mormente a negligência consciente do condutor que carrega a culpa e a capacidade económica da Demandada Cíve1, e atendendo sobretudo ao valor social, à representatividade comunitária da vítima e ao vazio provocado pela sua morte, revela-se por demais despropositada e imponderada a alegação da Demandada de que" (. . .) é muito exagerada e viola o disposto no artigo 496º n.º 3 do C.Civil " a atribuição de uma indemnização pelo dano morte de € 130.000,00; 12. Pelo que, face ao expendido supra, e atendendo-se aos considerandos tecidos no douto Acórdão em crise, deverão improceder as Motivações da Demandada, mantendo-se a condenação da Demandada ao pagamento da quantia de € 130.000,00 a título de indemnização pelo dano morte; 13. O pretium doloris, tal como o dano morte, deve ser fixado por recurso a critérios de equidade, de modo a contribuir para atenuar a dor sofrida; 14. A este respeito, para configuração do dano sofrido, atenha-se que, por força da morte trágica dos presentes autos, ocorreram no ânimo dos pais da vítima as piores sensações que a "alma" humana pode suportar. Com efeito, após o anúncio da morte do seu filho, EE o Demandante Cíve1 descontrolou-se emocionalmente, perdendo o discernimento e, inclusivamente, a vontade de viver, o que acarretou várias tentativas de suicídio e o seu internamento durante uma semana no Hospital Migue1 Bombarda. Do mesmo modo, DD, mãe da vítima, passou por momentos de choque, sentindo a pior dor que uma mãe pode sentir. Experiências que se repetiram nos dias seguintes à morte do seu filho e que foram reavivadas por algumas efemérides, tais como a publicação da tragédia, como um dos casos mais dramáticos da sinistralidade rodoviária em Portugal, na Revista Visão de 16 de Dezembro de 2004 e no jornal do concelho de Palme1a de 25 de Julho de 2003 e a homenagem post mortem no Instituto Superior Técnico. Desde então os pais da vítima têm tido acompanhamento psiquiátrico, que continuará por tempo indeterminado, tomando ansiolíticos e anti-depressivos; 15. Em suma, face à tragédia, CC e DD perderam a alegria de viver, limitando-se a deixar passar os dias da forma menos dolorosa possível, recordando o seu filho e sentindo a sua falta como a sua maior perda; 16. Mais, há ainda a considerar a tortuosidade inerente a um processo com a duração de sete anos, com constante revi ver dos malogrados factos, o que, como é de experiência comum, impede o atenuar da dor, prolongando-a; 17. Ora, a matéria de facto provada retrata uma morte violenta, precoce, na flor da idade, de um jovem com muita alegria de viver e bastantes sonhos e projectos de vida ambiciosos já com frutos; 18. Assim, tendo em conta que o critério de determinação do quantitativo indemnizatório nesta sede é o mesmo que já foi referido a respeito do dano morte, encontrando-se plasmado nas disposições legais acima citadas, e face às características particulares do presente caso, descritas na matéria de facto provada acima elencada, é perfeitamente ajustada a quantia de € 50.000,00 para cada um dos progenitores peticionada a título de pretium doloris, devendo, assim, manter-se o douto Acórdão da Relação de Lisboa ao determinar a condenação da Demandada a pagar, a cada um dos Demandantes, este valor; 19. Assim, face ao acima exposto, improcedendo in totum...
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